• Nenhum resultado encontrado

7. As imunidades formais após a Emenda 35 e o novo artigo 53

7.5. A imunidade processual

A franquia do não processamento sofreu significativa restrição pela Emenda Constitucional n. 35 em homenagem à ética no Congresso, sensível à opinião pública.

A imunidade formal pelos delitos cometidos é uma imunidade processual em relação às demais infrações penais que não a calúnia, a difamação e outros crimes de pala- vra, acobertados pela imunidade material.

Curioso que essa Emenda alterou a Constituição atual de forma parecida com que a Emenda 22 (de julho de 1982) alterou a Carta de 1967, ao modificar a delibera- ção parlamentar para fins de obstar o processo, não para liberá-lo (MORAES, 1998, p. 54). Esse movimento pendular do legislador constituinte revela quão polêmico é o assun- to.

Assim, diferente do sistema anterior140 à EC 35/2001, não deliberado ou re- cusada a paralisação do feito, este prossegue. Mas, data vænia, nos parece que o RI/CD não recebeu atualização no texto de seu artigo 249, que ainda dispõe:

Art. 249. A solicitação do Presidente do Supremo Tribunal Federal para instaurar

processo criminal contra Deputado será instruída com a cópia integral dos autos da ação penal originária ou do inquérito policial.

––––––––––––––

139 Foi o que ocorreu com o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Ibsen Valls Pinheiro, tendo perdido o man-

dato por deliberação de seus pares com fundamento no artigo 55, II CF (quebra de decoro), com a pena de inele- gibilidade por oito anos. Em seguida, o Supremo Tribunal Federal absolveu-o da acusação de sonegação fiscal que havia sido motivo da condenação política (Inq. n. 1.169-0/DF, rel. Min. Marco Aurélio, j. 2/10/1999, DJ de 14/10/1999, p. 17).

140 Em relação à existência de licença da Casa Legislativa, antes da EC n. 35/01, conferir: STF, Pleno, Inquérito

152

Oferecida a denúncia (ou queixa, se for ação penal de iniciativa privada) contra senador ou deputado, durante o mandato, o processo criminal deverá ser imediatamente instaurado pelo STF que apenas comunicará à Casa Legislativa. Na hipótese de crime pratica- do antes da diplomação, não há necessidade da Suprema Corte comunicar ao Legislativo, já que há possibilidade de suspensão do processo-crime (SPROESSER, 2002, p. 103).

O parlamento, por iniciativa de partido político nele representado e pelo vo- to aberto da maioria de seus membros (é caso de maioria absoluta141) poderá, até a decisão final do STF, decidir pela sustação do andamento da ação.

Da eficácia no tempo. Ela só é eficaz aos delitos praticados após a diplo-

mação, restringindo o regramento anterior à EC 35, que acobertava crimes anteriores. A fran- quia só se estende aos delitos praticados durante o mandato. Mesmo para esses delitos, encer- rada a legislatura, o parlamentar estará sujeito ao processo, que deve prosseguir normalmente. A imunidade formal não protege atos praticados após o mandato. Pedimos

vænia para reproduzir ementa referente à Constituição do Estado de Alagoas, antes da EC

35/2001, que estendia para além do período de mandato a franquia de não processamento:

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Liminar. Constituição Estadual. Outorga de imunidade parlamentar a ex-Deputado Estadual. Inconstitucionalidade por ir além do previsto no art. 27, § 1º, da CF. Suspensão de eficácia da norma concedida. Ementa Oficial: A República aborrece privilégios e abomina a formação de castas: parece inequívoca a inconstitucionalidade de preceito da Constituição do Estado de Alagoas, que, indo além do art. 27, § 1º, da Constituição Federal, outorga a ex- parlamentares, apenas por que tenha sido por duas sessões legislativas, a imunidade do Deputado estadual à prisão e o seu foro por prerrogativa da função, além de ve- dar, em relação aos mesmos antigos mandatários, 'qualquer restrição de caráter poli- cial quanto à inviolabilidade pessoal e patrimonial'.

J. 27/5/1988, ADIn. 1.828-2/AL, Sessão Plenária, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJU de 7/8/1998. RT 757/102.

Como existem delitos que se protraem no tempo, podendo ter início antes da diplomação e prolongar-se após ela, remetemos o leitor para o estudo do momento do crime, fundado na teoria da atividade, consagrada no artigo 4° do Código Penal para os crimes conti- nuados, permanentes e habituais, considerando-se como tempo do crime o último momento da conduta142. Para o concurso material, havendo delitos anteriores e posteriores à diplomação, aqueles não terão o benefício da imunidade, estes terão.

