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37família e de mudança é muito curto, favorecendo simultaneamente uma grande

ansiedade antes do diagnóstico. Quando aparece uma doença gradualmente, esta permite uma adaptação mais continuada, não exigindo uma mobilização imediata na resposta à crise acidental, como no primeiro caso.

A evolução da doença pode ser progressiva, constante ou com recidivas/recaídas19 (Rolland, 1987, 1993, 2000; Góngora, 2002a, 2002b), colocando

diferentes desafios à família a nível psicossocial. Os diagnósticos que normalmente são referidos como exemplo para uma doença progressiva são o cancro, o Alzheimer, ou a artrite reumatóide, sendo indicadas as situações de amputação, traumatismo vértebro- medular e o enfarte de miocárdio como exemplos para uma doença de curso constante, e as situações de asma, esclerose múltipla (num estádio inicial) ou cancros em remissão como exemplos, entre muitos outros possíveis, de doenças com recidivas ou episódicas.

Uma doença progressiva é contínua, ou geralmente sintomática, e vai agravando-se. A família experimenta uma situação em que tem um dos seus membros permanentemente sintomático, com uma incapacidade associada, também progressiva. Uma família, nesta circunstância, vivencia uma necessidade permanente de resposta à situação de doença com poucos períodos de descanso e uma necessidade de adaptação contínua aos novos contornos da situação. Este quadro, em permanente transformação, exige que a família tenha um grau de flexibilidade que se adapte tanto à necessidade de reorganização dos papéis, quanto à disponibilidade/necessidade de recorrer à ajuda externa. Esta ajuda poderá atenuar a tensão relacional frequentemente verificada entre os membros não doentes, que tende a aumentar atendendo ao risco de sobrecarga associado ao acompanhamento no cuidado ao doente. Há aqui, no entanto, que distinguir as doenças de progressão lenta e de progressão rápida (Rolland, 2000). Estas últimas podem por em causa a capacidade adaptativa da família, pela acumulação de exigências que pode verificar-se.

Uma doença de curso constante caracteriza-se pela ocorrência de um episódio inicial e tende a estabilizar. Esta estabilidade e previsibilidade implica mudanças quase permanentes na família, que pode acusar exaustão dependendo do período de tempo e nível de dependência em causa.

As doenças com recidivas, pelo contrário, implicam períodos alternados de estabilidade, ou mesmo remissão, com outros de exacerbação dos sintomas. Esta

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19 Rolland (1987) utiliza o conceito de “relapsing/episodic”. As traduções e/ou adaptações para outras línguas dão-nos

várias possibilidades de tradução. No castelhano têm utilizado as expressões “recurrente”, “episódico” (Rolland, 2000) e “por recaidas” (Góngora, 2002a:31; 2002b:64); por sua vez, as traduções para o português usam “por episódios”, “recidivas” (Subtil, 1995: 16-17; Subtil et al., 1995:242), “por recaídas” (McDaniel, Hepworth & Doherty, 1994:32), ou ainda “reincidente” e “episódica” (Rolland, 1995:375); “recaídas ou episódicos” (Sousa, Relvas & Mendes, 2007:47). Atendendo ao vocabulário utilizado no contexto da oncologia portuguesa, optamos por recidiva ou recorrência, tal como consta do “Dicionário das Palavras Frequentes em Oncologia” publicado pela Sociedade Portuguesa de Oncologia et al. (2006).

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alternância da manifestação da doença encontra paralelo no funcionamento e na necessidade de adaptação familiar. “A índole episódica da doença requer uma flexibilidade que permita uma deslocação pendular entre duas formas de organização familiar: uma para os períodos de crise e outra para os períodos de remissão” (Rolland, 2000: 53), ou seja, no seu quotidiano intercalam-se períodos de uma determinada “normalidade” de funcionamento com outros que exigem outra “normalidade” pontual. Estas famílias lidam, por isso, frequentemente com elevados níveis de stress, numa espera constante de uma recorrência, o que requer uma enorme capacidade de flexibilização dos seus padrões de funcionamento entre períodos de mobilização intensa e de acalmia.

O prognóstico, resultado final ou consequências esperadas, é tido como um factor determinante e poderoso no impacte que a doença tem na família. Se existem doenças às quais não está associada qualquer ameaça à vida do sujeito, outras há a que associamos uma esperança de vida limitada ou a possibilidade de morte, sendo esta uma ameaça constante quando a doença pode provocar morte súbita ou quando é o único prognóstico esperado como resultado do seu curso. Daí Rolland (1993, 1995) afirmar que o factor mais crucial prende-se com a expectativa inicial da possibilidade da doença provocar a morte. No caso de o prognóstico ser fatal, vive-se a adaptação à doença permeada pela antecipação da perda e do luto, lidando-se com sentimentosambíguos de proximidade e separação emocional em todas as fases adaptativas. Estas vivências podem levar à alienação do doente face à vida familiar, privando-o de uma participação efectiva e da assumpção de responsabilidades, isolando-o estrutural e emocionalmente (id., 1995, 2000). No caso de a família lidar com o fantasma permanente da morte repentina, dado o seu carácter imprevisível, cria-se um ambiente mais favorável à sobreprotecção e à existência de ganhos secundários por parte do doente.

A incapacidade que resulta da doença pode ser de diferentes tipos e níveis, implicando “claras diferenças nos ajustamentos específicos que se requerem da família” (Rolland, 2000:58; Rolland, 1995:377). O tipo de incapacidade pode advir da deterioração do funcionamento mental ou cognitivo, da percepção, do movimento, da diminuição da produção de energia, da deformação e desfiguramento físico, ou do estigma social. O efeito da incapacidade depende da “interacção do tipo de incapacidade e do papel que desempenhava o familiar antes de ver-se afectado pela doença, a estrutura da família, a sua flexibilidade e os seus recursos emocionais e económicos” (id., ibid.:377).

Embora não seja contemplada como uma categoria independente nesta tipologia, Rolland (2000) atribui importância vital ao grau de incerteza e previsibilidade, considerando-a como metacaracterística dado sobrepor-se e matizar os atributos de

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