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Alguns dados sobre a saúde mental dos portugueses

A S POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL E DE

1.2. Alguns dados sobre a saúde mental dos portugueses

Muito frequentemente ouvimos dizer, entre os técnicos que trabalham na área dos cuidados em psiquiatria, que “a saúde mental é o parente pobre da saúde”. De facto, esta expressão não traduz apenas um orçamento, bem mais restrito face a outros investimentos na área da saúde, mas todo um conjunto de indicadores de desinvestimento e abandono que sempre se fizeram sentir. Aliás, tal é assumido claramente pela CNRSSM no seu relatório, afirmando que “a saúde mental nunca foi uma prioridade para os ministérios da saúde no passado (…) A perspectiva de saúde pública e a cultura de avaliação de serviços sempre foram frágeis na área da saúde mental em

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Portugal. Resultado: os recursos alocados à saúde mental são indiscutivelmente baixos se atendermos à contribuição real das doenças mentais para a carga global das doenças” (CNRSSM, 2007:58). Mas este é um problema que não é exclusivamente nacional. A própria Dra. Gro Harlem Brundtland, directora-geral da OMS/WHO afirma a negligência a que foi votada a saúde mental durante tempo demasiado e desvalorizada face à saúde física (OMS, 2002).

No entanto, a relevância dos dados é tal e a carga socio-económica associada à doença mental é tão substancial, que será impossível continuar a ignorar o investimento que terá de fazer-se nos diferentes níveis de prevenção e intervenção nesta área de enorme complexidade.

De acordo com o estudo “The Global Burden of Disease”, efectuado pela Universidade de Harvard (EUA) (cit. in Santana, Alves, Couceiro, & Andreozzi, 2008), e da Organização Mundial de Saúde (2002), sabe-se hoje que, da carga resultante das doenças em geral, mais de 12% se devem às perturbações psiquiátricas, valor que sobe para 24% na região europeia. A depressão grave é actualmente a principal causa de incapacidade para o trabalho em todo o mundo, ocupando o 4º lugar nas 10 principais causas de patologia. (OMS, 2002). Estima-se mesmo que a depressão poderá ser a 2ª das principais causas de doença no mundo nos próximos 20 anos: entre esta e outras patologias, “rara é a família poupada a um encontro com perturbações mentais”, sendo que “uma em cada quatro pessoas será afectada por uma perturbação mental em dada fase da vida”(id., ibid.: xii)

No Relatório da CNRSSM (2007:28) denuncia-se o desconhecimento existente relativamente à saúde mental dos portugueses, pois nunca foi antes efectuado um inquérito de morbilidade psiquiátrica, não sendo conhecida a prevalência e a incidência da grande maioria das perturbações mentais nem conhecidos os índices epidemiológicos. Tal é sublinhado por Santana et al. (2008) quando afirmam que “em Portugal, não são conhecidas a incidência e prevalência da maioria das perturbações mentais, uma vez que só muito recentemente foi iniciado o primeiro inquérito de morbilidade psiquiátrica de base populacional com representatividade nacional”; daí a pertinência da leitura do 4º Inquérito Nacional de Saúde.

Através do INS, na leitura de Santana et al. (2008), sabemos que as mulheres portuguesas apresentam níveis mais elevados de provável sofrimento psicológico (avaliado pelo MHI-5, tendo em conta um ponto de corte  52) quando comparadas com os homens em todas as faixas etárias, apesar da tendência ser menor nas mulheres a partir dos 65 anos de idade relativamente às mais novas. As profissões que se associam a maior probabilidade de sofrimento psicológico são o trabalho não qualificado, nas

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mulheres, e a área profissional da agricultura e pesca nos homens, quando comparadas com profissões manuais e não manuais, sendo estas últimas a apresentarem menores scores em ambos os géneros e em todas as zonas geográficas. Decorre daqui que a idade e a baixa escolaridade influenciam negativamente o provável sofrimento psicológico (id., ibid.).

As mulheres e homens portugueses parecem evidenciar a mesma tendência da distribuição verificada para a Europa, embora apresentem uma prevalência mais baixa em ambos os géneros.