––––––––––––––

141 Como o § 3° do artigo 53 menciona maioria de seus membros, entendemos como toda a doutrina que é maio-

ria absoluta: a expressão absoluta é desnecessária e redundante, não obstante o artigo 47 da Lei Fundamental.

153

No tocante à abrangência formal, a proteção só subsiste para o processo

criminal, excluindo o cível, família, executivo e outros

José Cretella (1997, p. 2631) e José Celso Mello Filho (Justitia, 1981, v. 114, p. 167) ensinam que a garantia é válida apenas aos crimes comuns, o que abrange, se- gundo interpretação do STF ao artigo 102, I, b da Carta, os crimes dolosos contra a vida, os delitos eleitorais e as contravenções penais. Vejamos dois arestos143, com grifo nosso:

Quebra do sigilo bancário de membros do Congresso Nacional. Medida decretada por Tribunal Regional Eleitoral (TRE) no âmbito de inquérito policial instaurado contra Deputados Federais para apuração de crime eleitoral. Impossibilidade. Usur- pação da competência penal originária do STF. Reclamação julgada procedente. O Supremo Tribunal Federal, sendo o juiz natural dos membros do Congresso Na- cional nos procedimentos penais condenatórios, é o único órgão judiciário compe- tente para ordenar, no que se refere à apuração de supostos crimes eleitorais atribuí- dos a parlamentares federais, toda e qualquer providência necessária à obtenção de dados probatórios essenciais à demonstração da alegada prática delituosa, inclusive a decretação da quebra do sigilo bancário dos congressistas. A jurisprudência do Su- premo Tribunal Federal firmou-se no sentido de definir a locução crimes comuns como expressão abrangente de todas as modalidades de infrações penais, estenden- do-se aos delitos eleitorais e alcançando, até mesmo, as próprias contravenções pe- nais. Precedentes.

A garantia da imunidade parlamentar em sentido formal não impede a instauração de inquérito policial contra membro do Poder Legislativo, que está sujeito, em conse- qüência, e independentemente de qualquer licença congressional, aos atos de inves- tigação criminal promovidos pela Polícia Judiciária, desde que essas medidas pré- processuais de persecussão penal sejam adotadas no âmbito de procedimento inves- tigatório em curso perante órgão judiciário competente: o STF, no caso de os inves- tigandos serem congressistas (CF, artigo 102, I,"b").

Investigação judicial eleitoral (LC n. 64/90, artigo 22). Natureza jurídica. Procedi- mento destituído de natureza criminal. Competência jurisdicional da Justiça Eleitoral, mesmo tratando-se de deputados federais e senadores. Precedente.

STF, Pleno, Rcl. n. 511-9/PB, rel. Min. Celso de Mello, j. 9/2/1995, v.u., DJU, seção I, 15/9/1995, p. 29.506. RTJ 166/785.

E:

1.Inquérito. 2.Parlamentar federal. 3.Denúncia por crime eleitoral oferecida em pri- meiro grau. 4.Recebimento da denúncia por magistrado eleitoral. 5.Incompetência do Ministério Público para apresentar a denúncia e do Juiz Eleitoral para recebê-la. 6.Enquadram-se os crimes eleitorais entre os crimes comuns. 7.Competência origi- nária do STF (CF, art. 102, I, letra "b"). 8.Incidência do art. 53, § 1º, da Constituição. 9.Habeas corpus, de ofício, concedido para anular a denúncia e seu recebimento bem assim o processo, desde a denúncia inclusive. 10.Após, os autos devem ser en- caminhados à Procuradoria-Geral da República, conforme por ela requerido. [...] Examinando questão de ordem suscitada pelo Min. Néri da Silveira, relator, o Tri- bunal, por unanimidade, concedeu habeas corpus de ofício para anular o processo, a partir da denúncia, que fora oferecida contra deputado federal e recebida pelo juízo eleitoral de Curitiba, por suposta prática de crime eleitoral.

––––––––––––––

154 Entendeu-se que os atos praticados pelo Ministério Público e pelo juízo de Curitiba e- ram manifestamente ilegais, porquanto, além de praticados por autoridades incompe- tente ("CF, art. 53 [...] § 4º – Os Deputados e Senadores serão submetidos a julgamen- to perante o Supremo Tribunal Federal"), o parlamentar não poderia ser processado sem prévia licença da Câmara dos Deputados ("CF, art. 53 [...] § 1º – Desde a expedi- ção do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável, nem processados criminalmente, sem prévia licença de sua Casa"). Afastou-se a alegação do Ministério Público local no sentido de que a imunidade parlamentar e a prerrogativa de foro não se aplicavam aos crimes eleitorais. Inquérito 1.391/PR, Questão de Ordem, Pleno, rel. Min. Néri da Silveira, j. 23/6/1999, Diário de Justiça de 6/8/1999, p. 8.

