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3. O Poder Legislativo

3.3. O desprestígio do parlamento e suas verdadeiras funções

A antiga concepção do Estado liberal pressupunha a indelegabilidade do poder de legislar, pois a lei seria a mera declaração das regras jusnaturalistas preexistentes, decorrentes da natureza das coisas, sem objetivo de inovar. Ao Estado, cabia tão-somente manter a ordem pública.

Hoje, vivemos em uma sociedade cada vez mais dinâmica e comple- xa, carente de um processo legislativo ágil e eficaz. Por outro lado, em especial, com o advento das duas grandes guerras, foi constatada a dificuldade dos parlamentos re- agirem de forma condigna a situações de conflito.

Com a gradativa extensão do sufrágio ao proletariado e a adoção do modelo de Estado com função providencialista (Welfare State), com a tarefa de assegurar a todos um mínimo, a lei passou a exercer o papel de criar, extinguir ou modificar obrigações com caráter instrumental, um meio de aperfeiçoar a sociedade dinâmica, um mecanismo de realização po- lítica. Com este conceito técnico, passou-se a admitir a delegação da tarefa de legislar, até en- tão repudiada pelo direito constitucional clássico.

Ademais, diferente do período absolutista, o governo (Executivo) é hoje tão democrático quanto o Legislativo, não traduzindo necessariamente em retrocesso ou usurpa- ção a delegação de competências.

Cada vez são maiores as necessidades da sociedade, aumentando os encargos do Estado Social. Portanto, as responsabilidades do parlamento só tendem a crescer, mas ele é demasiadamente lento na tarefa de gerar as leis necessárias para o constante aprimoramento do Sistema Jurídico.

Isso em razão: · de ser um órgão colegiado, reunião das mais diversas ideologias, facções, partidos políticos e interesses; · do procedimento para elaboração das leis ser complexo e demorado, como não poderia deixar de ser em homenagem à segurança jurídica; · do Legislativo possuir muitas outras atribuições; · das freqüentes obstruções da pauta, provocadas pelo Poder Executivo.

Acode a autoridade de Manoel G. Ferreira Filho53: ––––––––––––––

71 Ademais, o Estado democrático e social levou a um tal desequilíbrio entre os Poderes que o "Executivo" tende a sufocar os outros dois. É este real- mente que tem em mãos não só a força política, pois reúne a cúpula do par- tido ou coligação majoritária, mas também as tarefas de que espera o povo a felicidade na terra [...].

20. Tomando nota desse quadro inexorável, várias Constituições modernas não mais falam em separação de Poderes, nem em Legislativo, Executivo e Judiciário. É o caso da Constituição francesa de 195854, que se refere ao governo, atribuindo-lhe função de "determinar e conduzir a política da Na- ção" (art. 20).

[...] É inviável pretender dar volta atrás reequilibrando os Poderes, já que isso não se coaduna com a missão ora atribuída ao Estado. Só seria possí- vel tentá-lo se se voltasse ao não intervencionismo estatal.

Para esse notável jurista, outros fatores forçaram os parlamentos a delegar parte da função legislativa (FERREIRA FILHO, Curso..., 2002, p. 155):

[...] a tecnicidade das questões, mormente econômico-financeiras, que tem de enfrentar o Estado-providência; a premência do tempo em relação ao vo- lume de regras a ser aprovado; a inconveniência do debate público relati- vamente a certas matérias (como defesa, câmbio etc.); a necessidade de uma adaptação flexível a circunstâncias locais ou transitórias; a freqüência de medidas de urgência etc. [...]

Isso provocou a supremacia do Executivo diante do Legislativo. Inclusive, porque é uma constante o governo domar os ânimos e as consciências dos legisladores, ce- dendo cargos a estes ou a seus apaniguados, nas estatais e dentro do próprio governo.

No Brasil, a preponderância do Executivo é tal que, não obstante a Constituição consagrar a autonomia financeira e administrativa dos Poderes (art. 2°), até mesmo, a indenização aos particulares decorrente da responsabilidade aquiliana do Legislativo e do Judiciário sai regularmente do orçamento do Executivo.

Podemos observar uma convergência de poderes e influência para o Executivo, em razão · 1) de as classes sociais e econômicas buscarem diálogo não com seus representantes, mas, diretamente com o governo, por ter este maior conhecimento técnico e um viés menos político55.

