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1. Democracia e representação popular

1.5. Os partidos políticos

Para buscar um sistema mais democrático, criou-se o modelo da democracia

partidária. A idéia seria fundar partidos democráticos, com seus dirigentes escolhidos pelos

filiados, financiados honestamente, buscando orientar a população e convencê-la por argu- mentos verídicos e por um autêntico programa de governo a ser efetivamente cumprido.

O sistema eleitoral criou um ambiente favorável ao surgimento dos partidos políticos, grupos organizados com o objetivo de concorrer às eleições, possibilitando a seus filiados alcançar o poder.

O partido político é hoje uma das vozes pelas quais a opinião pública se ex- pressa. Seu objetivo é colher fundos de campanha, propagar sua ideologia, realizar campanha sua e de seus filiados e colaborar com os eleitos. Mas é muito difícil – senão impossível – es- tabelecer uma tipologia genérica para os partidos, pois suas características vão depender do momento histórico, político e social em que estiver inserido.

Sem os partidos políticos, o funcionamento da representação política – que é a própria base das instituições liberais – é impossível. No entender da jurista Monica Herman Salem Caggiano (1987, p. 182):

A idéia de partido, aliás, desenvolve-se no cenário político de per si, inobstante a aversão que a filosofia liberal, iluminista, lhe reserva e o silêncio aposto acerca de sua organização durante todo o transcurso do século XIX e o início do corrente, em- bora já admitida sua irremediável sobrepujança como instrumento indispensável à realização do ideal democrático, no papel de ente intermediário entre o povo e o Estado.

Segundo escólio de Dalmo de Abreu Dallari (1995, p. 137), os partidos polí- ticos – como os conhecemos hoje – surgiram a partir de 1850. Mas a noção de oposição polí- tica vem da Inglaterra de 1680, na luta entre parlamento e Monarca.

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Os primeiros partidos foram de elite, com orientação liberal. Depois apare- ceram os partidos de massa, que passaram a ser o padrão atual dos partidos, espraiando várias de suas células em todo o território de atuação, para difundir sua influência, amealhar fundos, favorecer a mobilização para manifestações públicas ou até para revolução, fazendo a doutri- nação ideológica dos militantes.

Os partidos no Brasil de hoje foram previstos pela Constituição Federal

(CF), que lhes concedeu liberdade para criação, fusão, incorporação e extinção, pluripartida- rismo, liberdade de expressão e de associação, autonomia para sua auto-administração, orga- nização e funcionamento, financiamento do fundo partidário, espaço no rádio e televisão gra- tuitamente e outros.

O sistema tornou as agremiações livres e independentes da opressão estatal. Mas também impôs restrições, em prol da democracia e da ordem: proibiu receber recursos financeiros provenientes do estrangeiro; prestar contas à Justiça Eleitoral e demais pressupos- tos constitucionais e legais.

Segundo lição de Alexandre de Moraes (Direito..., 2003, p. 264), os partidos têm personalidade jurídica na forma da legislação civil, devendo registrar seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral.

Sendo o partido o candidato mediato, a fidelidade partidária passou a ser um imperativo. Os partidos adquiriram perfil de associação civil paraestatal, com direitos e obri- gações eleitorais, benefícios fiscais e garantias constitucionais.

A respeito das classificações para os partidos, existem várias, úteis para

entendê-los. Veremos agora três delas (DALLARI, 1995, p. 139).

Quanto à organização interna, podem ser: · partidos de quadros27 (buscam a qualidade de seus membros, pelo prestígio, posses, inteligência e outros dotes, mais comuns no passado, como já visto); ou · partidos de massas, freqüentes na atualidade, tentam o maior número possível de adeptos.

Pela organização externa, temos o sistema dos · partidos únicos, apesar que nos ambientes democráticos dificilmente se sustente o monopartidarismo – apesar de não ser inconciliável, desde que hajam reais possibilidades de surgir outros partidos (por ––––––––––––––

27 WEBER (op. cit., p. 568-569), chama de notáveis os membros dos partidos de quadros, que são mais férteis

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outro lado, pode haver um pluripartidarismo de aparência, na qual na realidade só um par- tido predomina); · bipartidários, em que há dois partidos fortes que se alternam no poder, desde que essa bipolaridade seja natural e autêntica, sem imposição, inclusive permitindo a existência de partidos menores, sem expressão política; · pluripartidários, caracterizan- do-se por vários partidos com reais possibilidades de galgar o poder, resultantes de ideo- logias divergentes e polarizadas, situação que torna mais adequado o parlamentarismo e necessárias as coalizões.

