• Nenhum resultado encontrado

33Peter Steinglass dedicou-se inicialmente à avaliação psicológica de dadores de

órgãos e começou por verificar que, frequentemente, se registava uma rejeição dos órgãos se estes fossem doados por familiares dos doentes com os quais estabeleciam relações interpessoais conflituosas e inseguras12. Veio posteriormente a interessar-se por

famílias com doentes alcoólicos13 e é actualmente director do Center for Substance

Abuse and the Family do Ackerman Institute for The Family14. Neste instituto existe

também o Center for Families and Health15, dirigido por Evan Imber-Black, que se dedica

a abordar os desafios colocados pela doença à família, doentes e cuidadores. Este centro desenvolve serviços à comunidade através da organização de grupos de discussão multifamiliar com famílias que vivenciam uma doença no seu seio no sentido de lhes proporcionar uma maior compreensão relativamente ao impacte, nas relações familiares, que a doença comporta e a aprender a encontrar os melhores caminhos para colocar a doença no seu lugar, não permitindo que esta controle todos os aspectos da vida familiar. O Modelo Familiar FIRO foi adaptado por William Doherty e Nicholas Colangelo (1984, cit. in Doherty & Campbell, 1988), sendo baseado no Modelo Fundamental de Orientações para as Relações Interpessoais (Fundamental Interpersonal Relationship Orientation) de Schutz (1958, in op. cit.), numa aplicação à dinâmica familiar com doença crónica. Este modelo, sumariamente, postula que os comportamentos ligados à saúde podem servir como uma forma de inclusão ou exclusão dos membros de um sistema familiar da vida uns dos outros, propondo as dimensões centrais de inclusão, controlo e intimidade para avaliar esta dinâmica familiar.

Jacobs (1992, cit. in Relvas, s/d) propõe o “modelo de impacto” que aborda os factores que provocam impacto na organização da família quando aparece uma doença crónica, nomeadamente a nível funcional, obrigando a uma reorganização do sistema, (re)definindo papéis ou ajustando funções. Esta reorganização estende-se às relações sociais dos membros da família, tanto ao nível da rede primária como com da esfera laboral e ocupacional, ou mesmo de novos sistemas como o sistema de saúde e de protecção social.

Enelow et al. (1999, cit. in Pereira & Lopes, 2002) descrevem o que consideram a “trajectória da doença” na família sublinhando as experiências vivenciadas por esta quando um membro adoece gravemente. Os autores apresentam cinco fases sequênciais (início da doença, impacto da doença, início da terapia, recuperação precoce e



12 Dados recolhidos na conferência proferida por Steinglass (actualmente Professor Clínico de Psiquiatria no Weil/Cornell

University Medical College) intitulada “Multi Family Groups for Chronic Medical Illness: why they work?” no I Congresso

Nacional Família, Saúde e Doença na Universidade do Minho, em Braga, realizado nos dias 18 e 19 de Novembro de 2005.

13 Relativamete a este tema é co-autor de uma obra de referência: Steinglass, P., Bennett, L.A., Wolin, S.J., & Reiss, D.

(1987). The alcoholic family. New York:Basic Books.

14 Cf. http://www.ackerman.org/corporation/bio/bio_steinglass.htm 15 Cf. http://www.ackerman.org/centers/familiesAndHealth/index.html

34

adaptação à permanência do desfecho), indicando as tarefas centrais de cada uma, assim como os comportamentos familiares positivos e problemáticos em cada fase. Estes autores abordam mudanças comunicacionais, estruturais e funcionais na família na adaptação à doença. Também Giacquinta (1977, cit. in Pereira & Lopes, 2002) diferencia quatro etapas neste processo de adaptação familiar a partir do estudo de famílias que lidam com doentes em risco de vida, enfatizando o sofrimento que esta situação provoca. A primeira etapa olha as questões relacionadas com o início da doença e com a necessidade de enfrentar a nova realidade, a segunda seria a de reorganização durante o período que precede a morte do familiar, seguindo-se a da perda e a do luto.

O Modelo de Resposta de Ajuste e Adaptação Familiar, conhecido como modelo FAAR (McCubbin & Patterson, 1982; Patterson, 1988), combina as teorias familiares sistémicas com a teoria do stress familiar. Aliás, este modelo é mesmo denominado igualmente por “teoria de stress familiar” (Pereira & Lopes, 2002). No domínio da doença, o modelo afere o esforço da família para lidar com as exigências que a doença coloca, à forma como se ajusta ou adapta.

David Reiss e Atara Kaplan De-Nour (1989, cit. in McDaniel, Hepworth, & Doherty, 1994) dedicaram-se também à identificação dos diferentes desafios que se colocam à família nas fases da doença. Mas, nesta linha, foi talvez John S. Rolland que mais se destacou ou melhor consolidou as suas ideias relativamente à relação da família com a doença. Rolland conta com uma obra amplamente traduzida e divulgada sobre o tema. Para além das ideias consistentes que apresenta, John S. Rolland, juntamente com Froma Walsh, fundou o Chicago Center for Family Health16 ligado à Universidade de

Chicago. Este é um centro que se dedica ao fortalecimento das famílias em crise. A sua abordagem vincula-se às desenvolvidas pelos seus fundadores, numa abordagem colaborativa centrada na promoção da resiliência familiar. Reúne serviços para responder a problemas quotidianos de crianças, casais e famílias, a problemas relacionados com a doença e a deficiência, trauma e perda, assim como a transições disruptivas no ciclo de vida. Um dos autores que se vincula ao modelo de Rolland é José Navarro Góngora, da Universidade de Salamanca, tendo desenvolvido algumas ideias sobre a intervenção familiar a partir da obra de Rolland.