Não se aplica essa proteção aos inquéritos policiais, de feição investigativa, que podem prosseguir até seu término e até o oferecimento da denúncia, sem que a respectiva Casa possa obstar seu andamento. Mesmo que não se trate de flagrante, pois não há contradi- tório por ser mero procedimento administrativo investigatório.

Sobre o alcance subjetivo, praticado crime por parlamentar em concurso de

agentes, os co-autores não se beneficiam da proteção. É o teor da Súmula 245 do STF, ou se- ja, na hipótese de sustação do andamento do processo pela Casa Legislativa, havendo concur- so com acusado que não seja parlamentar (co-autoria), o processo deverá ser separado, nos termos do artigo 80 do Código de Processo Penal, sendo os autos enviados à Justiça Comum, para que prossiga no processo e julgamento do co-autor não parlamentar, já que a prescrição não é suspensa para este.

O requerimento deve ser por iniciativa de partido político com representa-

ção na Casa, não necessariamente o partido do parlamentar acusado.

O prazo para deliberação deve ocorrer improrrogavelmente em quarenta e

cinco dias (art. 53, § 4º), a contar do recebimento do pedido pela Mesa Diretora, por voto a- berto da maioria de seus membros, por meio de ciência dada pelo Judiciário ao Legislativo. Caso deferido, suspende o prazo prescricional da pretensão punitiva do Estado (§ 5º) enquan- to durar o mandato com base na decisão da Casa de sobrestamento do feito.

Consoante escólio do Prof. Damásio Evangelista de Jesus144 haveria um conflito de normas no seio do próprio artigo 53 da Carta:

[...] O texto dá a entender que, superado esse lapso temporal, não pode haver mais suspensão da ação penal. Isso, porém, não se encontra claro na disposição. Já o § 3º estende o período de admissibilidade da sustação até o trânsito em julgado da sen- tença final.

––––––––––––––

144 JESUS, Damásio Evangelista de. Em artigo obtido em fevereiro de 2002 no site <www.damasio.com.br/novo/

155 Trata-se de mais uma trapalhada legislativa. Cremos que deve prevalecer a norma que mais beneficia o parlamentar, qual seja, a que permite a apreciação do pedido de sustação até a decisão final do processo criminal (§ 3º, parte final). Note-se que não há cominação expressa de sanção ao Senado ou à Câmara Federal pela supe- ração do prazo de 45 dias. Logo, a determinação constitucional restritiva é letra morta.

Já Pedro Lenza (2005, p. 228) harmoniza as duas regras: o pedido de susta- ção não tem prazo, podendo ser feito até antes do trânsito em julgado da ação. A Mesa, po- rém, tem o prazo improrrogável de 45 dias a partir do recebimento do pedido de sustação. Mas não explica qual seria a conseqüência pela extrapolação do prazo.

O melhor entendimento é o de Fernanda Dias Menezes de Almeida (2003, p. 104), quem esclarece que o objetivo da regra é agilizar a decisão sobre o pedido de sobres- tamento da ação. Ensina essa constitucionalista que o silêncio não corresponde a uma autori- zação fazendo, isto sim, "[...] decair o direito da Casa de sustar o andamento do processo", o qual deverá prosseguir até seu término.

E se o comunicado do STF ocorrer durante o recesso parlamentar, quando

os membros do Legislativo não estiverem em atividade?

Há decisão do STF no sentido que a Comissão (vide supra, no caso de deli- beração quanto à prisão em flagrante de crime inafiançável) formada durante o recesso não tem competência para deliberar, pois o § 3° do artigo 53 da Carta exige a maioria de seus

membros.

Neste caso, cremos que deva a ação penal prosseguir até que termine o re- cesso, para então a Dieta deliberar quanto a sustação do processo-crime.

A suspensão da prescrição foi prevista pela primeira vez na Carta de 1988

(§ 5° do art. 53) em razão do sobrestamento do processo e foi providencial. Antes da promul- gação da atual Constituição, havia aqueles que, não sem razão, propugnavam que a sustação do processo não ensejava a do prazo prescricional por falta de previsão legal, que deveria ser expressa e não deduzida pela hermenêutica.

Pelo sistema anterior à Emenda 35, a prescrição era suspensa desde o mo- mento em que o magistrado paralisava o processo, no aguardo da autorização da Casa – que poderia não ocorrer e daí permaneceria suspensa a prescrição até o término do mandato.

