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4. Imunidades parlamentares

4.2. As espécies de imunidades

4.1. Conceito

Na biologia, imunidade representa a resistência natural ou adquirida de um organismo vivo a um agente infeccioso ou tóxico. Na seara jurídica significa (HOUAISS et

al., Dicionário..., 2001, p. 1587) é o

1. Conjunto de privilégios, vantagens ou isenções de ônus ou encargos concedidos a certas pessoas em função do cargo ou função exercida; 2. capacidade de ficar afasta- do, livre, protegido de influência, circunstância, etc.; [...] 4. [...] conjunto de prerro- gativas de inviolabilidade pessoal do parlamentar, no exercício de suas funções, por seus votos, opiniões ou palavras; [...].

Em regra, as imunidades são concedidas pela Constituição Federal; com freqüência são confundidas com as isenções: estas também são escusas ao cumprimento de obrigações, porém são estabelecidas em lei. Há outras hipóteses, além das parlamentares.

No âmbito tributário, é a proibição da incidência de impostos em casos ta-

xativamente determinados pela Constituição (exemplo: artigo 150, inciso VI da Carta).

A imunidade diplomática é prevista na Convenção de Viena de 1961 (rati-

ficada pelo decreto n. 56.435/65) e de 1963 (decreto n. 61.078/67). É a prerrogativa funcional de não responder pelo crime cometido no Brasil, podendo ser punido no país de origem. A na- tureza jurídica é de causa excludente da ilicitude no Brasil.

Gozam de imunidade diplomática: o chefe de governo e sua família; o chefe de estado e sua família; o embaixador e sua família; os funcionários estrangeiros do corpo di- plomático e suas respectivas famílias; o cônsul (somente possui imunidade em relação aos crimes funcionais, salvo se houver previsão expressa no Tratado).

O Presidente da República possui dupla imunidade processual, ambas

plantadas no artigo 86 da Constituição: 1) licença da Câmara (não se inicia nenhum processo contra o Presidente da República sem a vænia da Câmara, art. 86 caput) e 2) não pode ser processado por atos estranhos às suas funções (§ 4°). · Existe a imunidade prisional: não cabe nenhuma prisão cautelar contra o Presidente da República, somente podendo ser preso após o

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trânsito em julgado da sentença condenatória (§ 3°). · Há a prerrogativa de foro perante o STF (crimes comuns) e o Senado (crimes de responsabilidade), conforme o art. 86 caput CF.

Os governadores possuem · imunidade processual, pois, para serem proces-

sados é necessário licença da Assembléia Legislativa. · Os Governadores só poderão ser pre- sos em flagrante de crime inafiançável. · Prerrogativa de foro: nos crimes comuns, são julga- dos pelo STJ (art. 105 CF). Os crimes eleitorais são julgados pelo TSE.

Os prefeitos não possuem imunidade prisional e processual, mas serão jul-

gados pelo Tribunal de Justiça (art. 29, inc. X da Lei Maior).

Os advogados possuem · a imunidade prevista pelo art. 133 da CF, sendo

invioláveis "[...] por seus atos e manifestações no exercício da profissão, [...]". · No exercício da função, só poderão ser presos por crime inafiançável. · O Estatuto da OAB garante imuni- dade penal e material somente na injúria e na difamação em sede de discussão da causa entre as partes, nos termos do art. 142, inc. I do CP. · Não possuem imunidade processual, ou seja: não é necessário vænia da OAB para serem processados.

Os magistrados e os promotores, também, gozam de algumas prerrogati-

vas que podem ser consideradas imunidades. O artigo 93, inciso VIII da Constituição disci- plina a remoção, disponibilidade e aposentadoria dos membros do Judiciário, para prevenir perseguições. O § 4° do artigo 129 da Lei estendeu esse direito aos membros do Ministério Público.