· 2) Da iniciativa e da capacidade de propor projetos de leis com mui-

to mais eficiência e rapidez que o Congresso, sendo que várias matérias são de sua iniciativa privativa, inclusive, podendo impor urgência em sua tramitação.

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54 ALMEIDA, Fernanda Dias Menezes de. Imunidades parlamentares. Brasília: Câmara dos Deputados, 1982. p.

44 acrescenta a Constituição da Itália de 1947 e a da Alemanha Ocidental de 1949.

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· 3) Do poder de editar medidas provisórias (MP's), em flagrante ati-

vidade legiferante, típica do parlamento, obstruindo a pauta do Congresso com sua grande quantidade – e muitas vezes, propositadamente, quando quer evitar a aprova- ção de uma lei que não deseja.

· 4) Retirando da pauta as MP's (revogando-as) quando quer desobs-

truir a pauta para apreciação de um projeto de lei que lhe interessa, agindo com des- vio de poder.

· 5) Do poder de veto, que dificilmente é derrubado.

· 6) Da subversão das funções do Legislativo, pois a maior parte do

tempo gasto pelas Casas do Congresso são para apreciar as MP's. Ademais, o tempo de tramitação destas é bem inferior ao tempo necessário para aprovação de um proje- to de lei originado do Legislativo, ou mesmo do Judiciário e do próprio Executivo.

· 7) Da manipulação do Congresso, pela centralização do processo de

tomada de decisões por via da atuação dos líderes dos partidos.

· 8) E pelo loteamento de cargos de confiança aos apaniguados dos

parlamentares e distribuição de verbas a seus redutos eleitorais, ou mesmo, para eles próprios, de forma ilícita, como foi o caso do mensalão56.

É inquestionável, portanto, que haja uma concentração de forças no Executivo passível de controlar o Legislativo, violando o princípio da Separação de Poderes e um desvirtuamento das funções típicas do parlamento, falando-se hodier- namente em crise da democracia. Nesse contexto, as imunidades podem ser ferra- menta útil, senão imprescindível.

Raramente um projeto de importância é discutido no Congresso. Há muito tempo que, lamentavelmente, uma de suas principais ocupações é tocar CPI’s para investigar crimes cometidos pelos próprios parlamentares, que mutilaram a imagem do parlamento. Até outubro de 2006, o Legislativo ocupava-se exclusivamente das eleições, que ocorreram em níveis federal e estadual. Entre novembro e dezembro, a atenção dos congressistas limitou-se ao aumento de quase 100% de seus próprios salários, concedido pela Mesa Diretora, mas, ao ––––––––––––––

56 O mensalão foi a alcunha dada pela mídia para um colossal esquema de corrupção em que o governo federal

(comandado pelo Partido dos Trabalhadores, coligados e até parlamentares da oposição) foi acusado em 2005 de desviar verbas estatais para custear a campanha eleitoral e para a compra periódica do voto dos deputados (men- saleiros) para aprovação dos projetos do Executivo, pois este não tinha maioria na Casa.

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final julgada inconstitucional pelo STF. Em janeiro, a disputa pela presidência da Câmara convergiu as discussões, ou seja, o Legislativo vem sendo, em boa parte, um fim em si mes- mo.

A maioria das leis de alguma importância ou é fruto de medidas provisórias ou resultado de projetos de leis propostos pelo Executivo. De modo raro um projeto de lei de autoria de parlamentar é aprovado pelos seus pares. Além disso, boa parte das leis modernas são pontuais, exaurem-se em si e são técnicas, não sendo fruto de deliberação do parlamento, mas, de estudos do terceiro escalão no Executivo.

Outras vezes, as leis ou vêm no calor das emoções ou são frutos de lobbies. Freqüentemente, sua redação é de assessores que ocupam cargos de livre provimento (tanto dos parlamentares como do Chefe do Executivo), muitos dos quais não possuem formação ju- rídica, gerando textos eivados de inconstitucionalidades e vícios formais.

Em seguida, vem a pressão política do Executivo ou dos próprios parlamen- tares para aprovar o projeto e isso explica porque, apesar de tantos mecanismos preventivos para o controle de constitucionalidade, ainda assim com freqüência os tribunais decidem que determinada norma afronta a Lei Maior.

Alguns dados quantitativos e estatísticos:

· 1) Consoante estudo57 do banco de dados legislativos do Centro Brasi- leiro de Análise e Planejamento (Cebrap), coordenado pela cientista política Argelina Fi- gueiredo, nas últimas cinco legislaturas, uma média de 85% das leis aprovadas no País foi proposta pelo Executivo. Na última legislatura58, 37% das leis de iniciativa dos deputados e senadores objetivaram tão-somente a criação de dias nacionais ou para homenagear per- sonalidades.

