A taxa de AVE isquêmico em pacientes com FA é de aproximadamente 5% ao ano, ou seja, 2 a 7 vezes maior que nos pacientes sem FA, e aumenta ainda mais quando há doença cardiovascular.8 O risco de AVE cresce exponencialmente com a
idade, sendo menor que 1,5% em pacientes entre 50 e 59 anos e atingindo 30% entre 80 e 89 anos.
Os escores de risco, tais como o CHADS2,* parecem subestimar o risco em pacientes com mais de 75 anos de idade, de maneira que alguns autores recomendam tratar todos os pacientes com anticoagulantes, exceto quando houver contraindicação convincente.9
Uma das principais decisões no manuseio dos pacientes com FA é determinar o risco de AVE e a anticoagulação adequada para pacientes de baixo, médio ou alto risco. Para cada anticoagulante, o benefício em termos de redução do risco de AVE deve ser pesado contra o risco de hemorragias graves. Aproximadamente 15 a 25% de todos os AVE podem ser atribuídos à FA. Fatores de risco conhecidos para o AVE em pacientes com FA são: sexo masculino, doença valvar, insuficiência cardíaca, hipertensão, diabetes ou episódios isquêmicos prévios (Tabela 14.1).10
Tabela 14.1 Principais fatores de risco para AVE em pacientes com fibrilação atrial, por ordem de importância.
Fator de risco Risco relativo
AVE ou isquemia prévia 2,5
História de hipertensão arterial 1,6
Idade avançada (> 65 anos) 1,4 Diabetes 1,7 Doença coronariana 0,5 AVE: acidente vascular encefálico. Houve um tempo (há menos de 20 anos) em que a idade avançada (> 75 anos) era considerada uma contraindicação ao uso de anticoagulantes. No entanto, desde então foramse acumulando evidências de que a varfarina seria a substância mais segura e eficaz em idosos, quando comparada às estratégias preventivas.11 Vários algoritmos de avaliação de risco de AVE foram desenvolvidos para ajudar na decisão de anticoagulação. O escore CHADS2 tem sido o mais empregado, atribuindo se 1 ponto para cada fator e 2 pontos para o último, sendo o paciente classificado em baixo (escore = 0), intermediário (escore = 1) ou alto risco (escore ≥ 2). Para o paciente de alto risco, seria indicada a anticoagulação e, para o paciente de baixo risco, o ácido acetilsalicílico; no entanto, para o paciente de risco intermediário, as diretrizes recomendam ácido acetilsalicílico ou anticoagulação com varfarina. Essa última recomendação pode causar incerteza para os clínicos que lidam com esses pacientes. Dados mais recentes têm demonstrado que os pacientes classificados como risco intermediário (que teriam como opção a anticoagulação ou o ácido acetilsalicílico) apresentaram redução do risco de AVE com anticoagulantes; além disso, esse algoritmo não contempla outros fatores de risco, como doença vascular e sexo. Visando abranger essas deficiências, foi criado um novo escore, o CHA2DS2VASc* no qual o paciente com 2 pontos também é considerado de alto risco, com 1 ponto, risco intermediário, e com 0 ponto, baixo risco (Tabela 14.2).12
Múltiplos estudos têm demonstrado que a anticoagulação com varfarina (com razão normalizada internacional [RNI] mantida entre 2,0 e 3,0 ou entre 1,8 e 2,0 em pacientes idosos com risco elevado de queda) é eficaz na prevenção de tromboembolismo em pacientes com FA, ao passo que o ácido acetilsalicílico oferece apenas modesta proteção contra o AVE10 (Tabela 14.3).
Em uma análise dos 5 maiores estudos clínicos randomizados que usaram varfarina na prevenção primária do AVE, ficou claro que a redução do risco relativo (RRR) > 65% era quase toda observada em pacientes com mais de 65 anos de idade apresentando mais de 1 fator de risco (FR).13 Os resultados foram confirmados no Brimingham Atrial Fibrillation Treatment of the Aged Study, no qual 937 pacientes ≥ 75 anos foram randomizados para receber varfarina (RNI 2 a 3) ou ácido acetilsalicílico (75 mg/dia).14 Apesar de uma RRR de 52% da varfarina em comparação com o ácido acetilsalicílico (taxa de AVE 1,8 versus 3,8%, respectivamente; p = 0,003), o risco de hemorragia extracraniana não foi estatisticamente diferente (varfarina 1,4% versus ácido acetilsalicílico 1,6%). Um perfil de segurança similar foi observado no recentemente publicado Warfarin versus Aspirin for Stroke Prevention in Octogenarians Study, no qual 75 pacientes com idade média de 83,9 anos foram randomizados para varfarina (RNI 2 a 3) ou ácido acetilsalicílico (300 mg/dia) e acompanhados por 1 ano.15 Nesse estudo, mais eventos adversos ocorreram com ácido acetilsalicílico do que com varfarina (33 versus 6%; p =
0,002), principalmente em razão de distúrbios gastrintestinais intoleráveis (7/13) e sangramento grave (3/13). Tabela 14.2 Esquema CHA2DS2VASc.
