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Peculiaridades da cardiopatia isquêmica no idoso

No documento Manual prático de geriatria (páginas 148-152)

A doença isquêmica cardíaca é a principal causa de mortalidade mundial, e a maioria das mortes ocorre em pacientes com mais  de  65  anos  de  idade.  A  Organização  Mundial  da  Saúde  (OMS)  prevê  um  aumento  nas  mortes  cardiovasculares  nas próximas  décadas,  como  consequência  do  envelhecimento  populacional  global.  Em  virtude  da  heterogeneidade  no envelhecimento,  características  como  lucidez  mental,  aspectos  emocionais,  massa  muscular  e  envolvimento  social constituem  itens  fundamentais  no  julgamento  clínico  e  na  abordagem  desses  pacientes.  Idosos  com  doença  arterial coronariana  (DAC)  associada  a  outras  doenças  crônicas  são  os  que  mais  usam  os  serviços  de  saúde  e  apresentam  piores desfechos clínicos. As comorbidades não cardíacas aumentam o risco de internação hospitalar e morte em pacientes com DAC.1 Essas comorbidades podem agravar a fisiopatologia da DAC, reduzir sua capacidade fisiológica de compensação,

interagir com o tratamento de forma benéfica ou aumentando os efeitos colaterais. Além disso, alteram as prioridades do médico  e  do  paciente,  funcionando  como  necessidades  competidoras  de  cuidado.  Nesse  sentido,  a  DAC  é  uma  doença crônica  de  grande  complexidade  nessa  população  e  as  comorbidades  influenciam  de  maneira  importante  as  tomadas  de decisão  e  devem  ser  consideradas  no  contexto  da  aplicação  prática  das  diretrizes  clínicas  elaboradas  para  a  DAC isoladamente.  Em  um  estudo  recente2  foram  listadas  condições  a  serem  consideradas  na  prescrição  de  terapias,  por

constituírem uma contraindicação relativa ou absoluta (p. ex., elevação de enzimas hepáticas quando se considera o uso de estatinas  ou  tontura/queda  quando  se  considera  o  uso  e  a  dose  de  anti­hipertensivos).  A  maioria  (75%)  dos  pacientes apresenta pelo menos uma dessas condições, contribuindo para a complexidade do quadro clínico, e a metade deles tem 3 ou mais, o que dificulta a aplicação, nesses pacientes, de diretrizes focadas em uma única enfermidade (Tabela 12.1).

Apresentação clínica

O envelhecimento altera as manifestações iniciais, o diagnóstico, o prognóstico e a resposta à terapia. Quanto mais idoso o paciente, mais importante é enfatizar a qualidade de vida, e não a longevidade, considerando­se os desejos do paciente e os riscos  inerentes  ao  tratamento.  As  apresentações  são  frequentemente  atípicas.  A  falta  de  uma  atividade  física  torna  os sintomas mais difíceis de serem demonstrados. As alterações cognitivas, o medo de ser hospitalizado, o conformismo (“é da idade”) e a depressão dificultam a anamnese. A presença do equivalente anginoso (dispneia) é muito comum. A extensão da  aterosclerose  coronariana  não  está  necessariamente  associada  a  evidências  objetivas  de  isquemia  miocárdica,  sendo  a isquemia  silenciosa  um  achado  comum.  A  dor  precordial  típica  ocorre  em  apenas  50%  dos  pacientes.  Pode  ser  menos grave,  ou  não  ocorrer,  devido  à  atividade  física  limitada.  Pode  ainda  manifestar­se  como  equivalentes  anginosos,  sendo muito frequente apresentar­se como dispneia, pois o aumento transitório na pressão diastólica final de ventrículo esquerdo, causado por isquemia sobreposta à complacência ventricular diminuída pelo processo de envelhecimento, causa congestão pulmonar. Pode apresentar­se como edema agudo de pulmão, arritmia cardíaca (palpitação ou síncope) ou mesmo de modo silencioso,  manifestando­se  somente  em  exames  complementares  ou  surgindo  como  primeira  manifestação,  com  infarto agudo do miocárdio (IAM) ou morte súbita. A dor precordial pode assumir diferentes formas, como dor nos ombros ou nas costas (confundindo com doença degenerativa), dor em região epigástrica (confundindo com úlcera péptica), dor pós­ prandial  ou  noturna  (sugerindo  hérnia  de  hiato  ou  refluxo  esofágico).  Quadros  infecciosos  com  elevação  da  temperatura, anemia  devido  a  hemorragias  gastrintestinais  não  diagnosticadas,  piora  da  doença  pulmonar  obstrutiva  crônica, hipertireoidismo,  taquiarritmia  sustentada,  níveis  pressóricos  muito  elevados,  além  de  doenças  valvares,  como  estenose aórtica e insuficiência cardíaca, podem agravar o quadro clínico ou desencadear sintomas em pacientes assintomáticos antes dessas intercorrências.