O artigo 95 da Carta prevê a vitaliciedade, a inamovibilidade e a irredutibi- lidade de subsídios. O mesmo em relação aos integrantes do Parquet, art. 28, § 5°, inc. I. O artigo 96, inciso III concedeu foro (juízo) privilegiado a juízes e promotores.

As imunidades parlamentares encontram-se na Carta, no Título IV (Da

Organização dos Poderes), Capítulo I (Do Poder Legislativo), Seção V (Dos Deputados e Senadores), disciplinadas no artigo 53 da Constituição, ou seja: são regras com status consti-

tucional. A matéria faz parte do direito constitucional, especificamente, no âmbito do direito parlamentar. É um dos tópicos do Estatuto dos Parlamentares.

Elas são frutos de uma lenta e progressiva evolução do parlamento inglês a partir do século XIII, diante da necessidade de enfrentar a supremacia da Coroa Britânica. Ou seja: são garantias institucionais (portanto, em tese, não existem para benefício pessoal dos parlamentares) que visam a atuação independente e ousada do Legislativo frente ao Executi- vo, que detém maior força dentro do Estado.

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Paulo Bonavides (Curso..., 2006, p. 536-542), citando farta bibliografia a- lemã, preconiza que as garantias institucionais são proteções elevadas a status constitucional, concedidas "[...] contra o Estado e não através do Estado [...]" às instituições e a determinados "[...] direitos fundamentais providos de um componente institucional que os caracteriza".

Acrescenta o eminente constitucionalista que a teoria constitucional das ga-

rantias institucionais foi essencialmente criada na República de Weimar, tendo por ideal "[...]

o reconhecimento de que determinadas instituições jurídicas devem ser resguardadas de uma supressão ou ofensa ao seu conteúdo essencial ou esfera medular, por parte do Estado, sobre- tudo do legislador".

No sistema brasileiro, as imunidades estão vinculadas, como já vimos, às noções de Democracia, Estado de Direito, Federação e Separação dos Poderes.

Para Carlos Maximiliano79, "295 – Imunidade parlamentar é a prerrogativa que assegura aos membros do Congresso a mais ampla liberdade da palavra, no exercício de suas funções, e os protege contra abusos e violências por parte dos outros poderes constitucionaes".

Têm por finalidade a proteção do livre e amplo exercício do mandato. Obje- tivam não um privilégio para o desfrute pessoal do político, mas uma garantia para o bom de- sempenho do Poder Legislativo. Abrange a inviolabilidade por suas opiniões, palavras e vo- tos, manifestados no exercício de seu múnus, bem como a proteção para não ser preso ou pro- cessado sem a anuência de seus pares – sobretudo, pelo risco que concretamente existe de o- correrem ações fraudulentas e ações levianas, a fim de constranger ou perseguir o político.

4.2. As espécies de imunidades

Sob a rubrica genérica de imunidades parlamentares, temos a material e as formais.

A imunidade material (art. 53 caput da Constituição), também, conhecida como imunidade real, substantiva, absoluta, inviolabilidade, indenidade (Alemanha), irres- ponsabilidade (Portugal e França), exemption from responsibility (EUA) ou freedom of speech ––––––––––––––

79 MAXIMILIANO, Carlos. Comentários à Constituição brasileira [de 1946]. 4ª ed. Rio de Janeiro: Freitas Bas-

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(Inglaterra), é a liberdade de expressão do parlamentar por suas palavras, opiniões e votos, não podendo ser processado por crime de opinião80 que hipoteticamente venha a cometer.

As imunidades formais são conhecidas na França como inviolabilidade par- lamentar (ALEIXO, 1961, p. 67-68), em Portugal como inviolabilidade81 e na Alemanha co- mo imunidade. Elas possuem duas vertentes: · 1) a garantia de não ser preso (ou freedom from

arrest, EUA e Inglaterra), art. 53, § 2º e · 2) a proteção de não ser processado, §§ 3º, 4° e 5°,

também, chamada por nossa doutrina de imunidade processual, improcessabilidade ou irres- ponsabilidade.

