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Anticoagulantes e antiplaquetários

No documento Manual prático de geriatria (páginas 167-169)

A  taxa  de  AVE  isquêmico  em  pacientes  com  FA  é  de  aproximadamente  5%  ao  ano,  ou  seja,  2  a  7  vezes  maior  que  nos pacientes sem FA, e aumenta ainda mais quando há doença cardiovascular.8 O risco de AVE cresce exponencialmente com a

idade, sendo menor que 1,5% em pacientes entre 50 e 59 anos e atingindo 30% entre 80 e 89 anos.

Os escores de risco, tais como o CHADS2,* parecem subestimar o risco em pacientes com mais de 75 anos de idade, de  maneira  que  alguns  autores  recomendam  tratar  todos  os  pacientes  com  anticoagulantes,  exceto  quando  houver contraindicação convincente.9

Uma  das  principais  decisões  no  manuseio  dos  pacientes  com  FA  é  determinar  o  risco  de  AVE  e  a  anticoagulação adequada para pacientes de baixo, médio ou alto risco. Para cada anticoagulante, o benefício em termos de redução do risco de AVE deve ser pesado contra o risco de hemorragias graves. Aproximadamente 15 a 25% de todos os AVE podem ser atribuídos  à  FA.  Fatores  de  risco  conhecidos  para  o  AVE  em  pacientes  com  FA  são:  sexo  masculino,  doença  valvar, insuficiência cardíaca, hipertensão, diabetes ou episódios isquêmicos prévios (Tabela 14.1).10

Tabela 14.1 Principais fatores de risco para AVE em pacientes com fibrilação atrial, por ordem de importância.

Fator de risco Risco relativo

AVE ou isquemia prévia 2,5

História de hipertensão arterial 1,6

Idade avançada (> 65 anos) 1,4 Diabetes 1,7 Doença coronariana 0,5 AVE: acidente vascular encefálico. Houve um tempo (há menos de 20 anos) em que a idade avançada (> 75 anos) era considerada uma contraindicação ao uso de anticoagulantes. No entanto, desde então foram­se acumulando evidências de que a varfarina seria a substância mais segura e eficaz em idosos, quando comparada às estratégias preventivas.11 Vários algoritmos de avaliação de risco de AVE foram desenvolvidos para ajudar na decisão de anticoagulação. O escore CHADS2 tem sido o mais empregado, atribuindo­ se  1  ponto  para  cada  fator  e  2  pontos  para  o  último,  sendo  o  paciente  classificado  em  baixo  (escore  =  0),  intermediário (escore = 1) ou alto risco (escore ≥ 2). Para o paciente de alto risco, seria indicada a anticoagulação e, para o paciente de baixo  risco,  o  ácido  acetilsalicílico;  no  entanto,  para  o  paciente  de  risco  intermediário,  as  diretrizes  recomendam  ácido acetilsalicílico ou anticoagulação com varfarina. Essa última recomendação pode causar incerteza para os clínicos que lidam com esses pacientes. Dados mais recentes têm demonstrado que os pacientes classificados como risco intermediário (que teriam como opção a anticoagulação ou o ácido acetilsalicílico) apresentaram redução do risco de AVE com anticoagulantes; além  disso,  esse  algoritmo  não  contempla  outros  fatores  de  risco,  como  doença  vascular  e  sexo.  Visando  abranger  essas deficiências, foi criado um novo escore, o CHA2DS2VASc* no qual o paciente com 2 pontos também é considerado de alto risco, com 1 ponto, risco intermediário, e com 0 ponto, baixo risco (Tabela 14.2).12

Múltiplos  estudos  têm  demonstrado  que  a  anticoagulação  com  varfarina  (com  razão  normalizada  internacional  [RNI] mantida  entre  2,0  e  3,0  ou  entre  1,8  e  2,0  em  pacientes  idosos  com  risco  elevado  de  queda)  é  eficaz  na  prevenção  de tromboembolismo  em  pacientes  com  FA,  ao  passo  que  o  ácido  acetilsalicílico  oferece  apenas  modesta  proteção  contra  o AVE10 (Tabela 14.3).

Em  uma  análise  dos  5  maiores  estudos  clínicos  randomizados  que  usaram  varfarina  na  prevenção  primária  do  AVE, ficou claro que a redução do risco relativo (RRR) > 65% era quase toda observada em pacientes com mais de 65 anos de idade apresentando mais de 1 fator de risco (FR).13 Os resultados foram confirmados no Brimingham Atrial Fibrillation Treatment of the Aged Study, no qual 937 pacientes ≥ 75 anos foram randomizados para receber varfarina (RNI 2 a 3) ou ácido acetilsalicílico (75 mg/dia).14 Apesar de uma RRR de 52% da varfarina em comparação com o ácido acetilsalicílico (taxa de AVE 1,8 versus 3,8%, respectivamente; p = 0,003), o risco de hemorragia extracraniana não foi estatisticamente diferente (varfarina 1,4% versus ácido acetilsalicílico 1,6%). Um perfil de segurança similar foi observado no recentemente publicado Warfarin versus Aspirin for Stroke Prevention in Octogenarians Study, no qual 75 pacientes com idade média de 83,9  anos  foram  randomizados  para  varfarina  (RNI  2  a  3)  ou  ácido  acetilsalicílico  (300  mg/dia)  e  acompanhados  por  1 ano.15 Nesse estudo, mais eventos adversos ocorreram com ácido acetilsalicílico do que com varfarina (33 versus 6%; p =

0,002), principalmente em razão de distúrbios gastrintestinais intoleráveis (7/13) e sangramento grave (3/13). Tabela 14.2 Esquema CHA2DS2VASc.