Sob a óptica das pessoas, esta paisagem dá a impressão de que o parla- mento é uma instituição cara, corrupta, fisiologista, corporativista, repleta de privilégios e que se ocupa somente de discussões comezinhas e frívolas, podendo ser dispensável. Tal- vez, por isso não tenha contado com o apoio popular quando a Ditadura de 1964 fechou o Congresso.

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57 Publicado na revista Veja de 31/1/2007, por Marcelo Carneiro e Camila Pereira, Políticos: ruim com eles, mas

impossível sem eles.Ed. 1993, p. 53.

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· 2) Avaliamos o conteúdo das 100 últimas leis municipais, estaduais e fe-

derais, de maneira que a última lei de cada esfera fosse anterior a 1°/11/2006. As 100 leis mu- nicipais foram as n. 14.131 a 14.230 (de 23/10/2006). As estaduais foram as n. 12.299 a 12.398 (de 29/9/2006). E as federais foram as n. 11.266 a 11.365 (de 26/10/06). Estas 300 leis estão gravadas em diskette no modo .txt (bloco de notas) e zipadas no Anexo.

Julgar a importância ou polêmica de cada lei é deliberação subjetiva. Por is- so, tentamos adotar critérios objetivos para selecionar as leis consideradas importantes das

não importantes – que supostamente prescindiriam da inviolabilidade para lograr aprovação.

Assim, foram consideradas não importantes (marcadas na tabela com "0") as leis que instituem festas e dias comemorativos (exemplos: dia do passarinheiro, lei munici- pal n. 14.208/06; dia do softbol no Município de São Paulo, lei n. 14.209/06; dia do bairro da Vila Gumercindo, lei 14.210/06; dia do enfermeiro intensivista, lei n. 14.211/06 e dia da famí- lia mineira em São Paulo, lei n. 14.212/06); que outorgam nome de ruas, praças, escolas, cre- ches e órgãos públicos; ou que conferem homenagens pessoais.

As leis consideradas importantes (marcadas na tabela com "1") foram aquelas que em, pelo menos, algum dispositivo (artigo, parágrafo, inciso ou alínea) pudes- sem potencialmente gerar alguma polêmica e mesmo as de caráter eminentemente técnico. Por exemplo, as leis que criam, extinguem ou modificam direitos, que criam algum con- ceito jurídico ou de caráter programático. São exemplos as leis de reestruturação de car- reiras, orçamentárias, tributárias, processuais, que alienam imóveis ou que abrem crédito suplementar.

O resultado foi que 73% das leis municipais não foram por nós consideradas importantes. Em nível estadual, 81% das leis foram consideradas não importantes. Mas, no âmbito federal, esse índice foi de apenas 13%. Este é o porcentual de normas que, portanto, prescindiram da inviolabilidade material em nosso entender.

Observamos que a incidência das leis importantes foi maior em nível fe- deral, o que pode ser reflexo da desproporcional distribuição de competências, concentra- das no legislativo federal. Mas a grande massa de parlamentares está em níveis estadual e municipal.

Vale ponderar, também, que parte das leis consideradas importantes possui índole técnica, sem carga axiológica e tem passagem meramente formal pelo Legislativo, sem dispensar qualquer discussão.

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Tabela I – As 100 últimas leis municipais, estaduais e federais