Fator de risco Pontos
Insu ciência cardíaca congestiva/disfunção ventricular esquerda 1
Hipertensão 1
Idade ≥ 75 anos 2
Diabetes melito 1
Derrame/AIT/TE 2
Doença vascular, história de infarto do miocárdio, doença arterial periférica ou placa aórtica 1
Idade de 65 a 74 anos 1
Sexo feminino 1
AIT: ataque isquêmico transitório; TE: tromboembolismo.
Categoria Terapia recomendada
Sem FR Ácido acetilsalicílico 81 a 325 mg/dia
FR moderado (1 ponto) Ácido acetilsalicílico 81 a 325 mg/dia ou varfarina (RNI 2 a 3) FR elevado ou mais de 1 FR moderado (≥ 2 pontos) Varfarina (RNI 2 a 3)
FR: fator de risco; RNI: razão normalizada internacional.
Alguns estudos avaliaram o antiplaquetário clopidogrel associado ao ácido acetilsalicílico como alternativa aos anticoagulantes. No ACTIVEW, o risco anual de AVE, embolia sistêmica, infarto ou morte vascular foi de 3,93% no grupo anticoagulante versus 5,60% no grupo ácido acetilsalicílico com clopidogrel (risco relativo [RR] 1,44; [95% intervalo de confiança (IC): 1,18 a 1,76; p = 0,0003; número necessário tratar (NNT) 47]). As complicações hemorrágicas ocorreram em 15,4% dos pacientes em uso de antiagregantes e 13,2% no grupo anticoagulante (RR 1,21; [95% IC: 1,08 a 1,35; p = 0,001]), e a soma de desfechos primários mais hemorragias foi de 41% maior no grupo em uso de antiplaquetários, o que demonstrou a superioridade da varfarina na prevenção de eventos vasculares.16 No estudo ACTIVE
A, pacientes com contraindicação ou que se recusaram ao uso de anticoagulação foram divididos em 2 grupos: um apenas com ácido acetilsalicílico e outro com ácido acetilsalicílico mais clopidogrel.17 A taxa de eventos cardiovasculares foi
maior no grupo com somente ácido acetilsalicílico (7,6 versus 6,8%, p = 0,01), devido a uma redução maior na taxa de AVE com o clopidogrel (3,3 versus 2,4%). Em compensação, a taxa de sangramento foi menor (1,3 versus 2,0%, p < 0,001), mostrando que, nos pacientes com contraindicação ao anticoagulante, a adição de clopidogrel ao ácido acetilsalicílico reduz o risco de eventos vasculares, principalmente AVE, com incremento também na taxa de hemorragias. O uso combinado de dupla agregação plaquetária (ácido acetilsalicílico e clopidogrel) mais anticoagulação com varfarina (terapia tripla) tem sido sugerido como estratégia para pacientes com FA associada a próteses valvares mecânicas ou a stents farmacológicos,18 porém são poucos os estudos randomizados direcionados a essa questão. No estudo RELY, 40%
dos pacientes usavam ácido acetilsalicílico ou clopidogrel associado à dabigatrana (poucos pacientes usavam 2 antiplaquetários): tanto nos pacientes que usavam 110 mg como nos que usavam 150 mg 2 vezes/dia, houve uma tendência a maior sangramento.
Alguns escores foram desenvolvidos para estimar o risco de hemorragia da anticoagulação; incluindo o HASBLED.19
Esses escores foram desenvolvidos a partir de estudos que consideravam sangramento de diferentes gravidades, porém o sangramento mais temido é o intracraniano. Estudos observacionais e randomizados relatam risco de sangramento intracraniano entre 0,2 e 0,4% ao ano com varfarina, mas algumas características clínicas colocam o paciente em risco muito mais elevado de sangramento. São eles: trombocitopenia ou outro distúrbio da coagulação, sangramento anterior com anticoagulante, hipertensão grave e a combinação de anticoagulantes e antiplaquetários. O estudo Anticoagulation and Risk Factors in Atrial Fibrillation (ATRIA), que acompanhou 13.559 pacientes, demonstrou que um esquema de estratificação com 5 variáveis (anemia – 3 pontos, insuficiência renal grave – 3 pontos, idade ≥ 75 anos – 2 pontos, sangramento prévio – 1 ponto e hipertensão – 1 ponto) é eficaz em quantificar o risco de hemorragia grave em pacientes recebendo anticoagulação oral, variando de 0,4% ao ano para pacientes com 0 ponto a 17,3% em pacientes com 10 pontos.20