• Nenhum resultado encontrado

Notas sobre a prevenção e promoção da saúde mental

A S POLÍTICAS DE SAÚDE MENTAL E DE

1.3. Notas sobre a prevenção e promoção da saúde mental

Apesar das estimativas da OMS e da EU, ou do índice do consumo de psicotrópicos legais em Portugal, a prevenção em saúde mental não tem estado na agenda política no nosso país, tendo sido apenas recentemente apontada como área prioritária no último Plano Nacional de Saúde. Aliás, entre os pontos críticos que o relatório da CNRSSM refere, merecem uma referência breve quatro insuficiências no sistema de cuidados que nos incumbe também sublinhar: “a reduzida participação de utentes e familiares, a escassa produção científica no sector da psiquiatria e saúde mental; a limitada resposta às necessidades de grupos vulneráveis; a quase total ausência de programas de promoção/prevenção” (CNRSSM, 2007:59).

Não tem sido por falta de tomadas de posição internacionais que tal tem acontecido, nomeadamente no que toca à promoção e prevenção e à investigação. Relembramos que a Declaração de Alma Ata foi assinada em 1978 por 134 países, onde se aconselha a todos os governos, agentes de saúde e de desenvolvimento e à

12

0

comunidade mundial para que adoptem medidas urgentes para proteger e promover a saúde de todos os cidadãos do mundo. Questões reiteradas pela Carta de Ottawa (1986, I conferência internacional sobre promoção da saúde, seguidas da em II em Adelaide em 1988 e da III realizada em Sundsvall em 1991), mas onde se transforma a concepção das responsabilidades pela saúde. Nesta define-se a promoção da saúde como o “processo que proporciona às pessoas os meios necessários para exercer um maior controlo da sua própria saúde e assim poder melhorá-la”. Passa, assim, a encarar-se a responsabilidade da saúde a partir do indivíduo e não do Estado (os indivíduos passariam a exigir junto deste os meios para garantir a saúde). A partir da identificação de uma série de pré- requisitos fundamentais para a saúde (paz, habitação, educação, alimentação, receitas, estabilidade do ecossistema, recursos sustentáveis, justiça social e equidade) definiram- se 5 estratégias para o êxito: desenvolver políticas favoráveis à saúde, criar ambientes que contribuam para a saúde, reforçar a acção comunitária, desenvolver competências pessoais e reorientar serviços de saúde (Otero & Lestón, 1998).

Em 1997, na Declaração de Jacarta (IV conferência internacional sobre promoção da saúde) chama-se a atenção para que a promoção da saúde é um direito humano básico e essencial para o desenvolvimento económico e social, e que é um bem colectivo. Faz-se uma reflexão em torno dos novos desafios no campo da saúde. Enunciam-se 5 prioridades para a promoção da saúde no século XXI: promover a responsabilidade social para a saúde; aumentar a transformação para o desenvolvimento da saúde; consolidar e expandir associações para a saúde; aumentar a capacidade da comunidade e do indivíduo; assegurar a infra-estrutura para a promoção da saúde.

De facto, prevenção e promoção da saúde constituem-se como dois eixos fundamentais da intervenção social comunitária, mas a diferenciação conceptual entre prevenção e promoção coloca diversos problemas, já que um conceito aparece muitas vezes diluído no outro. Aliás, a diferenciação entre estes conceitos é considerada como inútil e artificial por González et al. (1988): os pontos de vista cruzam-se e não se excluem: será que podemos afirmar que é diferente dizer cada vez menos doente e cada vez mais saudável?

Na realidade, há algumas fronteiras a traçar entre os conceitos, tendo em conta que se operacionalizam em estratégias que se diferenciam.

A prevenção, que tem origem na expressão latina prevenire (antes de vir), integra uma ampla panóplia de estratégias, podendo as acções planificadas dirigir-se a quatro objectivos diferentes que determinam a distinção entre quatro níveis de prevenção: primária, secundária, terciária e quaternária.

12

1

Esta tipologia de níveis, mais difundida entre nós, é centrada no momento da evolução da condição em que as estratégias preventivas são implementadas; no entanto pode ser considerada outra tipologia focalizada no tipo de população a que as intervenções se destinam. A segunda é a tipologia defendida por Gordon (cit. in Moreira, 2001), concebendo a prevenção enquanto universal (dirigida à população geral), indicada (dirigida a grupos de indivíduos que se encontram numa situação de maior risco do que a população geral) e selectiva (destinada a grupos de alto risco). Estas focalizações acabam por cruzar-se nas estratégias preventivas eleitas para a acção. Sendo a mais difundida a primeira, abordaremos seguidamente algumas noções associadas aos diferentes níveis.

A prevenção primária está intimamente ligada ao conceito de promoção da saúde. Se esta chegar antes da doença (‘desequilíbrio’ e ‘mal-estar’) e a impedir, trata-se de prevenção primária (Gameiro, 1989). Não procura impedir que um determinado individuo adoeça, mas sim a redução do risco de doença em toda a população. Assim, embora alguns indivíduos possam adoecer, o seu número deverá ser o mais reduzido possível, daí afirmar-se que a prevenção primária é um conceito comunitário (Caplan, 1980). O seu êxito é inversamente proporcional à incidência de novos casos de doença (Cordeiro, 1982).

