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6. As imunidades formais na Lei de 1988 antes da Emenda 35

6.4. A crise nas imunidades formais

A defesa do Legislativo, necessária nos tempos das monarquias absolutas e do caudilhismo, não mais se fez tão presente na fase contemporânea na qual a democracia e a legalidade estão razoavelmente consolidadas – não obstante nem sempre sejam autênticas. ––––––––––––––

122 CACCURI, Antônio Edving. Imunidades parlamentares. Revista de Informação Legislativa. Brasília: Senado

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Por outro lado, cada vez mais freqüente as imunidades passaram a ter sua finalidade desviada para o abuso e a ilegalidade, confundidas estas garantias do parlamento com um alvará para o ilícito, por parte da classe política.

Flávia Piovesan, professora doutora de direito constitucional e direitos hu- manos da Faculdade de Direito da PUC-SP e procuradora do Estado divulgou123 levantamento do Presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados, resultando que, de 1995 a 1999, foram rejeitados 109 pedidos de processamento criminal de deputados fede- rais em um total de 137, o que demonstra um total desprezo do Congresso para com o eleito- rado e as instituições.

Conforme artigo do jornal Folha de São Paulo124 de 5 de agosto de 2001, p. A8, de 1991 a 1999, houve 151 pedidos de licença do Supremo Tribunal Federal para a Câ- mara dos Deputados, das quais duas apenas foram concedidas, 62 tiveram negado o pedido e 87 não chegaram a ser analisados em razão do término dos mandatos.

A referida autora (PIOVESAN, 2001, p. A3) deu o exemplo de um estudan- te de vinte anos, encontrado morto nas cercanias de João Pessoa em junho de 1998. As provas existentes apontavam para um deputado estadual, como autor do homicídio. A Assembléia Legislativa da Paraíba, porém negou a autorização por duas vezes, e o citado deputado estava em seu sexto mandato o que, aliada à notória demora do Judiciário tornava remota a esperan- ça de justiça aos familiares e amigos da vítima.

A legislatura no Congresso, no período 1994/1998, foi conturbada (KURA- NAKA, 2002, p. 159), pois, pela primeira vez senadores renunciaram a seus mandatos para escapar do risco de cassação: o episódio da quebra do sigilo do painel eletrônico do Senado em 2001 resultou nas renúncias dos senadores Antônio Carlos Magalhães (PFL/BA) e do en- tão líder do governo José Roberto Arruda (PSDB/DF).

Em setembro de 2001 (KURANAKA, 2002, p. 160), denúncias que envolvi- am o senador Jader Barbalho com um suposto esquema de desvio de verbas da Sudam (Supe- rintendência de Desenvolvimento da Amazônia), também, levaram-no a renunciar para fugir da cassação.

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123 PIOVESAN, Flávia. Prerrogativa ou privilégio (se há um Poder Judiciário independente, não há necessida-

de de imunidade processual nem de foros privilegiados). Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo em

4/7/2001, p. A3, obtido em 25/4/2007 de <http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/fz0407200110.htm>.

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Este e outros fatos, que ensejaram a cassação ou renúncia de congressistas, como o senador Luiz Estevão (envolvido com o esquema de superfaturamento na constru- ção do fórum trabalhista em São Paulo, investigado pela notória CPI do Judiciário) e o de- putado Hildebrando Pascoal (acusado de narcotráfico, crime eleitoral, formação de quadri- lha e homicídio do bombeiro Sebastião Crispim em 1997), geraram um desgaste do Poder Legislativo.

Para tentar contornar a crise o então Presidente do Congresso, Aécio Neves fez editar várias medidas para moralizar o parlamento, chamado Pacote Ético, consistente no Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados (resolução n. 25/2001), na criação do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar125 (art. 6° do Código de Ética da Câmara dos Deputados), na Ouvidoria Parlamentar (art. 21-A do RI/CD), na Comissão de Legislação Participativa (esta para possibilitar a cidadãos e ONG´s apresentar projetos ao Congresso, art. 32, inc. XII e 254 do RI/CD e resolução n. 21/2001) e na reforma via Emen- da Constitucional do Estatuto do Congressista, nesta incluídas, as imunidades parlamenta- res.