Quanto ao âmbito de atuação dos partidos, temos aqueles de · vocação lo- cal, que canalizam seus esforços para lograr o poder político em nível municipal; · partidos regionais, com atuação focada em regiões ou Estados; · nacionais, quando têm adeptos espa- lhados por todo o território nacional, ainda que não uniforme a distribuição; · partidos univer- sais, que estendem sua atuação para além das fronteiras do Estado, com identidade de princí- pios e forma de atuação, ainda que na aparência estejam restritos a um país para se adequar às exigências legais.

Sobre as vicissitudes dos partidos. Como já dito, os partidos políticos pro-

piciam a convergência de opiniões, notabilizando as expectativas de seus adeptos, com a si- nergia da força e da voz de cada indivíduo, organizados e racionalizados em sua atuação, faci- litando a identificação das correntes ideológicas, possibilitando superar obstáculos e uma re- presentação mais eficaz – ou até alcançar o poder político.

Os partidos políticos tornaram-se necessários à democracia, mas também podem se revelar uma ameaça a ela, pelo que a legislação partidária tem de ser bem pensada, evitando favorecer interesses passageiros ou de grupos.

Os problemas da democracia partidária são a falta de um programa claro, o não cumprimento dos objetivos propostos e a falta de fidelidade partidária. Outra realidade é que freqüentemente grupos com poder econômico fazem doações para campanha ou outros fins, alugando a consciência dos eleitos pelo partido para atuar em seu favor quando no po- der.

A opinião pública existe em nível majoritário (grande massa da população) e minoritário (grupos com interesses específicos, como os deficientes, os judeus, os homosse- xuais, etc...). Pelas técnicas de comunicação em massa (inclusive pesquisas de campo), os partidos informam-se qual é, canalizam e expressam a vontade popular, procurando abraçar as expectativas mais genéricas e amplas quanto possível.

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Nossa sociedade é complexa e eclética, sendo formada de brancos e negros, pobres e ricos, ateus e confessionais, católicos e protestantes, cultos e ignorantes, legalizados e clandestinos.

Para alcançar o voto na maior gama possível de grupos os partidos discur- sam uma ideologia vaga, abstrata e genérica (CAGGIANO, 1987, p. 194), com temas como justiça, igualdade social, segurança pública, crescimento sustentado, redução de impostos e distribuição de renda capazes de atrair todo o leque de eleitores. A fala agrada a todos, mas não leva à solução dos problemas efetivos, pois em regra é carregada de sofismas e demago- gias e em nada contribui para o deslinde dos problemas da Nação.

Não é interessante aos partidos favorecer ou desfavorecer abertamente os grupos (para não perder votos). Assim, as decisões políticas são tomadas a portas fechadas, longe da opinião pública, pecando contra a representatividade.

Ademais, a opinião pública pode ser manipulada, pelo que o controle dos meios de comunicação por um único grupo é atentatório à democracia. É imperioso que os meios de comunicação sejam livres e responsáveis, e que os partidos políticos, de situação e de oposição, tenham maturidade e ética.

Além dos já discorridos entraves do sistema partidário, hoje nem os parti- dos, nem a classe política, nem os eleitores se guiam por ideologias, mas pelo pragmatismo da melhor escolha. Por essa objetividade, as agremiações formam-se, desmembram-se, agluti- nam-se, extinguem-se ou formam coligações, como mero instrumento de se atingir o poder.

O discurso demagógico e falacioso mais desorienta a população e menos a conscientiza. Os candidatos de cada partido são indicados nas prévias pelo grupo que o con- trola, o que revela a tendência incontornável à oligarquia28, mesmo na melhor democracia, já que sempre se destacam líderes que predominam (ao eleitorado só resta escolher um entre os candidatos previamente destacados).

Após eleito, a falta de fidelidade do político com seu partido aumenta a di- vergência entre a vontade do eleitorado e a expressão parlamentar, abrindo espaço aos grupos de pressão.

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28 Pudemos notar forte semelhança entre os problemas atuais de nossos partidos – entre eles, a tendência oligár-

quica – e os dos sistemas partidários na Alemanha e nos Estados Unidos da América do início do século XX em WEBER, ibidem, p. 544-547.

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Os partidos perdem progressivamente a sensibilidade do que sejam os an- seios populares, deixando de ser o único norteador das decisões políticas do Estado, pelo que se tornou necessário existir mecanismos de participação popular, por meio de grupos de pres- são, consistindo em uma forma de democracia participativa.

A crise na política e dos partidos: estatísticas e opiniões.

O panorama exposto é agravado (reduz a importância dos partidos, mas fa- vorece a sociedade) pelo fato29 de que os políticos há muito tempo deixaram de ser o único canal de representação da comunidade capaz de traduzir seus anseios: hoje, temos também a igreja, as organizações não-governamentais, as universidades e outras. E se é certo que as ma- zelas dos partidos políticos existem em todos os países, não é menos correto que esses pro- blemas sejam mais acentuados no Brasil.

