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1 INTRODUÇÃO

A profissão docente está presente além dos espaços educacionais tradicionais, como escolas, universidades, creches, porém, grande parte da sociedade desconhece o exercício profissional do educador nas penitenciárias. Dessa forma, ignora-se a importância de sua prática nas instituições de privação de liberdade. Este

trabalho visou discutir a prática docente no sistema de privação de liberdade em uma penitenciária do litoral catarinense e investigar se há casos de afastamento por decorrências psicológicas dos educadores atuantes nessa instituição.

2 DISCUSSÃO

Conforme Seligmann-Silva (2011), os docentes estão entre os profissionais que apresentam maior índice da Síndrome de Burnout e a cada dia há mais incidências da síndrome entre os educadores. Apontado como umas das principais causas de afastamento de educadores de suas funções profissionais, a Síndrome de

Burnout, ou esgotamento profissional, refere-se a

um fenômeno psicológico que ocorre no ambiente de trabalho e é composto de exaustão emocional, despersonalização e baixa realização profissional. Dessa forma, a prática profissional, antes prazerosa, passa a ser desgastante e exaustiva, devido à síndrome.

A coleta de dados foi realizada com nove professores, quatro afastados e cinco docentes atuantes no sistema prisional. Os educadores pesquisados têm em média um ano e meio de atuação no sistema carcerário, e a eles foram atribuídos nomes fictícios. Durante a entrega dos questionários houve o desligamento de dois professores participantes da pesquisa que, depois de afastados, não retornaram suas respostas ao estudo.

Além do questionário foi utilizado nesse estudo o Maslach Burnout Inventory (MBI-GS), um instrumento que avalia a vivência do trabalhador em suas três dimensões: exaustão

emocional, realização profissional e despersonalização (CARLOTTO; CÂMARA, 2004).

Os resultados encontrados pelas respostas dos professores atuantes ao MBI foram: exaustão emocional (1,93), realização profissional (3,28) e despersonalização emocional (1,49). Já nos docentes afastados para exaustão emocional foi encontrado o escore de 3,22 para exaustão emocional, para realização profissional o valor é de 3,00 e a despersonalização emocional correspondeu ao valor de 2,13.

Carlotto e Câmara (2004), pesquisaram a confiabilidade do inventário MBI-GS com docentes e encontraram os valores de 6,61 para exaustão emocional, índice alto quando comparados com a presente pesquisa. Já o fator de realização profissional foi de 2,22 no estudo dos mesmos autores, o que demonstra que os docentes do sistema de privação de liberdade apresentam um grande escore de realização profissional, o que difere com os docentes pesquisados no estudo de Carlotto e Câmara (2004). Porém, o fator de despersonalização emocional, foi de 1,47 valor este, relativamente semelhante tanto no presente estudo, quanto entre os docentes do ensino fundamental, pesquisados por Carlota e Câmara (2004).

Por meio dos resultados, identificou-se maiores escores no fator exaustão emocional entre os docentes afastados em relação aos professores atuantes no sistema de privação de liberdade. Portanto, a tensão no ambiente de trabalho é uma das causas de exaustão emocional e, conforme Seligmann-Silva (2011), pode ser motivo de afastamento dos professores, inclusive no sistema carcerário. O fator de despersonalização é maior entre os docentes afastados do que nos atuantes.

Para o fator de realização profissional, o índice encontrado é semelhante em atuantes e afastados. Dessa forma, os resultados encontrados para o fator da realização profissional, caracterizam a grande dedicação profissional dos docentes no sistema de privação de liberdade no exercício do seu ofício, portanto, demonstraram- se realizados com seu trabalho.

O questionário descritivo apresentou que

os professores têm o mínimo de dois e máximo de vinte e três anos de atuação profissional e muitos deles atuaram desde a educação infantil até Centro de Educação de Jovens e Adultos (CEJA). As respostas dos docentes sobre a ausência de preparação para atuar no sistema foram unânimes, salvo um sujeito que afirmou ter recebido preparação para atuar no contexto carcerário e que também recebe apoio psicológico quando necessário.