A reforma nas imunidades restringiu-se às imunidades formais, pois estas acarretavam desvios, corruptelas e delitos dos legisladores, pois, raramente, a Casa respectiva concedia licença para prisão ou processo. Em decorrência disso, a opinião pública reagia de forma cada vez mais descrente às instituições e apática à política.

PIOVESAN (2001, p. A3) propunha que "[...] se há um Poder Judiciário in- dependente, não há necessidade de imunidade processual nem de foros privilegiados", lembrando que não pode a lei excluir da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça de direito (CF, art. 5º, XXXV). Desta forma, as imunidades formais estariam incompatíveis com o Esta- do de Direito, pois seriam uma violação à igualdade (já que as demais pessoas não gozariam desse benefício) e retiravam da vítima de um crime o direito à proteção judicial.

Se uns entendem as imunidades formais como uma tutela dispensável e ana- crônica, como um privilégio iníquo, outros, como Henrique Coelho (1905, p. 71) defendem o instituto, por evitar que os parlamentares ficassem à mercê dos erros do Judiciário, das perse- guições dos adversários políticos e pressões por parte do Executivo.

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125 Seguindo o exemplo das Casas congressuais várias Assembléias Legislativas e Câmaras Municipais criaram

Conselhos de Ética e Decoro Parlamentar, para instaurar e instruir processos disciplinares. Porém, já em 1993 o

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Mas a noção de boa parcela da população é a de que a classe política é corrupta e, por ser juiz de seus atos, permanece impune. Por essa razão, quando há o clamor público contra determinado membro do Legislativo, de pronto a Casa preocupada com a imagem do colegiado como num todo providencia sua cassação, em processo sumário e político, despido de fundamen- tação técnica e, muitas vezes, de provas. Por esta razão, é justificável duvidar que possa ser justa determinada cassação – quando ocorre – e, muito menos, que realmente depure o grupo.

Nessa esteira, vale mencionar alguns projetos de emenda à Constituição, en- tre eles, os PEC's 34/1995; 101/1995; 518/1997; 12/1998; 14/1998; 610/1998 e 1/1999.

Coordenado pelo deputado Ibrahim Abi-Ackel, foi criado um Grupo de Tra- balho para avaliar as propostas. Ao final restou aprovado o texto final da Emenda 35 em 5/12/2001 em segundo turno, por 442 votos a favor, um contra e duas abstenções. A Emenda 35/2001 entrou em vigor na data de sua publicação, em 21/12/2001 (artigo 2°), reformando o art. 53 CF, texto esse reproduzido nos artigos 231, 233, 250 e 251 do RI/CD. Vejamos:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quais-

quer de suas opiniões, palavras e votos.

§ 1º – Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.

§ 2º – Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não pode- rão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão.

§ 3º – Recebida a denúncia contra o Senador ou Deputado, por crime ocorrido após a diplomação, o Supremo Tribunal Federal dará ciência à Casa respectiva, que, por iniciativa de partido político nela representado e pelo voto da maioria de seus mem- bros, poderá, até a decisão final, sustar o andamento da ação.

§ 4º – O pedido de sustação será apreciado pela Casa respectiva no prazo improrro- gável de quarenta e cinco dias do seu recebimento pela Mesa Diretora.

§ 5º – A sustação do processo suspende a prescrição, enquanto durar o mandato. § 6º – Os Deputados e Senadores não serão obrigados a testemunhar sobre informa- ções recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, nem sobre as pesso- as que lhes confiaram ou deles receberam informações.

§ 7º – A incorporação às Forças Armadas de Deputados e Senadores, embora milita- res e ainda que em tempo de guerra, dependerá de prévia licença da Casa respectiva. § 8º – As imunidades de Deputados ou Senadores subsistirão durante o estado de sí- tio, só podendo ser suspensas mediante o voto de dois terços dos membros da Casa respectiva, nos casos de atos praticados fora do recinto do Congresso Nacional, que sejam incompatíveis com a execução da medida.

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