L e i s m u n i c i p a i s L e i s e s t a d u a i s L e i s f e d e r a i s 14131 1 14181 1 12299 1 12349 0 11266 1 11316 1 14132 1 14182 1 12300 1 12350 0 11267 1 11317 1 14133 1 14183 1 12301 0 12351 0 11268 1 11318 1 14134 0 14184 1 12302 1 12352 0 11269 1 11319 1 14135 0 14185 0 12303 0 12353 0 11270 1 11320 1 14136 0 14186 1 12304 1 12354 0 11271 1 11321 1 14137 0 14187 0 12305 1 12355 0 11272 1 11322 1 14138 0 14188 0 12306 1 12356 0 11273 1 11323 1 14139 1 14189 0 12307 1 12357 0 11274 1 11324 1 14140 1 14190 1 12308 1 12358 0 11275 1 11325 1 14141 1 14191 0 12309 0 12359 0 11276 1 11326 1 14142 1 14192 0 12310 0 12360 0 11277 1 11327 0 14143 0 14193 0 12311 0 12361 0 11278 1 11328 0 14144 0 14194 0 12312 0 12362 0 11279 1 11329 1 14145 1 14195 0 12313 0 12363 0 11280 1 11330 1 14146 1 14196 0 12314 0 12364 0 11281 1 11331 1 14147 1 14197 0 12315 0 12365 0 11282 1 11332 1 14148 0 14198 1 12316 0 12366 0 11283 1 11333 1 14149 0 14199 0 12317 0 12367 0 11284 1 11334 1 14150 0 14200 0 12318 0 12368 0 11285 1 11335 1 14151 0 14201 0 12319 0 12369 0 11286 0 11336 1 14152 0 14202 0 12320 0 12370 0 11287 0 11337 1 14153 0 14203 0 12321 0 12371 0 11288 1 11338 0 14154 0 14204 0 12322 0 12372 0 11289 1 11339 0 14155 0 14205 0 12323 0 12373 0 11290 1 11340 1 14156 0 14206 0 12324 0 12374 0 11291 1 11341 1 14157 0 14207 0 12325 0 12375 0 11292 1 11342 0 14158 0 14208 0 12326 0 12376 0 11293 1 11343 1 14159 1 14209 0 12327 0 12377 0 11294 1 11344 1 14160 1 14210 0 12328 0 12378 0 11295 1 11345 1 14161 0 14211 0 12329 0 12379 0 11296 0 11346 1 14162 1 14212 0 12330 0 12380 0 11297 1 11347 1 14163 0 14213 0 12331 0 12381 0 11298 0 11348 1 14164 1 14214 0 12332 0 12382 0 11299 1 11349 1 14165 1 14215 0 12333 0 12383 0 11300 1 11350 1 14166 1 14216 0 12334 0 12384 0 11301 1 11351 1 14167 1 14217 0 12335 0 12385 0 11302 1 11352 1 14168 1 14218 0 12336 0 12386 0 11303 0 11353 1 14169 0 14219 0 12337 0 12387 0 11304 1 11354 1 14170 0 14220 0 12338 1 12388 0 11305 0 11355 1 14171 0 14221 0 12339 1 12389 0 11306 1 11356 1 14172 0 14222 0 12340 1 12390 0 11307 1 11357 1 14173 1 14223 1 12341 1 12391 1 11308 1 11358 1 14174 0 14224 0 12342 1 12392 1 11309 1 11359 1 14175 0 14225 0 12343 0 12393 1 11310 0 11360 1 14176 0 14226 0 12344 0 12394 0 11311 1 11361 1 14177 0 14227 0 12345 0 12395 1 11312 1 11362 1 14178 0 14228 0 12346 0 12396 1 11313 1 11363 0 14179 0 14229 0 12347 0 12397 1 11314 1 11364 1 14180 0 14230 0 12348 0 12398 0 11315 1 11365 1 0 – lei considerada não relevante 1 – lei considerada relevante

Fonte: leis disponíveis em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/principal_ano.htm> (federais); <http://www.al.sp.gov.br/portal/site/alesp> (estaduais) e <http://ww1.prefeitura. sp.gov.br/servicos/cidadaos/cidadania/leis_municipais/index.php> (municipais).

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· 3) Relata Monica Herman Salem Caggiano (1987, p. 20) que entre

janeiro de 2001 a junho de 2002, tivemos: · 529 medidas provisórias, originadas do Executivo e destas, apenas 19 (3,6%), foram convertidas em lei pelo Congresso; · 3.233 projetos de lei propostos pelos parlamentares (deputados e senadores), e destes, apenas 81 (2,5%), foram aprovados; · 85 projetos de lei de iniciativa do Executivo (Presidente da República), dos quais 38 (44,7%) foram convertidos em lei – índice de aprovação muito superior aos projetos do próprio Congresso.

· 4) No entanto, contrariando o panorama descrito, encontramos59 publi- cação do Projeto Parlamento Transparente: Sistema de Avaliação de Desempenho do Parla-

mento, apoiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - Fapesp e di-

vulgado pelo Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal – Cepam.

Dentre os projetos de lei apresentados na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, entre 2001 e 2002, a maior parte foi decorrente da iniciativa do Legislativo, a- inda que sua participação em relação ao total tenha registrado queda, passando de 94,4%, em 2001 para 87,9%, em 2002. Os projetos de lei apresentados pelo Executivo indicaram um crescimento em sua participação relativa de 5,2% para 11,3%. Os resíduos são Projetos do Judiciário, do Tribunal de Contas, do Ministério Público e da iniciativa popular.