O conceito é alinhado, como dissemos, com o de promoção da saúde. Este remete para o desejo de uma acção no sentido da mudança, partindo do reconhecimento dessa necessidade a fim de promover a saúde e o bem-estar social. É tida por uma estratégia mediadora entre os indivíduos e o seu ambiente para a criação de um futuro melhor. Foi neste sentido que Nutbean (1985, cit. in González et al., 1988) definiu promoção da saúde como “o processo mediante o qual os indivíduos e as comunidades estão em condições de exercer um maior controlo sobre os determinantes da saúde e, desse modo, melhorar a sua saúde”. A promoção da saúde tem, de facto, conotações positivas, reforçando a passagem de um status quo a um estado ideal de saúde, implicando a população no seu conjunto e baseando-se essencialmente em estratégias de educação para a saúde.

Por prevenção secundária deverá entender-se o conjunto de medidas que facilitam o diagnóstico precoce e terapêuticas imediatas ao indivíduo doente (Gameiro, 1989), ou seja, “a detecção precoce de uma doença ou problema de saúde que já está a evoluir mas que ainda não é clinicamente visível, de tal forma que através da intervenção precoce o prognóstico possa tornar-se mais favorável” (Van der Stel et cols., 1998: 37). Segundo Dias Cordeiro (1982) este nível de prevenção consiste essencialmente no

12

2

diagnóstico e tratamento precoces, sendo o seu sucesso inversamente proporcional à prevalência da doença.

Já a prevenção terciária ou reabilitação pode ser entendida como o “conjunto de medidas adequadas para reduzir ao mínimo as consequências da doença e reinserir os ex-doentes a nível familiar, profissional e social” (Gameiro, 1989). Muito frequentemente, reporta-se às acções de reabilitação e reinserção social. O sucesso destas intervenções é inversamente proporcional às taxas de invalidez (casos de dependência) (Cordeiro, 1982).

O quarto nível de prevenção nem sempre é considerado pelos autores, mas hoje assume particular relevância. Dias Cordeiro (1982) considera que a prevenção

quaternária tem por objectivo essencial evitar a iatrogenização do doente e o

hospitalismo ou institucionalização.

Exceptuando o nível de Prevenção Primária, as acções preventivas orientam-se fundamentalmente para indivíduos e para os chamados grupos de risco (grupos de pessoas que, em virtude da sua condição biológica, social ou económica, do seu comportamento ou ambiente, são mais susceptíveis a determinadas doenças ou problemas sociais), definidos para que sejam equacionadas e devidamente enquadradas as estratégias preventivas.

Apesar de argumentação de diversa ordem fundamentar a aposta na prevenção em saúde mental, “continuamos a teimar em encarar a prevenção como um romantismo, uma utopia, um pensamento sebastianista, esperando que em dia de nevoeiro algo chegará e nos resgate da tirania da conformação passiva com a inevitabilidade da doença mental” (Moreira & Melo, 2005:35), não havendo sinais de investimento específico nesta área. Paulo Moreira e Ana Melo (id., ibid.: 36) lançam o repto neste sentido, afirmando que “a história espera por nós. E mais do que a História, são as histórias das pessoas quem mais justifica e grita para que a prevenção da doença mental deixe de ser uma ideologia, movimento ou intenção e se converta em medidas concretas”.

A complexidade e a multideterminação subjacente ao valor da saúde mental, tornam também muito complexa a tarefa de traçar os contornos para os grupos em risco. Daí a necessidade de desenvolver estudos que apontem algumas características que possam ajudar a torná-los um pouco mais claros.

Para definirmos estratégias adequadas de prevenção, é essencial o conhecimento e delimitação dos factores percursores de determinada condição, ou seja, os factores ou

marcadores de risco. Temos ainda a considerar os factores protectores, ou seja,

12

3

exposição a estes. Os efeitos protectores devem-se à combinação de diversos factores de protecção e consideram-se como contributos para a resiliência. Moreira (2001, citando Soares, 2000) diz-nos que da relação entre factores de risco e factores protectores resulta uma melhor ou pior capacidade de adaptação, funcionamento e desenvolvimento e accionamento de competências perante situações adversas.

Há alguns determinantes identificados pela OMS (2002: 83-92) para a prevalência, início e evolução das perturbações mentais e comportamentais, que passam por factores económicos (pobreza e condições associadas), demográficos, ameaças graves do ponto de vista político, catástrofes ambientais, presença de doença física grave e ambiente familiar. No contexto do presente estudo, destaco o penúltimo determinante citado.

A OMS (ibid.) refere a presença de doenças físicas graves como algo que afecta a saúde mental da pessoa doente e de toda a família, destacando o impacte que as doenças gravemente incapacitantes ameaçadoras da vida têm, sendo o caso do cancro referido como exemplo. No Relatório Mundial da Saúde de 2001, a OMS preconiza que estas situações trazem consequências psicossociais para os indivíduos, famílias e comunidade, exigindo, por isso, uma avaliação que possibilite determinar o seu impacte total sobre a saúde mental, ou seja, mais investimento de pesquisa nesta área, sendo neste sentido que o presente estudo foi construído. Os acontecimentos significativos na vida são tidos como factores de stress. Se ocorrerem de forma cumulativa e em sucessão rápida, predispõem os sujeitos a perturbações mentais em interacção com outros factores de ordem diversa (OMS, 2002).

Atendendo às questões atrás referidas, torna-se relevante compreender de que forma estas questões se reflectem nas políticas para a área da oncologia no nosso país.