Condição % de pacientes Artrite 56,7% DPOC 25,5% Diabetes 24,8% AVE 13,8% ICC 29,0% Incontinência urinária 48,5% Tontura/quedas 34,8%

Uso de mais de 4 medicamentos 54,5%

Baixa taxa de ltração glomerular 24,4%

Anemia 10,1%

Elevação das enzimas hepáticas 5,9%

Uso de anticoagulantes 10,2%

De ciência cognitiva 29,9%

Di culdade de mobilização 40,4%

Alteração visual 16,7%

Alteração auditiva 17,9%

DAC:  doença  arterial  coronariana;  DPOC:  doença  pulmonar  obstrutiva  crônica;  AVE:  acidente  vascular  encefálico;ICC: insuficiência cardíaca congestiva.

Fonte: Boyd et al., 2011.2

Exame físico

O  exame  físico  do  idoso  portador  de  DAC  frequentemente  é  normal.  Xantomas,  níveis  elevados  de  pressão  arterial, obstruções  arteriais  periféricas  e  aneurisma  de  aorta  aumentam  a  probabilidade  de  DAC  no  idoso.  Nessa  faixa  etária,  as auscultas cardíaca e pulmonar podem estar prejudicadas pelo aumento do diâmetro anteroposterior do tórax, o que reduz a intensidade  dos  ruídos  pulmonares  e  cardíacos.  Cifose  e  lordose  da  coluna  toracolombar  rebaixam  o  diafragma  e, correspondentemente, o rebordo hepático, mimetizando hepatomegalia. Válvulas cardíacas espessadas e calcificadas podem gerar sopros sem importância clínica.

Exames complementares

O eletrocardiograma (ECG) pode apresentar alterações de repolarização ventricular secundárias a distúrbios de condução, hipertrofia ventricular esquerda, marca­passo ou uso de fármacos, dificultando sua interpretação.

O  ecodoppler  cardiograma  transtorácico  de  repouso  tem  papel  importante  em  demonstrar  a  repercussão  do comprometimento  das  artérias  coronárias  no  coração,  por  meio  da  análise  de  suas  dimensões,  das  funções  ventriculares sistólica  e  diastólica.  A  fração  de  ejeção  é  a  medida  mais  usada  para  avaliar  a  função  sistólica  ventricular  esquerda, importante  parâmetro  na  estratificação  de  risco.  As  anormalidades  da  movimentação  parietal  do  ventrículo  esquerdo promovem  o  diagnóstico  de  isquemia  transitória  aguda  ou  crônica  e  de  anormalidades  resultantes  de  fibrose  miocárdica. Sopros  cardíacos,  frequentemente  detectados  em  pacientes  idosos,  são  fundamentais  no  diagnóstico  diferencial  das valvopatias.

Os testes não invasivos podem ser úteis em situações cujo diagnóstico não é estabelecido adequadamente pela avaliação clínica e servem também para o estabelecimento do prognóstico. Eles raramente justificam­se como testes de triagem em idosos  assintomáticos,  especialmente  em  pacientes  com  mais  de  75  anos  de  idade.  A  escolha  do  método  não  invasivo depende das condições clínicas e do ECG de repouso do paciente, sendo o teste de esforço a abordagem mais simples. A

capacidade de exercitar­se e a duração do exercício são mais importantes na avaliação do prognóstico do que a depressão do segmento  ST.  Problemas  ortopédicos  ou  neurológicos,  descondicionamento  físico,  bem  como  anormalidades  no  ECG  de repouso são comuns e, nessas condições, um teste de perfusão miocárdica (com ou sem estresse farmacológico) pode ser usado.