Já em questões que visavam saber sobre a possível ressocialização dos reclusos, muitos dos docentes responderam que o professor tem grande responsabilidade já que são mediadores de uma segunda chance aos apenados, de uma nova oportunidade. Conforme eles, os reclusos aprendem com facilidade e interagem de forma atenciosa com os docentes, isso se pode constatar na fala de Ângela docente do sistema de privação de liberdade:

A educação é a base. Percebo a cada prova eles se esforçando mais para atingirem uma nota mais alta, melhorando a letra e usando palavras diferentes para uma boa escrita. Uma possibilidade de se colocar no mercado de trabalho quando estiverem em liberdade.

De acordo com Santos (2015), a educação no ambiente prisional deve contemplar a conscientização para que ocorra a transformação por parte dos detentos, fazendo-os compreender seus direitos e seus deveres enquanto cidadãos. O sentimento de responsabilidade por parte dos professores, da mediação de novas oportunidades aos reclusos por meio do estudo, da ressocialização do apenado, é revelada pela fala do educador prisional Pedro:

A educação dentro do sistema prisional contribui muito, desde que o docente desenvolva um bom trabalho acrescentando algo de bom na vida dos internos, mostrando exemplos de vida.

Mediante as atribuições dos docentes no ambiente de privação de liberdade, Julião (2010), afirma que o professor é responsável por ampliar

o acesso cultural em geral dos apenados; também é responsabilizado pela formação de sujeitos autônomos, no auxílio da recuperação da autoestima dos reclusos, proporcionando, dessa maneira, oportunidades para o detento retornar à sociedade.

Em relação à experiência prática como professor de apenados, todos os pesquisados demonstraram que o exercício da função no sistema carcerário é único, que o ofício a esse público é desafiador, porém motivador. Citaram a receptividade dos reclusos, o esforço que os detentos demonstram em relação ao ensino- aprendizagem, o respeito com que os reclusos tratam os professores no contexto prisional. Os docentes relataram que mesmo em um ambiente altamente estressor, com materiais pedagógicos restritos, gostam de ministrar ali suas aulas, pois os alunos detentos participam das aulas, aprendem os conteúdos. Além da remição de pena, muitos deles conseguem visualizar o estudo com uma nova possibilidade de vida. E os professores percebem uma grande relevância em seu ofício, já que por meio dos educandos são potencializados esse processo ensino-aprendizagem.

De acordo com os sujeitos pesquisados, a forma de ingresso para atuação no sistema de privação de liberdade se dá por chamada pública, processo seletivo e, no caso dos cursos profissionalizantes, o docente é contratado pelo comitê pedagógico do sistema prisional. Os docentes sugerem que no ato da contratação dos educadores prisionais, seja realizado uma triagem com um psicólogo, uma aplicação de provas específicas sobre o ofício do docente penitenciário o que, ao olhar dos professores, poderia promover mais preparação para atuar no contexto com os reclusos já que se trata de um ambiente tenso e que mexe com as emoções desses profissionais.

A pesquisa também evidenciou o descontentamento de alguns docentes com a gestão educacional do Estado, responsável pela contratação dos professores no sistema de privação de liberdade. Conforme os participantes

da pesquisa, eles são contratados sem muitas informações sobre a atuação no sistema com os reclusos; também não há preparação psicológica aos professores para atuar nesse contexto e quando afastados do sistema, são desligados do ofício sem entrevista de desligamento. Portanto, há insuficiência de informações tanto na entrada, quanto na saída do trabalho no sistema penitenciário.

Por meio do questionário foi possível compreender que os docentes não se reconhecem com problemas psicológicos decorrentes do ambiente de trabalho. Três sujeitos da amostra responderam direcionando o apoio psicológico para os detentos e não a eles. Mas quando questionados sobre a possível oferta de apoio psicológico para eles, todos os participantes afirmaram que buscariam o apoio para aprimorar o seu intelecto, para reforçar a sua bagagem e melhorar as suas aulas. Na preparação emocional Maria acredita que o apoio psicológico seria um auxílio relevante, pois em sua fala assim afirma:

Buscaria apoio psicológico para ajudar com a preparação emocional e para auxiliar já que esse “tipo” de trabalho tem sua singularidade.

