As queixas dos idosos com problemas de sono são organizadas em 3 grupos principais: (a) dificuldade para iniciar ou manter o sono (queixa de insônia); (b) movimentos, comportamentos e sensações anormais durante o sono ou durante os despertares noturnos; (c) sonolência diurna excessiva (SDE) e fadiga. É fundamental indagar sobre as circunstâncias do início do problema de sono, sua duração, fatores que melhoram/exacerbam e sintomas associados. Devemse verificar as rotinas do dia e da noite, incluindo: horário de deitarse; lapso de tempo para adormecer; número e duração dos despertares; horário de sair da cama pela manhã e características dos cochilos diurnos. Alguns sintomas matutinos levam a indagar mais sobre a apneia obstrutiva do sono: cefaleia, boca seca e aumento de congestão nasal. É relevante perguntar sobre cansaço e SDE além de rever a história de doenças que possam modificar o sono, como o histórico de medicações. A sonolência pode passar despercebida ou o seu significado pode ser subestimado devido ao início insidioso e o caráter crônico. O paciente pode não descrever sintomas como sonolência, mas pode usar outros termos, tais como a fadiga (falta subjetiva de energia física ou mental percebida pelo indivíduo ou cuidador que interfere em suas atividades habituais).
As causas mais comuns de SDE no idoso são:3 privação de sono (sono insuficiente); medicações e substâncias
(incluindo cafeína, álcool e tabaco); transtornos psiquiátricos e doenças do sistema nervoso central (SNC); síndrome de apneia/hipopneia obstrutiva do sono (SAHOS) e outros transtornos respiratórios do sono; outras doenças médicas e transtornos circadianos. Um questionário simples, a Escala de Sonolência de Epworth (Tabela 9.2), já validada no Brasil, é um método rápido para detectar a SDE. O escore máximo é de 18 pontos, porém valores acima de 10 pontos sugerem o diagnóstico.
Tabela 9.2 Escala de sonolência de Epworth (versão brasileira).
Qual a probabilidade de você cochilar ou dormir, e não apenas se sentir cansado, nas seguintes situações? Considere o modo de vida que você tem levado recentemente. Mesmo que não tenha passado por algumas dessas situações recentemente, tente imaginar como elas o afetariam. Escolha o número mais apropriado para responder cada questão
Situações Chance de cochilar: 0 a 3
1. Sentado e lendo
2. Assistindo à televisão
3. Sentado, quieto, em um lugar público (p. ex., teatro, reunião ou palestra) 4. Andando de carro por uma hora sem parar, como passageiro
5. Sentado quieto após o almoço sem bebida com álcool
6. Em um carro parado no trânsito por alguns minutos
Total
0. Nunca cochilaria
1. Pequena probabilidade de cochilar 2. Probabilidade média de cochilar 3. Grande probabilidade de cochilar
1. 2. 3. Fonte: Bertolazi et al., 2009.4 Várias patologias contribuem para os transtornos de sono no idoso como: ansiedade, depressão (aumento da latência do sono, despertares frequentes ou prolongados, despertar precoce, início adiantado com aumento do sono REM, redução do estágio 3 do sono), transtorno de estresse póstraumático, doença de Alzheimer (DA), demência com corpos de Lewy, doença de Parkinson (DP), cardiopatias, doença pulmonar obstrutiva crônica, doenças reumáticas, doença do refluxo gastresofágico, noctúria, menopausa, doenças dermatológicas pruriginosas e dor crônica, entre outras. Os maus hábitos de sono também são comuns, especialmente com a aposentadoria e a mudança do estilo de vida, incluindo a possibilidade do sono diurno.
Na Tabela 9.3 é possível ver como alguns medicamentos e substâncias afetam o sono em idosos. Na Tabela 9.4 são apresentados os dez passos iniciais na avaliação clínica dos transtornos do sono. Tabela 9.3 Medicamentos e substâncias que podem contribuir para o quadro de insônia em idosos.