A alta prevalência de alterações eletrocardiográficas de repouso, como hipertrofia do ventrículo esquerdo, bloqueio de ramo  esquerdo  e  arritmias,  torna  a  interpretação  do  teste  ergométrico,  muitas  vezes,  inconclusiva  ou  impossível.  Nesses pacientes, métodos alternativos para provocar isquemia miocárdica são necessários. Entre eles, destacam­se a cintigrafia de perfusão  miocárdica,  com  estresse  farmacológico,  a  ecocardiografia  de  estresse  e  a  ressonância  magnética  do  coração. Esses  exames  estão  indicados  nos  idosos  com  angina  estável  (AE)  que  apresentam  síndrome  de  Wolff­Parkinson­White, bloqueio  completo  do  ramo  esquerdo,  depressão  do  segmento  ST  maior  que  1  mm  no  ECG  de  repouso,  naqueles portadores de marca­passo, com revascularização miocárdica (RM) prévia e, principalmente, nos incapazes de se exercitar. O estresse pode ser realizado com esforço e, naqueles incapazes de se exercitar, deve ser farmacológico. A ecocardiografia de estresse realizada após exercício ou administração de dobutamina pode estabelecer o diagnóstico e estratificar o risco da AE. As anormalidades parietais decorrentes do estresse estabelecem indiretamente o grau de comprometimento coronário. Trata­se de uma boa opção para idosos portadores de anormalidades eletrocardiográficas em repouso. A adição das imagens cintigráficas perfusionais ao teste ergométrico aumenta para 90% a sensibilidade para detecção de DAC,  com  uma  especificidade  de  87%.  Adenosina  e  dipiridamol  são  os  vasodilatadores  coronarianos  de  escolha  para  o estresse farmacológico em cintigrafias. Pacientes impossibilitados de realizar o estresse farmacológico com adenosina ou dipiridamol  (hipotensão,  bloqueio  atrioventricular  avançado,  broncospasmo  ativo)  têm  como  alternativa  o  uso  de dobutamina.

A dificuldade de muitos idosos em realizar exercícios físicos e a intolerância para receber alguns medicamentos podem representar dificuldades práticas adicionais tanto para o eco com estresse como para a cintigrafia. Nesses casos, o emprego de  ressonância  magnética  com  contraste  paramagnético  em  registro  de  imagens  em  tempo  real  tem  sido  uma  alternativa para  diagnosticar  isquemia  miocárdica.  Esse  exame  tem  se  mostrado  uma  opção  real  para  o  diagnóstico  de  isquemia miocárdica com níveis de sensibilidade e especificidade elevados (> 80%).

A  decisão  pela  realização  da  arteriografia  coronariana  deve  ser  regida  por  critérios  mais  definidos  e  objetivos  de isquemia  miocárdica  (dor  anginosa  recorrente  e/ou  teste  provocativo  demonstrando  isquemia)  para  que  se  possam correlacionar  as  lesões  coronarianas  encontradas  com  a  clínica  do  paciente,  uma  vez  que  é  elevada  a  prevalência  de obstrução coronariana significativa, mesmo na ausência de sintomas. É preciso atentar para a disfunção renal e a possibilidade do desenvolvimento de nefropatia induzida por contraste, mais frequente entre os pacientes idosos. Segundo escore de risco proposto por Mehran et al. (2004),3 a idade superior a 75 anos é um dos principais fatores prognósticos independentes para ocorrência dessa complicação.3 A cinecoronariografia deve ser solicitada aos pacientes com testes não invasivos de alto risco para lesão de tronco de coronária esquerda ou de doença triarterial, nos pacientes com angina classe III ou IV (CCS) com resposta inadequada à terapêutica  medicamentosa.  A  cinecoronariografia  também  deve  ser  solicitada  aos  pacientes  com  insuficiência  cardíaca  e angina ou isquemia detectada em avaliação não invasiva.

