Este mecanismo é secundário, por exemplo, a intubação orotraqueal, trauma torácico penetrante ou disseminação por contiguidade a partir de um sítio adjacente de infecção (p. ex., abscesso hepático amebiano).
Patologia
O processo pneumônico pode envolver primariamente o interstício pulmonar, causando pneumonia intersticial, ou os alvéolos. Quando o processo está restrito ao alvéolo contíguo ao brônquio, denominase broncopneumonia. As cavidades desenvolvemse quando o tecido necrótico é liberado em uma via respiratória comunicante, resultando em pneumonia necrosante (múltiplas pequenas cavidades menores que 2 cm cada) ou abscesso pulmonar (uma ou mais cavidades maiores que 2 cm em diâmetro).
Epidemiologia
As circunstâncias de vida, ocupação, história de viagem, contato com pessoas com doenças, exposição a animais, assim como o conhecimento da epidemiologia local proveem informações relevantes para a provável etiologia da pneumonia. A terapêutica antibiótica é geralmente empírica, baseada no quadro clínico, nos dados epidemiológicos, no padrão
radiográfico e nos resultados dos exames laboratoriais pertinentes, como análise do escarro ou outros fluidos corporais, e no padrão de suscetibilidade do microrganismo suspeito aos agentes antimicrobianos disponíveis.
A frequência dos vários patógenos pulmonares varia com o contexto em que a pneumonia foi adquirida, se na comunidade ou em ambiente hospitalar. Os agentes etiológicos mais frequentes na pneumonia comunitária são S. pneumoniae, H. influenzae, Chlamydia pneumoniae e M. pneumoniae.6 Bactérias Gramnegativas entéricas e Pseudomonas
aeruginosa, agentes incomuns na pneumonia comunitária, são responsáveis por mais de 50% das pneumonias nosocomiais, enquanto S. aureus é responsável por cerca de 10% dos episódios. Em pacientes residentes em casas de apoio (asilos) devemse considerar os mesmos patógenos causadores da pneumonia comunitária e avaliar a possibilidade do acometimento por patógenos MDR ou aqueles encontrados na pneumonia nosocomial.7,8
A frequência do vírus influenza como causa de pneumonia comunitária ou em pacientes institucionalizados aumenta durante os meses de inverno e, além disso, provoca um aumento da incidência de infecção secundária por S. pneumoniae, S. aureus e H. influenzae. Outros vírus comumente implicados na pneumonia comunitária são adenovirus, parainfluenza, vírus sincicial respiratório e metapneumovirus humano.
L. pneumophila coloniza depósitos de água quente, infectando indivíduos que inalem aerossóis contendo esse microrganismo (geralmente em ambiente hospitalar ou hotéis), mas pode acometer idosos, tabagistas e pessoas com alteração da imunidade celular, insuficiência hepática ou renal, diabetes e neoplasias. M. pneumoniae causa surtos em comunidades fechadas, como bases militares e escolas, acometendo mais os jovens, e apresenta um longo período de incubação (2 a 3 semanas). Nos pacientes com vírus da imunodeficiência humana (HIV1 e 2), Pneumocystis jirovecii e M. tuberculosis consistem em causas importantes de pneumonia. C. psittaci coloniza as aves, sendo uma causa importante de pneumonia em criadores desses animais. A idade é um importante indicador do agente etiológico da pneumonia. Em pacientes idosos, H. influenzae e M. catarrhalis são patógenos importantes naqueles com doença pulmonar crônica.
Anaeróbios que colonizam a cavidade oral são causas de pneumonia comunitária e abscesso pulmonar, geralmente em combinação com bactérias aeróbias, em pacientes com distúrbios de deglutição ou diminuição dos reflexos de fechamento da glote ou tosse, sendo responsáveis por cerca de 20 a 30% dos casos de pneumonia.
Algumas patologias preexistentes podem ser caracterizadas por alterações imunológicas que predispõem à pneumonia por patógenos específicos. A deficiência de imunoglobulinas pode levar a infecções sinopulmonares de repetição, especialmente por microrganismos encapsulados, como S. pneumoniae e H. influenzae. Essa deficiência pode ser congênita ou adquirida, e, nesse caso, secundária às doenças linfoproliferativas, nas quais a produção dessas imunoglobulinas está diminuída, ou doenças renais ou enteropatias perdedoras de proteína, por perda urinária ou intestinal dessas proteínas. Pacientes portadores de HIV podem exibir produção ineficaz de anticorpos, podendo ser suscetíveis à infecção por germes encapsulados. Quando a contagem de CD4+ estiver abaixo de 500 células/µ ℓ , há risco aumentado de infecção por M. tuberculosis. Nas contagens de CD4+ menores que 200 células/µℓ, os patógenos mais frequentemente implicados são P. jirovecii, H. capsulatum e Cryptococcus neoformans. Nas contagens abaixo de 50/µ ℓ , há o risco de infecção por citomegalovírus e M. avium intracelular. A neutropenia grave pode aumentar o risco de infecção por P. aeruginosa, Enterobacteriaceae, S. aureus e Aspergillus. O uso prolongado de corticoide aumenta o risco de tuberculose e nocardiose.