Com relação aos dados dos projetos de lei deliberados, observamos a mes- ma tendência em relação aos apresentados. Isto porque os Projetos deliberados originados do Legislativo são maioria e tiveram uma participação relativa decrescente nos anos analisados, correspondendo a 84,4% (232 projetos) em 2001 e a 83,0% (261) em 2002. Dos Projetos nas- cidos do Legislativo, foram deliberados 27,4% em 2001 e 39,5% em 2002.

Voltando ao desprestígio do parlamento, não podemos deixar de

admitir que a atuação legiferante do Executivo é essencial e que, na realidade, a Car- ta Política impôs a Separação de Poderes e não a separação de funções dos Poderes. Segundo a melhor doutrina (FERREIRA FILHO, Curso..., 2002, p. 155), é tendência geral a transferência da tarefa de legislar para o Executivo, pois "[...] os parlamen- tos, em toda parte, se mostraram incapazes de atender, em matéria de legislação, às necessi- dades do Welfare State". Ou seja: esse cenário não se afigura apenas no Brasil.

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59 Projeto acessado em 6/4/2007 em <http://www.cepam.sp.gov.br/v10/arquivos/parlamento_transparente.pdf>,

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Destarte, desde que estejam resguardadas a autonomia do Legislativo e a do Judiciário, não é pernicioso e é até louvável que seja feita uma partição de tarefas, ten- do por critério a capacidade técnica. Até porque para que o Legislativo possa desempe- nhar melhor os papéis de fiscalização, de controle e de representação, é necessário que es- teja livre das tarefas de rotina, entre elas, a de gerar leis de questionável importância.

Destarte, apesar da atividade legiferante estar relativizada no parlamento, a

utilidade das imunidades material e formal revela-se em sua tarefa de fiscalizar o Poder Público.

Propomos uma indagação: considerando · os sucessivos escândalos pro-

movidos pelo Congresso (veremos no capítulo dedicado à crise ética que assola o Legislati- vo); · que os parlamentares têm exercido pouco seu papel de legislar; · que, muitas vezes, dei- xam de fiscalizar (e concedem seu apoio ao) o Poder Público em prol do fisiologismo, por qual razão esse Poder não é ameaçado como instituição60?

Data vænia, vamos arriscar uma resposta. De um lado temos as garantias e

os mecanismos listados na Carta Magna, a qual atribui outras tarefas ao Congresso, artigo 48 e seguintes. Há, também, o temor generalizado de uma conturbação institucional, em parte pe- la lembrança ainda viva do período ditatorial.

Mas não é só. O Legislativo sustenta-se por ser um balcão de lobbying a serviço dos grupos de pressão (sindicatos patronais e de empregados, categorias de ser- vidores públicos, banqueiros, industriais, fazendeiros, agronegociantes, o próprio Execu- tivo...), influentes por sua organização, pelo dinheiro ou pelo poder, reciprocamente tra- ficado.

Não raro o parlamento utiliza seu poder de legislar e a lei em si como um produto de comércio, como moeda de troca, próprio do sistema capitalista61, assim, man- tém-se útil aos poderosos. Mas outras vezes legisla para seu eleitorado, pois este escolherá pelo voto quem estará no guichê de barganhas na próxima legislatura. Uma vela prá

Deus...

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60 Cf. IHERING, Rudolf von. A luta pelo direito. São Paulo: Martin Claret, 2004. p. 31: "Só assim se explica que

não raro certas instituições há muito condenadas [...]".

61 Aliás, para boa parte do eleitorado o voto também é moeda de troca – inclusive em regiões mais adiantadas,

conforme relato de BOBBIO (op. cit., p. 45): "[...] para usar uma terminologia mais crua mas talvez menos mis- tificadora, o voto clientelar, [...]".

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Evidente que em paralelo a essas atividades, temos as tarefas institucionais do parlamento que lhe têm acrescido prestígio nos últimos quarenta anos. São elas (CAGGI- ANO, 2004, p. 13 et seq.): · representação; · deliberação; · legislativa; · controle; · fiscaliza- ção; · financeiro; · eleitoral; · jurisdicional e · investigatória.

· 1) A representação foi a primeira das atribuições dos parlamentos, man-

tendo até nossos dias sua relevância, não obstante todas as reservas, desconfianças e obstácu- los, que comprometem sua autenticidade.