Não  se  deve  indicar  a  cinecoronariografia  de  rotina,  mesmo  em  pacientes  com  riscos  intermediário  e  alto,  com comorbidades  importantes  ou  reduzida  expectativa  de  vida  (p.  ex.,  demência  avançada,  insuficiências  respiratória,  renal e/ou hepática, câncer de prognóstico fechado), e aos pacientes que, a priori, recusam perspectivas de tratamento por RM.

Tratamento | Fatores de risco

O  tratamento  da  angina  de  peito  tem  2  objetivos  principais:  aliviar  os  sintomas  de  isquemia,  melhorando  a  qualidade  de vida,  e  aumentar  a  expectativa  de  vida,  prevenindo  os  eventos  cardiovasculares  e  a  mortalidade.  Esses  objetivos  são alcançados  pela  modificação  do  estilo  de  vida  e  correção  dos  fatores  de  risco,  pelo  uso  de  anti­isquêmicos  e  protetores vasculares  e  pela  RM.  O  controle  dos  fatores  de  risco,  principalmente  nos  idosos  com  doença  estabelecida  (prevenção secundária),  promove  aumento  importante  da  sobrevida,  redução  da  recorrência  de  eventos  e  da  necessidade  de procedimentos  intervencionistas,  bem  como  aumento  na  qualidade  de  vida.  A  correção  dos  fatores  de  risco  (por modificação do estilo de vida e tratamento farmacológico) pode estabilizar a placa aterosclerótica e reduzir a progressão da aterosclerose, sendo um dos pilares do tratamento dos pacientes com AE. As modificações do estilo de vida precisam sem fortemente  incentivadas  e  incluem  o  fim  do  tabagismo,  a  prática  de  exercícios  físicos  e  perda  de  peso,  associadas  ao controle  da  glicemia  em  pacientes  diabéticos,  controle  da  hipertensão  arterial  e  tratamento  das  dislipidemias.  Essas recomendações,  embora  de  grande  eficácia,  são  difíceis  de  serem  aderidas  por  longo  tempo,  pois  implicam  mudança  de

hábitos  arraigados  há  décadas.  A  redução  de  peso  nos  obesos,  por  exemplo,  com  modificação  da  dieta  e  a  prática  de atividade física, encontra barreiras como a facilidade de adquirir alimentos industrializados altamente calóricos semiprontos e  de  fácil  mastigação  contrapondo­se  a  alimentos  mais  nutritivos  e  menos  calóricos  (frutas,  legumes,  hortaliças,  grãos integrais),  mas  que  exigem  mais  trabalho  para  aquisição  e  preparo.  A  prática  de  atividade  física  encontra  barreiras  na desmotivação,  dificuldade  de  encontrar  local  e  companhia,  osteoartrose,  tonturas,  déficit  de  visão  ou  de  equilíbrio, insuficiência  vascular  periférica,  medo  de  quedas  ou  mesmo  da  violência  urbana,  restringindo  o  idoso  à  sua  residência, onde  fica  horas  sentado  em  frente  à  televisão.  O  risco  relativo  de  doença  coronariana  atribuível  ao  sedentarismo  é comparável  ao  risco  de  hipertensão,  dislipidemia  e  tabagismo.  É  considerado  também  fator  de  risco  para  a  morte  súbita, estando,  na  maioria  das  vezes,  associado  direta  ou  indiretamente  às  causas  ou  ao  agravamento  de  várias  doenças,  como obesidade, diabetes, hipertensão arterial, ansiedade, depressão, dislipidemia, aterosclerose, doença pulmonar, osteoporose e câncer. A mortalidade cardiovascular do idoso tabagista é 2 vezes maior do que a do não tabagista, e está comprovado que a interrupção  do  tabagismo,  mesmo  em  pacientes  com  mais  de  75  anos  de  idade,  reduz  a  mortalidade  cardiovascular, equiparando­a à de pacientes sem histórico de tabagismo.4 Anti­hipertensivos reduzem os eventos coronarianos em idosos

com hipertensão, sendo o objetivo da terapêutica diminuir a pressão arterial para níveis inferiores a 140/90 mmHg.

