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29O surgimento da chamada Terapia Familiar Médica enquanto “ramo” da terapia

familiar situa-se na transição dos anos 70 para os 80 do século XX, mas teve as suas raízes em experiências mais remotas, sendo disso exemplo o “clube e clínica de saúde da família” organizado por Peckham em 1926 e o Pioneer Health Center, em 1935, enquanto sistema comunitário orientado para o estudo das “interacções recíprocas da saúde física e social da unidade familiar” (cit. in McDaniel, Hepworth, & Doherty, 1994:18). No âmbito dos projectos deste Centro foram levadas a cabo diversas experiências inovadoras e foram observados os sistemas familiares, nomeadamente quanto aos “modos como o desenvolvimento e adaptação individual e familiar à crise resultavam em mudanças previsíveis na estrutura e adaptação familiar” (id., ibid.). Em 1937, o Projecto Macy (do Cornell Medical College e do New York Hospital – EUA) estudou 15 famílias durante 2 anos, resultando daqui uma publicação, inovadora para a época, baseada nas ideias de Gregory Bateson e Margaret Mead: “Patient Have Families” (Richardson, 1945, cit. in McDaniel et al., 1994). Este livro tenta afastar a ideia de doença limitada ao indivíduo, concebendo-a como “uma parte integral do processo contínuo de viver” e afirma que “a família é a unidade da doença, porque é a unidade da vida” (Ransom, 1984: 100, cit. in McDaniel et al., 1994).

A criação da Medicina Familiar, no âmbito da formação em medicina, traz consigo experiências, encontros, de cariz profissional e científico1, e produção

bibliográfica2 avultados dedicada à vivência da saúde e doença no sistema familiar,

associando-se epistemologicamente ao modelo biopsicossocial de Engel, proposto em 1977 como um novo modelo médico3, que marca igualmente este período da medicina.

McDaniel et al. (1994:24) expressam esta associação afirmando que “não existem problemas psicossociais sem aspectos biológicos e não existem problemas biomédicos sem aspectos psicossociais”, considerando que “todas as questões terapêuticas envolvem uma dinâmica sistémica complexa nos níveis biológico, interpessoal, psicológico, institucional e comunitário”, sem estabelecer-se uma hierarquia entre os domínios. A vinculação a tal concepção afasta-nos da ideia cartesiana da divisão corpo- mente e chama a atenção para que “os problemas físicos e psicossociais não existem como domínios distintos e limitados da realidade” (id., ibid.: 25). A Medicina Familiar vem,

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1 Alguns dos encontros iniciais mais marcantes foram proporcionados por: a conferência “A Família na Medicina Familiar”

da Society of Teachers in Family Medicine (a parir de 1981); o boletim “Working Together” dirigido por Michael Glenn; a conferência “Terapia de Famílias com Doença Física” do Ackerman Institute for the Family.

2 Só citando algumas monografias e complilações produzidas, são disto exemplo na década de 80: Huygen, F.J. (1982).

Family Medicine: The medical life history of families. New York: Brunner/Mazel; Doherty, W.J., Christianson, C. & Sussman,

M.B. (eds.) (1987). Family Medicine: The maturing of a discipline. New York: Haworth; Doherty, W.J., & Baird, M.A. (eds.) (1987). Family-centered medical care: A clinical casebook. New York: Guilford; Henao, S., & Grose, N.P. (eds.) (1985).

Principles of family systems in family medicine. New York: Brunner/Mazel.

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aliás, contrariar a excessiva ênfase colocada na medicina focalizada na doença, empurrada pela evolução tecnológica, tendo mesmo sido descrita como a especialidade com “the big picture” (Pereira & Smith, 2006:72), por focalizar a pessoa como um todo no contexto familiar.

Todo este corpo de ideias e de práticas abre caminho à criação progressiva de uma área de investigação sobre família, saúde e doenças e ao surgimento de um corpo teórico onde se distinguem diferentes modelos e perspectivas. Paralelamente, impõe-se a área da Terapia Familiar Médica como um ”ramo” com especificidades contextuais e de intervenção face à Terapia Familiar.

A revista Family Systems Medicine (fundada em 1983 e actualmente designada como Families Systems & Health4) vem cunhar a área da Medicina Familiar Sistémica

(Pereira & Smith, 2006) e potenciar o crescimento desta área como área de investigação. A esta publicação periódica de referência juntou-se a Family Medicine (1992-20005) e,

mais recentemente, a Annals of Family Medicine6, publicada desde 2003, o Journal of

Family Health Care7, entre outras publicações8 que foram surgindo entretanto, com a

área da medicina familiar já estabilizada. É ainda de referir o interesse do tema por parte de revistas já existentes na área da família, sendo de assinalar o número especial do Journal of Family Relations (do National Council on Family Relations, que havia criado, no início da década, um grupo de discussão centrado na temática), publicado em 1985, especialmente dedicado à família e saúde (“The Family and Health Care”), assim como os importantes artigos publicados na Family Process no mesmo período. A par da Medicina, outras disciplinas da área da saúde vieram contribuir para o desenvolvimento da área, sendo o caso da enfermagem notório, com o Journal of Family Nursing9

(publicado desde 1995).

Doherty & Campbell (1988) conceberam um esquema que representa as fases da experiência de uma família com um problema de saúde, sistematizando a investigação conhecida até então. Este “ciclo de saúde e doença na família”10 estabelece como

primeiro domínio de relação da família com a saúde a “promoção e redução de riscos”,

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4 Esta publicação deu continuidade à anterior (que contou com 13 volumes até 1995). A Families, Systems & Health é uma

publicação da American Psychological Association (APA), que pode consultar-se online em http://www.apa.org/journals/fsh/. É uma revista apresentada como multidisciplinar que publica investigação e contributos teóricos na área das famílias e da saúde.

5 Esta revista foi a sucessora do Journal of Maternal and Child Health. A sua publicação terminou no 9º volume, em

Novembro de 2000. Podem consultar-se os arquivos da revista em http://archfami.ama-assn.org/contents-by-date.0.dtl.

6 Cf. http://www.annfammed.org/

7 Cf. http://www.pmh.uk.com/healthcare/familyhealth/home.htm

8 São os casos, entre outros, da BMC Family Practice (http://www.biomedcentral.com/bmcfampract) publicada

pela BioMed Central desde 2000, sendo uma revista de publicação online aberta à publicação de artigos relativos aos cuidados de saúde primários. E também do The Journal of Family Practice (http://www.jfponline.com/default.asp), editado desde 1999, que se apresenta como pretendendo responder às necessidades da especialidade da medicina familiar, ao nível dos cuidados de saúde primários. Apesar da designação de ambas as publicações, os artigos mais recentes apontam para conteúdos de índole essencialmente clínica.

9 Cf. http://jfn.sagepub.com/

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