A sistemática dos partidos políticos não pôs por terra a representatividade dos parlamentares em si, diante do eleitorado. Desse modo, podemos nos perguntar como é possível, se é correto e, até se não existe perigo em eleger como parlamentares esportistas, cantores e pessoas que sempre estiveram alijadas da seara política e jurídica, em geral.

Como já dissemos, os aspectos técnicos das leis são delineados pelas asses- sorias dos parlamentos. Aos parlamentares, cabe a sensibilidade de perceber a conveniência e oportunidade delas, ou seja, o caráter político no conteúdo da lei.

Como pondera com sensibilidade e acuidade, Francinira Macedo de Moura (1992, p. 39), a qualidade do legislador não está em sua técnica na elaboração de leis, mas na confiança que seu eleitor deposita nele. Aí reside a legitimidade para exercer seu múnus. E, exatamente, aí reside o perigo da atual crise ética.

Em tese, o legislador possui mais legitimidade perante seu eleitor que o Chefe do Executivo. Isso porque o Presidente da República representa o País e todo o conjunto da população, enquanto o legislador representa especificamente o grupo de eleitores que o sufragou nas eleições62.

· 2) A deliberação, que resulta na lei ou em qualquer outra decisão política, na

definição de Manoel G. Ferreira Filho (Do processo..., 2002, p. 210) é "[...] propriamente constituti- va da lei, no sentido de que nela e por ela o Legislativo estabelece as regras jurídicas novas.

· 3) A legislativa – que já discorremos acima – não é a principal função do

parlamento nem lhe é exclusiva, mas é o que caracteriza esse Poder, como Legislativo. A di- nâmica do Welfare State, as necessidades e anseios da sociedade, a velocidade das mudanças, a complexidade das relações sociais, a tecnicidade que se exige das leis e outras nuanças acar- retaram a inaptidão dos parlamentos, com seus procedimentos e rotinas.

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62 E haveria uma maior legitimidade se fosse adotado o sistema do voto distrital, em que cada região

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· 4) O controle dos atos da Administração é uma forma de representação do

interesse público. Está previsto, por exemplo, no artigo 84 da Constituição, ao cominar ao Presidente o dever de prestar contas ao Congresso, a quem cabe deliberar e votar sobre tais matérias. Verbis:

Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

[...]

XI – remeter mensagem e plano de governo ao Congresso Nacional por ocasião da abertura da sessão legislativa, expondo a situação do País e solicitando as providên- cias que julgar necessárias;

[...]

XXIII – enviar ao Congresso Nacional o plano plurianual, o projeto de lei de diretri- zes orçamentárias e as propostas de orçamento previstos nesta Constituição;

XXIV – prestar, anualmente, ao Congresso Nacional, dentro de sessenta dias após a abertura da sessão legislativa, as contas referentes ao exercício anterior;

[...]

Este controle revela-se, também, na competência do Senado em, por exem- plo, autorizar operações externas de natureza financeira (art. 52, inciso V) e fixar limites glo- bais para o montante da dívida consolidada da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (inciso VI).

· 5) A fiscalização, realizada pelo parlamento, recebe o auxílio dos Tribu-

nais de Contas (art. 71 da Carta), órgão de caráter técnico e auxiliar na avaliação da regulari- dade, legalidade e legitimidade dos atos da Administração, sem poder deliberativo, porém tão-somente opinativo. Ademais, o artigo 49, inciso X da Lei comina ao Congresso o dever de "X – fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Exe- cutivo, incluídos os da administração indireta;".

· 6) O financeiro afigura-se na exigência de lei para a criação ou majoração

de tributos, o poder exclusivo de elaborar a Lei Orçamentária (mediante iniciativa do Execu- tivo, artigo 165 da CF), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e o Plano Plurianual, bem como controlar e fiscalizar a obediência destes.

· 7) Eleitoral – já que em algumas situações atua como substituto do povo

na escolha de seus governantes. No parlamentarismo, o Legislativo elege o chefe do Governo (Primeiro Ministro), bem como destitui todo o Gabinete pelo voto de desconfiança.

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No Brasil, compete-lhe a seleção do Presidente de cada Casa e da respectiva Mesa Diretora. O artigo 81 § 1° da Constituição atribui ao Congresso a tarefa de escolha do Presidente da República, caso ocorra a vacância dos cargos de Presidente da República e de