De fato, conforme pesquisa encomendada pela revista Veja30, feita pela Ibo-

pe Opinião que ouviu por telefone, entre os dias 23 e 25 de janeiro de 2007, 1.400 moradores

de capitais, periferia e interior das cinco regiões brasileiras, com idade de 16 anos ou mais, perguntou-se qual característica (entre as expressamente citadas) melhor definiria os atuais deputados e senadores brasileiros. Tivemos os seguintes resultados: desonestos (55%); insen- síveis aos interesses da população (52%); mentirosos (49%); oportunistas (45%); preguiçosos (31%); honestos (8%); sensíveis aos interesses da população (8%); trabalhadores (7%); since- ros (5%); dedicados (4%); nenhuma das anteriores (2%) e não sabe ou não opinou (16%).

Ademais, na opinião dos entrevistados: · 1) o grau de confiança na classe política é de 20%; · 2) a nota média dada aos deputados e senadores foi de 3,9; · 3) 52% dos entrevistados acreditam que o porcentual de bons deputados e senadores é inferior a 10%; · 4) 84% deles acham que os congressistas trabalham pouco; · 5) 94% das pessoas ouvidas crêem que eles defendem apenas seus interesses ou dos respectivos partidos; · 6) 76% não lembram de nenhuma medida de um deputado que tenha sido importante para sua cidade ou região; · 7) 83% não lembram de nenhuma medida de um senador que tenha sido importante para sua ci- dade ou região e · 8) 41% acham que a democracia pode existir sem os parlamentares.

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29 Opinião da cientista político Lúcia Hippolito dada em matéria da revista Veja de 31/1/2007, por lavra de Mar-

celo Carneiro e Camila Pereira, Políticos: ruim com eles, mas impossível sem eles. Ed. 1993, p. 50.

30 Matéria de Marcelo Carneiro e Camila Pereira entitulada Políticos: ruim com eles, mas impossível sem eles,

publicada na revista Veja em 31/1/2007, ed. 1993, p. 50-51. A margem de erro foi de 2,6% para mais ou para menos, considerando um intervalo de confiança de 95%.

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Acrescentamos os dados expostos por Caetano Ernesto Pereira de Araújo31:

[...] Os indícios (da crise dos partidos) são numerosos. Um dos mais evidentes é o absenteísmo eleitoral crescente. Basta mencionar, a título de exemplos, a já tradi- cional e elevada abstenção nas eleições norte-americanas; o maior absenteísmo e- leitoral da história do Reino Unido, na recente vitória dos trabalhistas; a eleição argentina de 2001, na qual a obrigatoriedade do voto levou a quase metade dos e- leitores a sufragar nomes de próceres do século XIX. Parece evidente que o siste- ma partidário, no mínimo não está conseguindo cumprir a contento sua função de mediador, desempenhar seu papel de filtro e construtor do leque de opções apre- sentado aos eleitores.

[...]

Um segundo indicador são os dados relativos à filiação partidária. De acordo com o Relatório de Desenvolvimento Humano 2002, do PNUD, na maior parte das democracias consolidadas, observou-se, nas últimas duas décadas, a queda acentuada do número de filiados a partidos políticos. Nos Estados Unidos da América e em boa parte dos países europeus, os partidos perderam entre um quarto e metade de seus filiados, dos anos 1980 até o presente. Ou seja, não é apenas a função de representação dos partidos que se encontra em crise, mas a de participação também.

[...]

Mudanças profundas na substância da política, somadas à revolução tecnológica le- vam a alguns estudiosos dos novos movimentos sociais, assim como a alguns de seus militantes e dirigentes, a postular a tendência ao fim dos partidos políticos e sua substituição progressiva por novos instrumentos de representação, ainda em gesta- ção. O fim do monopólio dos partidos sobre a representação, nessa perspectiva, sig- nificaria o reconhecimento legal de uma mudança que já estaria em andamento de fato, uma vez que um número cada vez maior de representantes do povo já teria co- mo referência maior grupos de eleitores e movimentos sociais diversos antes que às siglas partidárias a que se vinculam, siglas de ascendência cada vez mais tênue e formal. [...]

Uma das alternativas que se destaca diante das vicissitudes do sistema par-

tidário, além dos mecanismos de democracia representativa e semidireta, é que a sociedade vem buscando participar diretamente do processo de tomada de decisões políticas. É a demo-

cracia participativa, no dizer de Alexandre de Moraes32, já que o Parlamento representa os in- teresses dos grupos mais poderosos, capazes de fazer lobbying ou de alugar a consciência dos legisladores.

O Legislativo não reflete os anseios da população, pois a lei passou a ser re- sultado da pressão de grupos organizados. É o que passaremos a estudar.

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31 ARAÚJO, Caetano Ernesto Pereira de. O monopólio dos partidos sobre a representação política. Revista de

Informação Legislativa. Brasília. Janeiro a março/2004. p. 125-132.

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