O  tratamento  do  idoso  diabético  deve  ser  individualizado,  considerando  comorbidades,  polifarmácia,  cognição  e expectativa  de  vida.  Tanto  a  American  Diabetes  Association  (ADA)  como  a  European  Association  for  the  Study  of Diabetes (EASD) recomendam a individualização dessas metas glicêmicas.5,6 Como a hipoglicemia, mesmo discreta, pode

ocasionar  quedas  e  déficits  funcionais,  é  um  fator  limitante  no  controle  restrito  da  glicemia,  sendo  aceitáveis  valores  de jejum  de  até  150  mg/dℓ  e  pós­prandiais  de  até  180  mg/d ℓ .7  Existem  muitas  evidências  demonstrando  que  as  estatinas

diminuem a taxa de eventos cardiovasculares e a mortalidade entre 25 e 30% em pacientes com DAC, e as diretrizes atuais recomendam que os valores da lipoproteína de baixa densidade (LDL) devem estar abaixo de 100 mg/dℓ em pacientes com AE.  As  mais  recentes  diretrizes  recomendam  valores  abaixo  de  70  mg/dℓ  em  pacientes  de  alto  risco  (diabetes,  doença multiarterial e múltiplos fatores de risco). Uma questão importante no controle da dislipidemia é o aparecimento de mialgia e  fraqueza  muscular  com  o  uso  de  estatinas,  que,  no  idoso,  podem  ser  confundidas  ou  mascarar  várias  patologias,  como hipotireoidismo, mieloma múltiplo, artrose, doenças reumatológicas e privação do sono (por apneia do sono, síndrome das pernas inquietas, abuso de álcool). O uso de estatina, pelo menos até os 80 anos de idade, está plenamente justificado por vários estudos em pacientes com doença coronariana estabelecida.8 A importância da hipertrigliceridemia na patogênese da

doença  cardiovascular  (DCV)  aterosclerótica  tem  sido  controversa,  embora  estudos  prospectivos  populacionais  sugiram efeito independente dos níveis de triglicerídios nos eventos relacionados com DAC. A dislipidemia combinada (aumento de LDL e triglicerídios) associa­se ao risco de DAC em uma proporção maior do que níveis altos de LDL ou triglicerídios, isoladamente. O tratamento da hipertrigliceridemia deve incluir dieta, exercício e reeducação alimentar, tendo­se como meta níveis  inferiores  a  150  mg/dℓ.  Quando  níveis­alvo  de  LDL  são  atingidos,  mas  os  índices  de  triglicerídios  permanecem elevados, o segundo objetivo é manter o chamado não HDL (lipoproteína de alta densidade) até 30 mg/dℓ acima do LDL, com mudanças dietéticas, exercícios, aumento da dose das estatinas ou associação com ezetimiba ou niacina.

Tratamento farmacológico

O tratamento farmacológico ocupa papel de destaque, reservando­se as intervenções de revascularização para os pacientes com  sintomas  mais  importantes  e  refratários,  sempre  respeitando  as  preferências  do  paciente,  pois  comorbidades  podem aumentar  consideravelmente  o  risco  de  intervenções.  O  tratamento  farmacológico  no  paciente  idoso  deve  considerar  as alterações que ocorrem na eliminação, na biodisponibilidade, no metabolismo e na sensibilidade aos medicamentos, sendo essenciais modificações nas doses para esses pacientes. Apesar de anti­isquêmicos serem eficazes na redução de sintomas e na  melhoria  do  prognóstico,  a  polifarmácia,  a  dificuldade  de  aderência  e  as  interações  medicamentosas  podem  tornar  o tratamento complexo, devendo­se sempre atentar para os efeitos adversos do tratamento, que podem ter mais impacto na qualidade de vida que a própria doença. Os anti­isquêmicos melhoram a tolerância ao exercício, diminuem a gravidade e a frequência  dos  episódios  anginosos  e  melhoram  parâmetros  objetivos  de  isquemia  em  testes  provocativos,  reduzindo  os sintomas  e  melhorando  a  qualidade  de  vida  (independência  nas  atividades  de  vida  diária).  Os  medicamentos  protetores vasculares  podem  reduzir  a  progressão  da  aterosclerose  e  estabilizar  as  placas  coronárias,  reduzindo  eventos cardiovasculares futuros.