Substância Provável efeito
Etanol Apesar de induzir o sono, promove fragmentação do mesmo durante a noite Anticolinesterásicos Insônia e pesadelos durante a noite
Betabloqueadores Alteração da siologia do sono com manifestação de pesadelos em alguns casos Xantinas e fenilefedrinas Efeito estimulante. Deve-se dar preferência ao uso longe do horário de dormir
Levodopa Insônia e pesadelos
Corticoides sistêmicos e inalatórios Efeito estimulante e agitação psicomotora durante a noite. Dose-dependente Diuréticos e bloqueadores do canal de cálcio Noctúria. Deve-se evitar o uso próximo à hora de dormir
Nicotina Insônia. Deve-se desestimular uso e/ou evitar durante a noite. Aumenta risco de apneia do sono
Cafeína Efeito estimulante, redução do tempo e e ciência do sono. Despertares noturnos em demenciados
Fenitoína Insônia
Teo lina Efeito estimulante (deve ser substituída por um broncodilatador dosimetrado ou outra opção terapêutica)
Antidepressivos inibidores da recaptação de serotonina e duais
Insônia inicial ou terminal
Benzodiazepínicos Ação hipnótico-sedativa, com alteração importante na cognição. Sonolência diurna excessiva, fragmentação do sono, insônia e aumento de risco de quedas. Devem ser evitados em idosos Anti-histamínicos Podem alterar a arquitetura do sono
Opioides (mor na e hidromorfona) Insônia
Fonte: Freitas e Py, 2016.5
Tabela 9.4 Os dez passos iniciais da avaliação dos transtornos do sono.
Diário do sono, realizado por pelo menos 2 semanas, especi cando os seguintes dados: hora de deitar, hora de se levantar em de nitivo, se demora a dormir, se acorda na madrugada (possíveis causas relacionadas), se tem di culdade de retomar o sono e se acorda cedo demais
Avaliação do ambiente (nível de ruído, nível de claridade, qualidade da cama e do travesseiro) Pesquisar se há sintomas clínicos associados à di culdade de dormir (dor, dispneia, prurido, noctúria)
4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. ■ ■
Listar medicações em uso e veri car se houve introduções ou suspensões recentes Veri car se há associação do transtorno de sono com abuso de drogas ilícitas ou etilismo Listar as comorbidades presentes
Se usa, ou já usou, algum medicamento para dormir
Avaliar como o idoso sente-se durante o dia (bem-disposto ou sonolento) Veri car se o quadro é de início recente ou crônico
Pesquisar a existência de sintomas psiquiátricos (depressão, fobias, ansiedade, alucinações, pesadelos)
Fonte: Bonnet et al., 2016.6
Exames complementares
Polissonogra a
Não é usada rotineiramente na investigação, mas é muito importante quando há suspeita clínica de distúrbio respiratório do sono (incluindo a SAHOS, na qual é considerado o exame padrãoouro para este diagnóstico), ausência de resposta terapêutica e/ou dúvida diagnóstica. A polissonografia (PSG) consiste basicamente no registro assistido, de noite inteira, de múltiplos parâmetros fisiológicos, obtendose o tempo total de sono, a latência do sono, a latência para o sono REM, os estágios do sono, os despertares noturnos e outros parâmetros fisiológicos. Recomendase o registro de diversas variáveis fisiológicas (eletroencefalograma, eletrooculograma, eletromiograma submentoniano, eletromiograma do músculo tibial anterior) e cardiorrespiratórias (fluxo com cânula de pressão nasal e termistor oronasal, esforço respiratório, eletrocardiograma e oximetria). Um vídeo pode ser acoplado ao registro polissonográfico para a detecção de comportamentos anormais durante o sono, tais como: parassonias, transtornos de movimentos e crises epilépticas. Há três tipos de PSG: basal, titulação de aparelhos de pressão positiva (pressão positiva contínua nas vias aéreas [CPAP] e/ou pressão positiva nas vias aéreas em binível [BiPAP]) e splitnight (no qual a PSG basal é feita na primeira metade da noite e, na segunda metade, realizase titulação de pressão respiratória positiva, fornecendo dados para diagnóstico e tratamento). Já estão disponíveis aparelhos portáteis que avaliam e gravam muitas das variáveis do sono, com a vantagem de o paciente estar em seu ambiente usual, o que influencia a qualidade do sono.
Actigra a
Neste teste o indivíduo usa pequenos equipamentos eletrônicos (actímetros) para medir e armazenar os movimentos, enquanto o paciente realiza suas rotinas diárias por períodos de pelos menos 3 dias. Os dados são transferidos para um computador e fornecem uma estimativa do tempo de vigília e de sono, da periodicidade do sono e dos ritmos circadianos de atividadesono. É um método diagnóstico com acurácia e validade comparada à PSG, mostrando concordância maior que 90% no estadiamento de sonovigília. Não é indicada na avaliação rotineira da insônia e, de preferência, deve ser associada a outros instrumentos.