Além das que podemos chamar de imunidades strictu sensu, os parlamenta- res possuem outros três direitos, disciplinados no mesmo artigo 53 da Constituição e estuda- dos sistematicamente com as imunidades, quais sejam: · 1) a prerrogativa de foro – dá direito ao congressista ser processado perante o STF, § 1º do art. 53; · 2) a dispensa de testemunhar sobre informações recebidas ou prestadas em razão do exercício do mandato, § 6º e · 3) o pri- vilégio de só serem incorporados às Forças Armadas (ainda que militares e em tempo de guer- ra), mediante prévia licença da Casa (§ 7º).

Quanto à espécie normativa, para as deliberações parlamentares é impor-

tante lembrar que quanto às imunidades formais (relaxamento à prisão em flagrante de crime inafiançável e suspensão do processo-crime), bem assim a incorporação às Forças Armadas e a suspensão no estado de sítio são veiculadas por resolução, art. 59, inc. VII da CF.

Isso por ser instrumento normativo que pode irradiar efeitos interna ou ex- ternamente à Casa, próprio para os assuntos de competência privativa da Câmara (art. 109, inc. III RI/CD), do Senado (art. 213, inc. III RI/SF) e do Congresso, não incluídos nas maté- rias próprias dos decretos legislativos (MORAES, Direito..., 2003, p. 572). Vejamos:

Art. 109. Destinam-se os projetos:

I - de lei a regular as matérias de competência do Poder Legislativo, com a sanção do Presidente da República;

II - de decreto legislativo a regular as matérias de exclusiva competência do Poder Legislativo, sem a sanção do Presidente da República;

––––––––––––––

80 Crime de opinião é o gênero, do qual são espécies a calúnia, a injúria, a difamação, a apologia ao crime, o de-

sacato e a violação de segredos. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal. 11ª ed. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 267 e ALEIXO, Pedro. Imunidades parlamentares. Minas Gerais: Revista Brasileira de Estudos Políticos da Fa- culdade de Direitoda Universidade de Minas Gerais, 1961. p. 70.

81 GOMES, Carla Maria Fermento Amado. Constituição, prisão preventiva e inviolabilidade dos deputados: do

98 III - de resolução a regular, com eficácia de lei ordinária, matérias da competência privativa da Câmara dos Deputados, de caráter político, processual, legislativo ou administrativo, ou quando deva a Câmara pronunciar-se em casos concretos como: a) perda de mandato de Deputado; [...]

No entanto, observamos que na Assembléia Legislativa de São Paulo (A- LESP), as deliberações sobre o assunto vêm sendo editadas via decreto legislativo, conforme interpretação ao art. 145, §§ 2° e 3° da XII Consolidação do Regimento Interno da Dieta esta- dual. Vejamos:

Artigo 145 - A Assembléia exerce a sua função legislativa por via de projetos de lei,

de decreto legislativo ou de resolução.

§ 1º - Os projetos de lei são destinados a regular as matérias de competência do Le- gislativo, com a sanção do Governador do Estado.

§ 2º - Os projetos de decreto legislativo visam a regular as matérias de privativa competência do Legislativo, sem a sanção do Governador do Estado.

§ 3º - Os projetos de resolução destinam-se a regular, com eficácia de lei ordinária, matéria de competência exclusiva da Assembléia Legislativa, de caráter político, processual, legislativo ou administrativo, ou quando deva a Assembléia pronunciar- se em casos concretos, tais como:

1. perda de mandato de Deputado; [...]

Não obstante o texto do Regimento da ALESP seja semelhante ao da Câma- ra, houve uma inversão, passando a competência privativa a ser tratada por decreto legislati- vo, o que, salvo melhor juízo, não chega a gerar vícios formais, já que ambos os instrumentos normativos são atos primários, hábeis para inovar a ordem jurídica, tal como a lei e a medida provisória. Ademais, não há hierarquia entre a resolução e o decreto legislativo, apesar da or- dem estabelecida pelo artigo 59 da Lei Federal.