Fator de risco Pontos

Insu ciência cardíaca congestiva/disfunção ventricular esquerda 1

Hipertensão 1

Idade ≥ 75 anos 2

Diabetes melito 1

Derrame/AIT/TE 2

Doença vascular, história de infarto do miocárdio, doença arterial periférica ou placa aórtica 1

Idade de 65 a 74 anos 1

Sexo feminino 1

AIT: ataque isquêmico transitório; TE: tromboembolismo.

Categoria Terapia recomendada

Sem FR Ácido acetilsalicílico 81 a 325 mg/dia

FR moderado (1 ponto) Ácido acetilsalicílico 81 a 325 mg/dia ou varfarina (RNI 2 a 3) FR elevado ou mais de 1 FR moderado (≥ 2 pontos) Varfarina (RNI 2 a 3)

FR: fator de risco; RNI: razão normalizada internacional.

Alguns  estudos  avaliaram  o  antiplaquetário  clopidogrel  associado  ao  ácido  acetilsalicílico  como  alternativa  aos anticoagulantes.  No  ACTIVE­W,  o  risco  anual  de  AVE,  embolia  sistêmica,  infarto  ou  morte  vascular  foi  de  3,93%  no grupo  anticoagulante  versus  5,60%  no  grupo  ácido  acetilsalicílico  com  clopidogrel  (risco  relativo  [RR]  1,44;  [95% intervalo de confiança (IC): 1,18 a 1,76; p = 0,0003; número necessário tratar (NNT) 47]). As complicações hemorrágicas ocorreram em 15,4% dos pacientes em uso de antiagregantes e 13,2% no grupo anticoagulante (RR 1,21; [95% IC: 1,08 a 1,35;  p  =  0,001]),  e  a  soma  de  desfechos  primários  mais  hemorragias  foi  de  41%  maior  no  grupo  em  uso  de antiplaquetários, o que demonstrou a superioridade da varfarina na prevenção de eventos vasculares.16 No estudo ACTIVE­

A, pacientes com contraindicação ou que se recusaram ao uso de anticoagulação foram divididos em 2 grupos: um apenas com  ácido  acetilsalicílico  e  outro  com  ácido  acetilsalicílico  mais  clopidogrel.17  A  taxa  de  eventos  cardiovasculares  foi

maior  no  grupo  com  somente  ácido  acetilsalicílico  (7,6  versus  6,8%,  p  =  0,01),  devido  a  uma  redução  maior  na  taxa  de AVE  com  o  clopidogrel  (3,3  versus  2,4%).  Em  compensação,  a  taxa  de  sangramento  foi  menor  (1,3  versus  2,0%,  p  < 0,001),  mostrando  que,  nos  pacientes  com  contraindicação  ao  anticoagulante,  a  adição  de  clopidogrel  ao  ácido acetilsalicílico reduz o risco de eventos vasculares, principalmente AVE, com incremento também na taxa de hemorragias. O  uso  combinado  de  dupla  agregação  plaquetária  (ácido  acetilsalicílico  e  clopidogrel)  mais  anticoagulação  com  varfarina (terapia  tripla)  tem  sido  sugerido  como  estratégia  para  pacientes  com  FA  associada  a  próteses  valvares  mecânicas  ou  a stents farmacológicos,18 porém são poucos os estudos randomizados direcionados a essa questão. No estudo RE­LY, 40%

dos  pacientes  usavam  ácido  acetilsalicílico  ou  clopidogrel  associado  à  dabigatrana  (poucos  pacientes  usavam  2 antiplaquetários): tanto nos pacientes que usavam 110 mg como nos que usavam 150 mg 2 vezes/dia, houve uma tendência a maior sangramento.

Alguns escores foram desenvolvidos para estimar o risco de hemorragia da anticoagulação; incluindo o HAS­BLED.19

Esses escores foram desenvolvidos a partir de estudos que consideravam sangramento de diferentes gravidades, porém o sangramento  mais  temido  é  o  intracraniano.  Estudos  observacionais  e  randomizados  relatam  risco  de  sangramento intracraniano  entre  0,2  e  0,4%  ao  ano  com  varfarina,  mas  algumas  características  clínicas  colocam  o  paciente  em  risco muito mais elevado de sangramento. São eles: trombocitopenia ou outro distúrbio da coagulação, sangramento anterior com anticoagulante, hipertensão grave e a combinação de anticoagulantes e antiplaquetários. O estudo Anticoagulation and Risk Factors in Atrial Fibrillation (ATRIA), que acompanhou 13.559 pacientes, demonstrou que um esquema de estratificação com 5 variáveis (anemia – 3 pontos, insuficiência renal grave – 3 pontos, idade ≥ 75 anos – 2 pontos, sangramento prévio –  1  ponto  e  hipertensão  –  1  ponto)  é  eficaz  em  quantificar  o  risco  de  hemorragia  grave  em  pacientes  recebendo anticoagulação oral, variando de 0,4% ao ano para pacientes com 0 ponto a 17,3% em pacientes com 10 pontos.20

No documento Manual prático de geriatria (páginas 167-169)