Cabral (2002:103-104), num estudo sobre a saúde em Portugal, indicam que 25% dos inquiridos, que auto-avaliou o seu estado de saúde como insatisfatório (“saúde razoável, má ou péssima”, n=1038), indicou a ocorrência de uma doença nervosa ou psíquica diagnosticada pelo médico (“nervos”, depressão, “esgotamento” e outras doenças), representando cerca de 10% no conjunto da população inquirida.

No Relatório da Comissão Nacional para a Reestruturação dos Serviços de Saúde Mental (2007:28) é referido um estudo do Eurobarometer de 2003 que aplicou igualmente o MHI-5 a uma população de 16.000 indivíduos residentes em 15 países europeus. Sumariamente, “os dados existentes sugerem que esta provavelmente não se afastará muito da encontrada em países europeus com características semelhantes, embora os grupos mais vulneráveis (mulheres, pobres, idosos) pareçam apresentar um risco mais elevado do que no resto da Europa” (id., ibid.:56), o que de certa forma contraria a tendência do estudo referido anteriormente. Neste estudo do Eurobarometer encontrou- se uma prevalência de casos positivos em Portugal de 29,8%, sendo a média europeia de 23,4%, com uma associação estatisticamente significativa com determinantes como o sexo feminino (Portugal 40,7%; Europa 27,6%), com a idade superior a 65 anos (Portugal 49,7%; Europa 27,2%), a viuvez (Portugal 56,1%; Europa 36%), a situação de reforma (Portugal 50,7%; Europa 29,2%) e com o baixo suporte social (Portugal 44,7%; Europa 40,8%).

O mesmo Eurobarometer levou a cabo um novo estudo comparativo sobre o bem- estar mental dos europeus, desta vez em 30 países (os 25 estados membros e os candidatos à UE), publicado em Maio de 2006. Na introdução a este estudo refere-se que se estima que 1 em cada 4 adultos europeus seja afectado por problemas de saúde mental (Wittchen & Jacobi, 2005, cit. in Eurobarometer UE, 2006), constituindo a saúde mental um dos maiores desafios de saúde pública.

Este estudo europeu avaliou o bem-estar mental utilizando o Short-Form-12 Health Survey do SF-36 Health Survey numa população total de 29.248 sujeitos (com 1.004 entrevistas em Portugal) com 15 ou mais anos de idade. Foi avaliado o estado de

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saúde geral, assim como aspectos adicionais que emergiram do Livro Verde Melhorar a saúde mental da população (UE, 2005), tais como a interconexão entre a saúde física e mental, os efeitos da saúde mental na sociedade e vida pessoal, e o estigma relativo à pessoa com problemas de saúde mental. Os resultados relativos a 5 questões do SF-12 (que correspondem ao MHI-5) mostram que nas perguntas que revelam a dimensão positiva da saúde mental, a população portuguesa fica cerca de 10% abaixo da percentagem média obtida para os 25 países da UE, indicando pior saúde mental. Relativamente às questões da dimensão negativa as percentagens são mais próximas mas abaixo da média dos 25 países (indicando melhor saúde mental), excepção feita para a questão relativa à tensão/nervosismo, na qual os portugueses estão 6% acima dessa média.

O Censo Psiquiátrico de 2001, promovido pela Direcção Geral da Saúde revela dados relativos à prevalência tratada ou relativa às pessoas com acompanhamento ao nível dos serviços de saúde mental (em ambulatório, internamento ou atendidos na urgência). Com acompanhamento ambulatório destacam-se as perturbações depressivas (21,5%), as neuróticas e a esquizofrenia (com 12,4% cada) e as reacções de ajustamento (10,5%). Já em internamento se destaca a prevalência da esquizofrenia (36,2%) e da oligofrenia (28,1%). Atendidos em urgências psiquiátricas foram essencialmente perturbações associadas ao álcool (21,3%), perturbações depressivas (20,2%), perturbações neuróticas (12,2%) e reacções de ajustamento (9,2%).