Mediante os resultados obtidos, sugere-se como possibilidade de auxílio aos professores no contexto carcerário, a atuação do psicólogo educacional no sistema de privação de liberdade, pois de acordo com Andoló (1984), o psicólogo educacional promove mudanças dentro das instituições e seu trabalho visa conscientizar os papéis dos componentes dos grupos que compõem a instituição.

Portanto, o psicólogo educacional pode atuar apoiando os educadores tanto nos aspectos emocionais, quanto colaborando para que ocorra uma comunicação efetiva e eficiente entre os contratantes, professores, coordenação pedagógica, agentes penitenciários e todo o grupo de funcionários atuantes no sistema penitenciário.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este estudo foi de extrema relevância para compreender o contexto emocional e o ofício dos professores no sistema prisional. A pesquisa realizada é de cunho social já que por meio do professor, nas situações de privação de liberdade, o recluso tem a possibilidade de aprender novos saberes, conquistar novas oportunidades de ressocialização. Ademais os docentes se sentem responsáveis socialmente pelas conquistas dos apenados.

Mediante tais considerações caracterizou- se o perfil dos docentes de reclusos no sistema de privação de liberdade, com índices de alta realização profissional, portanto, a hipótese da pesquisa foi refutada, já que não há indícios da Síndrome de Burnout, porém ficou identificada a exaustão emocional moderada entre os docentes afastados.

Infere-se que a exaustão emocional apresentada não se dá somente pelo ambiente estressor de trabalho, mas, em parte, pela insatisfação dos docentes com a gestão educacional do Estado que os contrata. Essa análise está fundamentada por meio das sugestões dadas pelos professores que indicaram que deveriam ter uma ampla preparação para atuar e também no desligamento de seu ofício no sistema de privação de liberdade.

Durante a coleta de dados, dois profissionais foram afastados, dessa maneira, evidenciou-se que há rotatividade de professores no sistema de privação de liberdade, o que infelizmente esse estudo não conseguirá relatar os motivos pelos quais os professores são afastados. Dessa forma, sugere-se que mais pesquisas sejam realizadas com os docentes do sistema de privação de liberdade, pois ainda há falta de conhecimento sobre o trabalho dos professores nesse contexto e, a partir da presente pesquisa, se abrem novas perguntas, tais como: Por que o sistema de privação de liberdade não disponibiliza o atendimento psicológico aos educadores carcerários e aos demais colaboradores do

sistema? Por que depois de afastados, os docentes apresentaram índices de exaustão emocional? Essas indagações devem ser investigadas, ampliando dessa maneira, o conhecimento do trabalho realizado pelos professores do sistema carcerário, bem como, diferentes demandas decorrentes do seu ofício.

Os resultados obtidos neste trabalho levam a concluir que os professores prisionais se

sentem grandiosamente realizados

profissionalmente, pois percebem quão grande é a importância do seu trabalho com os reclusos. Eles sabem que o conhecimento educacional transmitido para seus alunos detentos pode ser uma ferramenta de relevância para o apenado e para toda a sociedade, já que o objetivo da educação dentro do sistema de privação de liberdade é que o sujeito receba uma nova oportunidade de redimir-se de seus erros. Portanto, os educadores sentem-se realizados profissionalmente, pois além da educação exercem um papel social significativo.

Por meio desse estudo foi possível compreender que os docentes do sistema de privação de liberdade são um dos principais potencializadores da ressocialização dos apenados, pois o professor é um mediador educacional e suas atribuições não se limitam ao pedagógico, pois também são referências de vida aos reclusos ao possibilitarem que o apenado tenha uma segunda chance por meio do estudo.

Esses profissionais também contribuem para que o recluso recupere sua autoestima, portanto cabe inferir que o docente do sistema de privação de liberdade deve ser respeitado, capacitado e, principalmente, valorizado tanto em seu estado profissional, quanto emocional. A preparação para atuar no cárcere deve ser realizada de forma eficiente e seu desligamento também deve ser conduzido de forma respeitosa, pois o trabalho que os professores prestam é para além das ‘celas de aulas’ e cabe então que os docentes se sintam apoiados em todas as suas necessidades.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS