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2. Sobre a Teoria Geral do Estado

2.2. Estado, federação, presidencialismo e república

O Estado é definido por Max Weber (2004, vol. II, p. 526) como o mono-

pólio da força legítima e pode ser definido sociologicamente, como uma organização política

lastreada na coerção física. Não que ele não disponha de outros elementos de controle. Não que o particular não possa se valer da coação física. Mas esta é para o Estado seu mecanismo essencial e caracterizador.

Juridicamente, o Estado seria entidade abstrata com o uso exclusivo do po- der de coação, pois converge para três facetas da soberania: 1) legislar; 2) com amparo nas leis, administrar e 3) também com respaldo nessas leis, julgar.

Jorge Rubem Folena de Oliveira39 entende o Estado como um mecanismo de dominação da poderosa minoria sobre as massas. Vejamos um trecho de seu artigo.

Dessa forma, o Estado é uma forte arma de que se valem os detentores do poder po- lítico para exercerem sua força de dominação sobre a sociedade; sendo que o direito, manifestado pela vontade estatal legislativa (isto é, as leis elaboradas nos parlamen-

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39 OLIVEIRA, Jorge Rubem Folena de. O direito como meio de controle social ou como instrumento de mudan-

56 tos), é utilizado pelos detentores do poder político para pôr em prática este sistema de controle social, seja para beneficiá-los, como manifestado por meio de normas de conteúdo patrimonial/econômica, as quais lhes convêm em suas relações; como também sobre as normas de penalização e afastamento da sociedade dos homens

bons – in casu eles, os poderosos – daqueles que são rotulados como maus e os in-

convenientes ao seu meio.

Luiz Antonio Nunes (1991, p. 74) afirma, amparado em Kelsen, Bobbio e Weber, que a força física é essencial à existência do Estado. Pode renunciar ao monopólio do poder ideológico (como ocorreu com a liberdade de religião) ou econômico (com a concepção de Estado liberal). Mas nunca ao monopólio da força, sob pena de se desfigurar como Estado, levando à anarquia.

Pela concepção de Max Weber (2004, p. 526), porém, não basta ao Estado o monopólio da força: ela deve ser legítima, para que se justifique o obedecer de muitos ao co- mando de uma minoria. Para que se possa – ao menos teoricamente – explicar por qual razão devem os governantes se submeter aos governados, como relação na qual aqueles se obrigam e estes detêm o direito e a Administração.

É este o ponto que pretendíamos chegar: os constantes escândalos de cor- rupção, que surgem especialmente nos Poderes de viés político (Legislativo e Executivo) es- tremecem a legitimidade dos governantes perante a cidadania (não a legitimidade formal, ju- rídica, porém, social) e por via reflexa subtraem a credibilidade das leis por eles emanadas.

A federação é originária do latim fœdus, que significa aliança, pacto, trata-

do. O federalismo foi concebido na Constituição dos Estados Unidos da América (EUA), em 1787, resultado dos anseios populares de valorização da liberdade, proveniente das idéias re- volucionárias dos Iluministas.

É a união indissolúvel de Estados primitivos, que renunciam à sua soberani- a, em prol do novo Estado formado, resultante da união daqueles, que passam a se chamar Es- tados-membros autônomos.

Proclama Monica Herman S. Caggiano40 que o federalismo possibilita aos Estados federados "[...] vivenciarem a diversidade na unidade", tendo resistido ao tempo gra- ças a "[...] sua plasticidade, de sua capacidade de enfrentar adversidades e, ainda assim, em climas antagônicos, oferecer vantagens [...]".

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40 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Federalismo incompleto. Revista Direito Mackenzie. São Paulo: Mac-

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Para a jurista citada, a evolução do federalismo depende de uma justa parti- lha de competências entre os entes participantes e de uma efetiva participação destes no cen- tro das decisões políticas (2000, p. 44).

Nos Estados Unidos da América, o federalismo surgiu pela união das treze colônias. O Brasil seguiu um caminho inverso, já que nasceu da descentralização político- administrativa do então Estado unitário, com a Proclamação da República, em 15 de novem- bro de 1889. O poder central subdividiu o poder entre as Províncias, que passaram a ser de- nominadas Estados-membros, que participam da formação da vontade federal por meio do Senado Federal.

Destarte nos EUA ocorreu41 o que teoricamente é denominado de atuação de uma força centrífuga, e no Brasil atuou uma força centrípeta para a adoção do federalismo, o que faz preponderar em nossa nação uma centralização de poder, o que inibe a democracia e obsta a aproximação do povo com o poder.

O federalismo brasileiro possui uma peculiaridade, que é a existência do Município e do Distrito Federal, como entes autônomos e integrantes da federação, inovação da Carta de 1988, com o afã de uma maior aproximação do povo aos seus go- vernantes.

No Estado brasileiro, preconiza Manoel Gonçalves Ferreira Filho (Curso..., 2002, p. 57), temos uma federação cooperativa, pois os entes federados a- gem de forma harmônica e coordenada, com competências que não se chocam, porém complementam e receitas (notadamente tributárias) próprias, de forma a otimizar os recursos de cada um. A atual Constituição deu tal importância ao federalismo que o e- rigiu ao status de cláusula pétrea, vedando sua revogação mesmo por Emenda (artigo 60, § 4º, inciso I).

Dentro desse cenário, as imunidades parlamentares vêm (teoricamen- te) para reforçar o princípio federativo ao proporcionar uma maior autonomia entre os entes para seu autogoverno, auto-administração, auto-organização e para o exercício de sua competência legislativa, dificultando a nebulosa interferência dos entes federa- tivos entre si.

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41 SOUZA, Adalberto Pimentel Diniz de. A mecânica do federalismo. Revista de Informação Legislativa, a. 42,

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O presidencialismo (DUVERGER, 1968, p. 185) se adapta melhor ao plu-

ripartidarismo (ambos presentes em nosso Sistema) que o parlamentarismo, pois a diversidade de partidos faz necessária uma coalizão entre os partidos, já que, em regra, nenhum deles lo- gra a maioria. Nesse caso, o Chefe do Executivo precisa de apoio de seu partido e de outros, para lograr aprovação das leis que estão em sua pauta.

No Brasil, a convergência de poderes para o Presidente da República é acen- tuada pela inclinação nacional ao poder pessoal. A Constituição de 1988 atenuou em parte a prevalência do Presidente ao estabelecer o controle e fiscalização pelo Legislativo de alguns atos do Executivo, ao buscar o fortalecimento do parlamento, sendo as imunidades parlamen- tares um dos mecanismos.

A república (res = coisa; publica = pertencente ao povo) está intimamente

ligada à democracia, ao governo do povo e com a participação deste.

Os assuntos de Estado devem ser tratados não como algo privado e em no- me próprio do representante, mas como questões que afligem a todos e em prol da coletivida- de devem ser decididos. Assim, a República é um conceito que antagoniza com o jargão abso- lutista The King can do no wrong, no sentido da irresponsabilidade do soberano no trato da coisa pública, confundindo sua personalidade com a do Estado em si – O Estado sou eu.

O princípio republicano é, antes de tudo, um recado ao soberano de plantão:

O Estado não é você – nem sempre entendido, porém. Suas características básicas são: · 1) a

temporariedade, que é a concessão de um mandato pelo povo através do voto a um represen- tante, por tempo determinado, vedando-se reeleições sucessivas para evitar recair na monar- quia e · 2) a responsabilidade política do governante, no sentido de prestar contas de suas de- cisões ao povo – o que não implica na responsabilização jurídica daquele – patrimonial e cri- minal – desde que se tenha balizado pelos trilhos da legalidade.

Na divisão de Charles de Secondat Montesquieu (2000, p. 15 e/ss.), as for- mas de governo seriam o despotismo – baseado no temor; a monarquia – fundada na honra e a

república – esta podendo ser democrática (lastreada no patriotismo) ou aristocrática (modera-

ção, mas também com respaldo no patriotismo).

Para o mestre francês a monarquia seria o governo de um só e sua degene- ração redundaria na tirania. A república aristocrática seria o governo de vários e sua corrup- ção levaria à oligarquia. A república democrática seria o governo do povo e seu desvirtua- mento acarretaria a demagogia.

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Cremos que, como república, o Brasil é democrático (apesar de imperfeita), mas também tem um viés aristocrático em razão da má distribuição de renda e bens. Podería- mos dar exemplos disso na iniciativa privada e no setor público. Nos concursos para ingresso nas carreiras de Estado (não nos referimos aos operacionais de nível médio e básico), aqueles poucos que são aprovados auferem excelentes salários e, digamos assim, fazem parte do go-

verno. A maioria reprovada fica acolá do divisor de águas42.

Confira-se o relato de Francisco José de Oliveira Viana43, para quem "[...] a nossa aristocracia tem sido aqui a aristocracia natural da riqueza e da inteligência – a dos fazen- deiros, nos campos; a dos capitalistas, nas cidades; a dos doutores, por toda a parte". Apesar de escrito originalmente há 87 anos sem sofrer revisões, seu pensamento permanece válido.

Como o Brasil possui uma feição democrática, mas um tanto aristocrática e ambas são baseadas no patriotismo (segundo a esquematização de Charles de S. Montesqui- eu), talvez aí resida em parte uma das razões para nossas mazelas. É o que veremos resumi- damente no estudo da história e sociologia brasileiras.