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3. O Poder Legislativo

3.9. Liberdade de expressão

Desde os tempos mais remotos, têm-se exemplos de repressão à liberdade de expressão, como na execução de Sócrates, envenenado pela cicuta74. Nos grotões da Áfri- ca, nas mais modernas nações européias e também no Brasil não faltam exemplos, mas limi- temo-nos a citar o período da ditadura militar.

José Cretella Júnior75 ressalva que o pensamento não tem como ser monito- rado ou tolhido, então a liberdade de pensamento, prevista pelo inciso IV do artigo 5° da Constituição (IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

...) representa na realidade a liberdade de pensamento expresso ou liberdade de expressão.

A liberdade de expressão é imprescindível para a busca da verdade em seu sentido mais amplo e ao desenvolvimento do espírito crítico e construtivo das pessoas.

Aquele que detém o poder tende a querer conservá-lo. A ideologia em voga sempre busca perpetuar-se. A tese acadêmica ou a teoria científica hoje aceita resistirá quando outra melhor ou apenas diferente vier à tona. Sob qualquer aspecto – político, econômico, so- cial, cultural ou científico – os detentores do status quo sempre estarão refratários às mudanças. Professa Pedro Demo (2004, p. 22) que:

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74 Sócrates, filósofo grego nascido em Alópece, Grécia, 470 a.C. e falecido em Atenas, Grécia, 399 a.C. Enciclo-

pédia Digital Estadão. São Paulo: Divertire, 2005. 6 CD-Rom.

75 CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense

92 3. O parâmetro da discutibilidade advém do paradigma da comunicação. A comuni- cação, para comunicar e comunicar-se, carece do outro lado, com as mesmas marcas de comunicação. Destrói-se a comunicabilidade se somente um lado fala e ao outro impõe-se silêncio, ou se o outro lado apenas pode consentir. "O diálogo crítico irres- trito torna-se, assim, o caminho da ciência".

Por isso, a liberdade de expressão de um parlamentar deve ir além daquela concedida ao cidadão comum. A liberdade de expressão ordinária está prevista no art. 5º, IV da Lei Fundamental ao brasileiro e ao estrangeiro que se encontre no Brasil.

A liberdade de expressão76 diferencia-se da liberdade de opinião no sentido que esta exprime77 um juízo conceitual, uma afirmação do pensamento e a expressão é a for- ma de manifestar os seus sentimentos ou sua criatividade, independentemente da formulação

de convicções, juízos de valor ou conceitos. Mas não raro um artista pode transmitir um juízo

crítico por meio de sua obra e aí estará exercendo não só sua liberdade de expressão, mas também a de opinião. É o caso da tela Abaporu da pintora brasileira modernista Tarsila do Amaral.

Como a lei não carrega palavras vãs, com maior razão a Constituição não o faria. O artigo 53 caput ao abranger as expressões opiniões e palavras pretendeu diferenciá- las. As opiniões só podem ser expressas por palavras escritas ou faladas. A diferença é que as palavras podem exprimir uma carga emocional sem qualquer juízo de valor necessariamente (gênero), enquanto as opiniões são obrigatoriamente juízos de valor (espécie do gênero pala-

vra).

Mas Andyara K. Sproesser78, valendo-se das definições dos dicionários rela- tivas às expressões opinião, palavra e voto e advogando que a Constituição não é um texto teórico, porém, para uso na prática social, conclui serem sinônimos e que a Carta objetivou apenas reforçar as imunidades.

A mentira é um abuso a essa liberdade, capaz de gerar prejuízos materiais e morais à vítima, passíveis de indenização por seu autor. Fora os abusos, a liberdade de ex- pressão é instrumento essencial à democracia e ao desenvolvimento social, cultural e tecnoló- gico da comunidade.

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76 ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de direito constitucional. 10ª ed. São

Paulo: Saraiva, 2006. p. 143-144.

77 Para CRETELLA (op. cit., p. 2625) "[...] Opinião é juízo valorativo ou axiológico sobre determinado assunto". 78 SPROESSER, Andyara Klopstock. As imunidades parlamentares no direito constitucional brasileiro. São

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Se para o cidadão comum a liberdade de expressão é um direito fundamen- tal, para os parlamentares, é ferramenta de trabalho essencial para fazer frente às suas atribui- ções – em especial, o debate de idéias, a fiscalização do Poder Público e a elaboração das leis. É importante frisar que a forma de expressão e não só a palavra falada é transmitida direta- mente ou pela televisão, rádio, entrevistas ou na tribuna, mas também a escrita pelos jornais, revistas, internet e outros meios.

É oportuno relembrar as circunstâncias com que foi editado o Ato Institu- cional n. 5, no auge do regime militar ditatorial (1964-1985). Em razão dos atos de violência do Regime, com prisões, assassinatos e desaparecimentos daqueles que se opunham ao Siste- ma, o deputado federal Márcio Moreira Alves fez um discurso na Câmara, exortando a Nação para que houvesse uma união pela democracia e um boicote aos militares. Estes, em resposta, solicitaram ao Congresso vænia para processar o parlamentar – já que ele estava protegido pe- la imunidade.

Mário Covas, também, deputado proferiu memorável discurso, ponderando que o que estava em jogo era algo muito maior – a independência do Poder Legislativo. A se- guir, transcrevemos um trecho dessas saudosas palavras.

Eis que hoje, esta Casa está sendo submetida a julgamento. Recolhida ao banco dos réus, aguarda o veredicto que será exarado pelos seus próprios ocupantes. Discute-se a validade de uma de suas mais caras prerrogativas, instrumento essencial de seu funcionamento como Poder, que é a inviolabilidade. A acusação é o crime de injúria a uma instituição, as Forças Armadas. A arma, a palavra [...]

O Congresso negou a licença para processar Márcio Moreira Alves em 12 de dezembro de 1968 e, no dia seguinte, foi editado o AI n. 5, em que o Presidente da Repú- blica decretou o recesso parlamentar, a faculdade de cassar mandatos eletivos federais, esta- duais e municipais e a possibilidade de suspender direitos políticos.

O Brasil submergia ao mais profundo período da repressão. Passaremos agora ao estudo das mencionadas prerrogativas.

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