Com o mecanismo atual, a prescrição é suspensa a partir do momento que o legislador susta a ação penal – apenas se o fizer.

156

Ainda quanto à prescrição, a hermenêutica desse parágrafo quinto nos

conduz a concluir que onde se disse ...enquanto durar o mandato, trata-se do esgotamento do último mandato, caso reeleito o legislador. Apesar de estar no singular (mandato), a decisão que suspende o processo e a prescrição vale para eventuais mandatos seguintes, desde que consecutivos, pois, é claro que o legislador constituinte não previu a hipótese de reeleição.

Ou seja: deliberado pela sustação ou pelo prosseguimento da ação penal, re- eleito o acusado, o processo, bem assim a prescrição devem permanecer suspensos. Até por- que a deliberação da Casa é veiculada por resolução que, como qualquer ato normativo primá- rio, mantém sua vigência até que seja revogada (MORAES, Direito..., 2003, p. 572).

Portanto, não é o caso de, na nova legislatura, provocar-se nova deliberação. Muito menos adotar-se entendimento (já defendido antes da atual Constituição) de se preten- der suspenso o processo, mas não a prescrição, conduzindo à iniqüidade e à injustiça, subtra- indo a proteção do Estado por acarretar a extinção da punibilidade do parlamentar.

Vale acrescentar que é muito comum a reeleição dos legisladores, inclusive, daqueles com contas a prestar perante a Justiça ou cassados, ou que renunciaram ao mandato para evitar a cassação e depois se reelegem (tivemos alguns casos nas eleições de 2006).

Com o advento da Emenda 35/2001, como ficaram os processos criminais

de parlamentares anteriores a ela? Para Alexandre de Moraes (Direito..., 2003, p. 411) a E- menda 35/2001 possibilitou a continuidade ou início dos processos que estavam inertes por falta de licença, pelo que para esses casos a prescrição voltou a tramitar. Vejamos a ementa de um acórdão145 que endossa tal posicionamento:

Imunidade parlamentar. Abolição da licença prévia pela EC 35/01. Aplicabilidade imediata e conseqüente retomada do curso da prescrição.

1. A licença prévia da sua Casa para a instauração ou a seqüência de processo penal contra os membros do Congresso Nacional, como exigida pelo texto originário do art. 53, § 1º, da Constituição configurava condição de procedibilidade, instituto de natureza processual, a qual, enquanto não implementada, representava empecilho ao exercício da jurisdição sobre o fato e acarretava, por conseguinte, a suspensão do curso da prescrição, conforme o primitivo art. 53, § 2º, da Lei Fundamental.

2. Da natureza meramente processual do instituto, resulta que a abolição pela EC 35/01 de tal condicionamento da instauração ou do curso o processo é de aplicabilidade ime- diata, independentemente da indagação sobre a eficácia temporal das emendas à Consti- tuição: em conseqüência, desde a publicação da EC 35/01, tornou-se prejudicado o pedi- do de licença pendente de apreciação pela Câmara competente ou sem efeito a sua dene- gação, se já deliberada, devendo prosseguir o feito do ponto em que paralisado.

––––––––––––––

145 No mesmo sentido, STF, Inq. 1.637-3/SP, rel. Min. Celso de Mello, j. 8/4/2002 (informativo STF n. 266, de

157 3. Da remoção do empecilho à instauração ou à seqüência do processo contra o membro do Congresso Nacional, decorre retomar o seu curso, desde a publicação da EC 35/01, a prescrição anteriormente suspensa.

STF, Pleno, Inq. n. 1.566-1/AC, Questão de Ordem, rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. 18/2/2002, DJ 22/3/2002, seção I, p. 32. Informativo STF 265, de 22 a 26/4/2002.

A decisão nos pareceu verter mais para a justiça e conveniência que para a técnica, pois o STF firmou entendimento no sentido que as novas regras têm aplicação imedi- ata e retroativa aos casos anteriores à Emenda 35, inclusive, àqueles em que houve indeferi- mento da Casa para prosseguimento da ação penal.

Essa foi uma situação de transição em que tivemos duas hipóteses distin- tas: · processos sobrestados em razão de pedido de vænia para processamento negado pelo Legislativo, especialmente, se o fato ocorreu durante o mandato e · casos pendentes de apreciação.

Na primeira hipótese, de autorização recusada, Jorge Kuranaka (2002, p. 186) pende pela segurança jurídica e pelo respeito à decisão tomada pelo parlamento, baseada nas regras então vigentes.

Cremos que a razão esteja com Kuranaka em observância à segurança jurí- dica e em respeito ao Legislativo: é de se respeitar as deliberações que recusaram licença para processar parlamentares, pelos delitos supostamente praticados antes da Emenda.