Manifestações clínicas
Tosse, expectoração purulenta ou piossanguinolenta, dor torácica ventilatóriodependente e dispneia constituem os principais sintomas da chamada apresentação típica da pneumonia e são encontrados geralmente na infecção por S. pneumoniae, H. influenzae e aeróbios e anaeróbios da flora oral. Sintomas como coriza, congestão nasal, malestar geral e cefaleia podem preceder a instalação da pneumonia.
Ao exame físico, podese identificar a síndrome de consolidação pulmonar, com aumento do frêmito toracovocal, macicez à percussão, crepitações, estertores e egofonia. Ocasionalmente, o acometimento dos lobos inferiores pode causar dor abdominal e dor referida no ombro (por irritação diafragmática).
A apresentação clínica típica não é a mais comum, especialmente em idosos. A febre pode estar ausente, e os achados do exame físico podem ser sutis, limitandose a roncos e estertores esparsos.8,9 O paciente idoso pode se apresentar com
alteração do nível de consciência, queda, incapacidade de alimentarse ou agravamento de uma patologia de base. Nesses pacientes, taquipneia e alterações do exame físico geralmente estão presentes.10,11
A apresentação atípica é caracterizada por um curso mais gradual, com tosse seca, dispneia e proeminência de sintomas extrapulmonares, como cefaleia, mialgia, fadiga, odinalgia, náuseas, vômitos e diarreia.12 Essa apresentação é
classicamente produzida pela infecção por M. pneumoniae, Legionella sp., C. pneumophila, anaeróbios orais, P. jirovecii, Coxiella burnetii, Fransisella tularensis e H. capsulatum. A pneumonia por M. pneumoniae pode apresentar eritema
multiforme, miringite bolhosa, anemia hemolítica, encefalite e mielite transversa. A pneumonia por Legionella sp. pode cursar com alteração do nível de consciência, hiponatremia acentuada e alterações renais e hepáticas. A pneumonia viral pode ter apresentação atípica, mais comumente causada por vírus influenza, vírus sincicial respiratório (nos imunodeprimidos e idosos), sarampo, varicelazóster e citomegalovírus (pacientes HIVpositivos ou transplantados). A infecção bacteriana pode seguirse à pneumonia viral em virtude da destruição do epitélio mucociliar pelo vírus.
A radiografia de tórax em incidências posteroanterior e perfil apresenta sensibilidade maior que o exame físico na detecção dos infiltrados pulmonares, e é útil na confirmação diagnóstica, na documentação da extensão, na identificação de complicações (cavitação, derrame pleural, atelectasia, pneumotórax) e no monitoramento da evolução e da resposta ao tratamento. Na pneumonia por P. jirovecii, a radiografia de tórax pode ser normal em 30% dos casos na apresentação inicial. Também pode ser normal em pacientes incapazes de formar uma resposta inflamatória, como aqueles com agranulocitose ou no início do processo infiltrativo, ou pacientes desidratados à apresentação inicial. A tomografia computadorizada de tórax pode aumentar a acurácia no diagnóstico da pneumonia, especialmente no acometimento das áreas pulmonares nas quais existe a sobreposição com diafragma, fígado, costelas, clavícula e coração à radiografia de tórax.
A localização do processo inflamatório tem implicações diagnósticas. Infiltrados multifocais sugerem disseminação hematogênica. A distribuição difusa sugere pneumonia por P. jirovecii, citomegalovírus, hantavírus, sarampo e varicela zóster. Anaeróbios orais, tuberculose, S. aureus, S. pneumoniae subtipo III, bacilos Gramnegativos anaeróbios e fungos podem apresentar necrose e cavitação. O acometimento dos ápices pode sugerir reativação de tuberculose. Abscessos anaeróbios são localizados nas porções dependentes, pobremente ventiladas e com drenagem menos eficaz, e caracteristicamente exibem nível hidroaéreo, mas também podem ser encontrados em outras etiologias, como S. aureus e bacilos Gramnegativos aeróbios.
Em pacientes com curso clínico não complicado, a resolução radiográfica dos infiltrados pode levar até 6 semanas. Aqueles que não respondem adequadamente ao tratamento, que se apresentam com derrame pleural, com pneumonia obstrutiva ou infecção por patógenos, como S. aureus, bacilos Gramnegativos aeróbios ou anaeróbios, necessitam de acompanhamento mais intensivo. Em algumas situações, a tomografia computadorizada pode auxiliar no diagnóstico diferencial das imagens radiográficas.
O leucograma deve ser solicitado, sendo útil como indicador de gravidade e resposta terapêutica. A gasometria arterial deve ser realizada naqueles pacientes em que a internação hospitalar é considerada.