Dedicaremos especial atenção aos últimos modelos mencionados, tendo em conta a sua pertinência e adequação à complexidade interaccional das variáveis em estudo. Estes modelos inserem-se na perspectiva do impacte.



16 Cf. www.ccfhchicago.org

35

1.1.1. A tipologia psicossocial da doença17 de John S. Rolland

John S. Rolland (1984, 1987, 1993, 1995, 2000) construiu um mapa que permite arrumar uma temática vasta através da criação de categorias que o autor pretende “úteis e clinicamente significativas” para a análise do sistema de interacções criado pela relação entre a doença crónica e a dinâmica individual, da família ou de outros sistemas biopsicossociais (Rolland, 1987, 2000).

Rolland parte das suas experiências como médico, como pessoa e familiar que vivenciou experiências de doença na sua família, e como terapeuta familiar, para criar um modelo que considera fazer falta na resposta a um “vazio de conhecimentos que sofrem os profissionais de saúde e da saúde mental que atendem famílias com doenças graves ou incapacidades” (Rolland, 2000:33), luta esta sublinhada por Donald Bloch (in Rolland, 2000:15).

Apresenta, assim, um modelo que se quer “sistémico, normativo e preventivo para a psicoeducação, avaliação e intervenção no trabalho com as famílias” (Rolland, 2000: 33). Defende-o como normativo e abrangente em contraposição aos modelos que se centram nas dinâmicas patológicas, verificando-se que “historicamente, o impacte que tem a dinâmica familiar e o indivíduo sobre as doenças e incapacidades foram sido definidos geralmente em termos de processos psicossomáticos, quase invariavelmente patológicos” (op. cit.:32), levando a rotulações desadequadas. Reforçando a defesa de um modelo normativo, diz que “todo o modelo terapêutico útil deve destacar as possibilidades de crescimento que abre uma doença e não apenas as desvantagens e riscos que comporta” (op. cit.:33). Para além de normativo, o autor inscreve-o no modelo sistémico pela abordagem centrada na interacção e no contexto. Esta perspectiva permite-lhe definir função e disfunção “na relação com o ajuste entre o indivíduo e a sua família, o seu contexto social e as exigências psicossociais da situação: neste caso, um problema de saúde” (id., ibid.), assim como analisar as pautas transaccionais entre o multiversus de sistemas em relação, quer sejam as que ocorrem dentro do sistema familiar, entre o indivíduo e a doença, ou no âmbito de outras relações intersistémicas, nomeadamente a relação entre a família e os serviços de saúde.

Daqui resulta um paradigma que combina três dimensões: os tipos psicossociais das doenças, as principais fases da história natural e as variáveis-chave do sistema familiar (Rolland, 1990).



17 Sendo fiel ao conceito proposto pelo autor, teremos de relembrar que a palavra “doença” tem aqui o sentido de “illness”.

36

A tipologia psicossocial da doença pretende facilitar a criação de categorias com uma exigência psicossocial associada semelhante para uma série de doenças crónicas. Nesta tipologia, o autor faz depender o impacte da doença na família da forma como ela surge, do seu curso ou evolução, do prognóstico e do nível de incapacidade resultante18.

De forma combinada, estes aspectos resultam no que Rolland (1987; 1993; 2000) apelidou de “matriz tipológica psicossocial” que permite classificar 32 tipos potenciais de doença de acordo com exigências psicossociais de cada uma.

O início da doença pode ser agudo ou gradual. Esta classificação não pretende distinguir o desenvolvimento biológico da doença, mas antes colocar a tónica nos “tipos de apresentação sintomática que pode ser percebida subjectivamente pelo doente ou objectivamente por outras pessoas” (Rolland, 2000:49). Para o indivíduo e para a família, os dois tipos de começo da doença podem representar níveis de stress diferente. No entanto, independentemente do tipo de início, a envergadura da adaptação familiar, a necessidade de resolução de problemas e as estratégias afectivas para lidar com a situação são idênticos, ainda que o ritmo em que essa adaptação é feita seja diferente. Quando estamos perante uma doença com início agudo, o período de mobilização da



18 O autor utiliza as seguintes designações para estas variáveis: “onset”, “course”, “outcome”, “incapacitation”. Na tradução

da sua obra para o castelhano aparecem as seguintes designações: “comiezo”, “curso”, “desenlace” e “incapacitación” (Rolland, 2000). Góngora (2002) utiliza a seguinte conceptualização quando refere esta tipologia em castelhano: “comiezo”, “curso”, “resultado o pronóstico”e “incapacitación” ou “grado de incapacitación”. Nas edições brasileiras, surgem as seguintes traduções “início”, “curso”, “consequências” e “incapacitação” (Rolland, 1995), sendo estas expressões adaptadas por outros autores em Portugal que propõem outra tradução: “ínicio”, “evolução”, “efeitos” e “incapacidade” (Subtil et al., 1995) e “começo”, “curso”, “resultado” e “incapacitação” (Sousa, Relvas, & Mendes, 2007). Por exemplo, relativamente a “outcome”, Sousa, Relvas, & Mendes (2007:49) preferem “resultado”, indicando que este concilia outros elementos para além do prognóstico médico, como sejam a informação sobre a doença e tratamentos, assim como medos e expectativas do doente e da família, acrescentando estas dimensões à concepção original do autor. No entanto, atendendo à linguagem correntemente usada no contexto dos cuidados de saúde em Portugal, parece mais correcta a utilização de "início" ou "forma de início" para traduzir “onset”, "evolução" ou “progressão” para traduzir “course”, "prognóstico" para a tradução de “outcome” e “incapacidade” ou "grau de incapacidade" na tradução de “incapacitation”.

                                

Figura n.º 2 – Representação da matriz tipológica psicossocial da doença (adaptação a partir de Rolland, 2000)

37