As 3 classes de anti­isquêmicos usados no tratamento da AE são betabloqueadores, antagonistas dos canais de cálcio e nitratos de curta e longa durações.

Apesar de a monoterapia ser efetiva em alguns, a maioria dos pacientes requer 2 ou mais anti­isquêmicos para controlar seus  sintomas.  A  terapêutica  associada  a  nitratos  e  betabloqueadores  parece  ser  mais  efetiva  do  que  nitratos  ou betabloqueadores  isolados.  Os  betabloqueadores  também  podem  ser  associados  aos  antagonistas  dos  canais  do  cálcio,

sendo  a  melhor  associação  com  os  di­hidropiridínicos  de  ação  prolongada.  A  tendência  de  taquicardia  com  esses antagonistas do cálcio é atenuada pelo uso concomitante de betabloqueadores, que não devem ser associados a verapamil e diltiazem  porque  podem  ocasionar  bradicardia  e  bloqueio  atrioventricular.  Na  ausência  de  contraindicações,  os betabloqueadores  são  recomendados  como  fármacos  de  primeira  escolha,  particularmente  em  pacientes  com  infarto  do miocárdio  prévio,  pela  importante  redução  da  mortalidade  nesses  casos.  São  contraindicados  em  pacientes  com  asma, doença pulmonar obstrutiva crônica e doença arterial periférica grave. Apesar de seus efeitos benéficos, principalmente na prevenção secundária do infarto, vários estudos demonstram que eles são subutilizados em pacientes idosos. É importante observar  efeitos  colaterais,  como  fadiga,  letargia,  insônia,  e  piora  da  claudicação.  Quando  o  betabloqueador  está contraindicado,  recomenda­se  o  uso  de  antagonistas  do  cálcio.  Em  idosos  com  boa  função  ventricular,  opta­se  por verapamil  e  diltiazem.  Os  antagonistas  do  cálcio  do  tipo  di­hidropiridínicos  (anlodipino,  nitrendipino  etc.)  apresentam menor  efeito  inotrópico  negativo  e  não  inibem  o  nó  sinusal  ou  a  condução  atrioventricular,  podendo  ser  associados  a betabloqueadores para controle clínico da AE e/ou hipertensão arterial coexistente. Os di­hidropiridínicos de curta duração (nifedipino)  estão  contraindicados  tanto  na  monoterapia  como  em  associação  com  os  betabloqueadores.  Os  principais efeitos  colaterais  dos  antagonistas  dos  canais  cálcio  são:  hipotensão,  piora  da  insuficiência  cardíaca,  edema  de  membros inferiores e constipação intestinal. Cefaleia, rubor facial e tontura também podem ocorrer. Os nitratos são administrados para o tratamento das manifestações isquêmicas da AE, sendo eficazes e seguros tanto no alívio como na prevenção da dor, podendo ser prescritos em associação com betabloqueadores e antagonistas do cálcio. A nitroglicerina alivia os episódios de angina e também é efetiva na profilaxia de curto prazo, podendo ser usada por via sublingual em indivíduos com episódios previsíveis de angina (caminhadas, subir escadas etc.). A cefaleia é um efeito colateral frequente (ocorre em 50% dos casos), mas costuma desaparecer em 7 a 10 dias de uso. Outro  efeito  comum  é  a  hipotensão,  devendo­se  usar  a  primeira  dose  em  decúbito.  Qualquer  forma  de  nitrato  deve  ser evitada em pacientes com níveis de pressão arterial sistólica abaixo de 90 mmHg ou naqueles com queda igual ou maior a 30 mmHg na pressão arterial sistólica, bradicardia ou taquicardia ou infarto de ventrículo direito. Devido a seu benefício modesto,  o  nitrato  deve  ser  suspenso  quando  seu  uso  limita  a  prescrição  de  betabloqueadores  e  inibidores  da  enzima conversora da angiotensina (IECA), medicamentos com efeitos benéficos comprovados na AE.

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