Já na hipótese de processo pendente de deliberação da Casa para autorizar o processamento, Jorge Kuranaka inclina-se pela possibilidade de retomar o curso do processo normalmente. Aqui, ousamos discordar do mestre: não obstante a inconveniência política de nossa posição, cremos que o direito e a legalidade devem sempre prevalecer.

Presumindo que o parlamentar ainda possuísse mandato – e, portanto, em vigor a imunidade formal, tendo sido o delito praticado antes da Emenda 35 (na vigência do mandato ou antes dele), é regra do direito penal que as normas mais gravosas não retroa- gem. Apenas as leis mais benéficas podem afetar os crimes cometidos, antes da vigência daquela.

Ora, a regra anterior era mais benéfica: exigia-se licença para o processa- mento e, não apreciada ou recusada, faltaria este pressuposto processual específico, que veio a ser eliminado pela reforma das imunidades. Destarte, cremos que tanto nos casos em que a autorização não foi apreciada como nos que foi negada, não seria passível a retomada do pro-

158

O Supremo Tribunal Federal, porém, firmou entendimento que a nova reda- ção do § 3° do art. 53 da CF possibilitou o início ou continuação das ações penais referentes aos delitos praticados anteriormente à Emenda 35. Posição esta endossada pelo constituciona- lista Alexandre de Moraes. Os processos tiveram seguimento perante o STF e a discussão passou a ser meramente teórico-doutrinária.

Evidente que, findo o mandato e não reeleito, ficam subtraídas as imunida- des, podendo prosseguir o processo, caducando a causa obstativa do prazo prescricional.

O princípio da especialização da licença, consoante o magistério de Raul

Machado Horta (2002, p. 591), esse princípio esteve em voga durante o regime anterior à E- menda 35. Antes dessa alteração constitucional, o Legislativo dava autorização para processar seu membro e por esse princípio tal anuência era válida apenas e especificamente para os fa- tos incriminadores existentes na peça acusatória.

Caso a instrução viesse a apontar um fato novo, mostrando nova infração, que viesse a gerar tipificação diversa da já existente, mister novo pedido de autorização ao parlamento. Mas a doutrina reputava prescindível nova apreciação se, baseado nos mesmos fatos conhecidos pela Casa quando da permissão, fosse dada pelo Parquet ou pelo Judiciário qualificação jurídica divergente daquela que motivou o pedido de licença, ainda que pudesse exasperar a pena.

Desse modo, propõe-se a indagar se com a atual sistemática das imunidades,

mutatis mutandis, seria aplicável essa teoria, e a resposta será positiva, ou seja, comunicada a

existência da ação penal à Casa pelo STF, deliberado pelo seu sobrestamento ou prossegui- mento, em surgindo novos fatos a ensejar tipificação penal diversa, haverá de ser o caso de efetivar a Dieta nova comunicação, para fins de ratificar – ou não – a decisão anterior.

Sobre a divisibilidade da licença, a Professora Fernanda Dias M. de Al-

meida (1982, p. 122-123), escorada em respeitável doutrina, sustenta que a licença não precisa ser indivisível, pois assim a Constituição não obrigou.

A estudiosa relatou casos concretos, entre eles, o projeto de resolução n. 100-A/1965, em que a autorização foi concedida para prosseguimento do processo, porém só até o julgamento, excluindo este, após o que seria necessário fazer novo pedido à Casa para outra deliberação. A segunda decisão far-se-ia à vista de provas mais conclusivas e com base no destino dos demais investigados pois, de todos os supostos co-autores, apenas o deputado Millo Cammarosano havia sido denunciado, o que gerava suspeita de perseguição.

159

Pedro Aleixo (1961, p. 83) forneceu outro interessante exemplo, tirado do projeto de resolução n. 27/1955, em que se permitiu o processo, mas não a prisão, para o que haveria futuramente nova deliberação do parlamento.

Carla M. F. Amado Gomes (2003, p. 84) também ofereceu um exemplo no direito português, em que o Judiciário solicitara autorização da Assembléia para que um depu- tado prestasse depoimento e, conforme o caso, fosse decretada sua prisão provisória. Ela con- cedeu licença apenas para o depoimento e ainda assim só por escrito, feita em sua residência.

Hoje, editada a Emenda 35/2001, o feito penal tramitará normalmente e a deliberação é para sustá-la mas, mutatis mutandis, nada impede haja opção parlamentar de se sobrestar o andamento do processo-crime a partir de determinada data ou determinada fase processual; ou seja: permitir seu trâmite até certo ponto.