Fried et al. (2001)2 analisaram os dados do Cardiovascular Health Study na busca de um instrumento composto de
variáveis capazes de predizer eventos adversos reconhecidamente relacionados com essa síndrome. Propuseram, a partir desses dados, uma escala composta por 5 itens – perda de peso, força, lentidão, exaustão e gasto calórico – que teve ampla e imediata aceitação entre os especialistas da área (Tabela 3.1).
Esses autores propuseram que o fenômeno avaliado por esse instrumento era o fenótipo da fragilidade, sendo, portanto, manifestação objetiva da interação de fatores genéticos e ambientais.
Apesar de controvérsias metodológicas e limitações associadas ao modelo adotado, esse instrumento foi bastante replicado e encontrada uma ampla evidência da associação daqueles definidos como frágeis – 3 ou mais dos 5 itens – com eventos adversos.17
Em 2016, Da Mata et al.18 fizeram uma revisão sistemática e metanálise com o objetivo de determinar a prevalência da
síndrome de fragilidade na América Latina e no Caribe. Embora os 29 artigos incluídos tenham sido selecionados por métodos rigorosos, os autores não consideraram com o mesmo rigor alguns aspectos da definição conceitual e operacional da fragilidade, superestimando fortemente a dimensão de seu principal desfecho, a prevalência de fragilidade, calculada em 19,6%, variando de 7,7 a 42,6%. No mesmo ano, Gray et al.19 também fizeram uma revisão sistemática dos principais
instrumentos de rastreio de fragilidade nos países em desenvolvimento. Os autores evidenciaram que o Brasil e o México contribuíram com 60 dos 70 trabalhos analisados. Além disso, a escala de fragilidade proposta por Fried et al.2 foi a mais
empregada, seguida pelo índice de fragilidade do Canadian Study on Health and Aging.20
Tabela 3.1 Escala de fragilidade proposta pelo Cardiovascular Health Study.
Item Medida
Perda de peso Considerados como positivos aqueles com relato de perda não intencional de mais de 4,5 kg em 12 meses. Durante o acompanhamento, foi mensurado o índice de massa corporal (IMC) e quando o resultado comparativo ao ano precedente para o peso era ≥ 0,05 pela fórmula (peso no ano anterior – peso atual/peso no ano anterior), sem relato de perda intencional, era também considerado positivo para perda de peso Força muscular Foi usado um dinamômetro manual no membro superior dominante, solicitando ao participante que, por
vezes, exercesse a maior força possível. Aqueles no primeiro quintil, após ajuste do resultado para sexo e IMC, foram considerados positivos para o quesito “fraqueza muscular”
Sensação de exaustão Foram usadas 2 a rmativas da Center of Epidemiological Studies Depression Scale (CES-D), os itens 7 e 20: “Eu me sinto cansado em tudo que faço” e “Não posso continuar desta forma”. Aqueles que responderam “sim” para qualquer uma das 2 a rmativas foram considerados positivos para o quesito “sensação de exaustão” Lenti cação da marcha Foi avaliado o tempo gasto para caminhar um percurso de 4,6 metros em linha reta e, após ajuste para altura e
sexo, foram considerados positivos para o quesito “lenti cação da marcha” aqueles do primeiro quintil Diminuição da atividade física Foi empregado o questionário Minessota Leisure Time Activities (MLTA) e, para cada atividade exercida pelo
idoso, calculado o gasto calórico semanal. Foram considerados positivos para o quesito “diminuição da atividade física” aqueles do primeiro quintil
Fonte: Fried et al., 2001.2
Com base nos critérios propostos por Fried et al. (2001),2 Moreira e Lourenço (2013)21 estudaram uma amostra de 847
idosos da comunidade na Zona Norte do Rio de Janeiro. Encontraram uma prevalência de 9,2% de fragilidade entre os indivíduos com 65 anos ou mais da amostra, observando, ainda, associação significativa de fragilidade com desfechos indesejáveis. Os trabalhos de Vieira et al. (2013)22 e Ricci et al. (2014)23 encontraram prevalências semelhantes (8,7 e
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9,7%, respectivamente) pelos mesmos critérios diagnósticos, em amostras comunitárias. Seus achados apontam que a fragilidade foi diretamente associada a dependência funcional, quedas, idade avançada, pior autopercepção de saúde, doenças cardiovasculares e hospitalizações. Ainda no cenário nacional, Yassuda et al. (2012),24 usando os critérios de Fried
et al. (2001),2 observaram que os indivíduos frágeis apresentaram pior desempenho cognitivo. Tais achados foram
corroborados por Faria et al. (2013).25 No estudo Saúde BemEstar e Envelhecimento (SABE), Alexandre et al. (2014)26
observaram que sedentarismo, sintomas depressivos, alterações cognitivas e número de comorbidades foram associados a mais de 1 dos 5 itens que compõem o instrumento proposto por Fried et al. Além disso, Silva et al. (2014)27 identificaram
que os frágeis apresentavam redução da concentração de hemoglobina e elevação de marcadores inflamatórios.
Índice de fragilidade do Canadian Study on Health and Aging
Mitnitski et al. (2004),20 compreendendo a complexidade do conceito de fragilidade, analisaram uma coorte de 9 mil
idosos. Examinando os indivíduos por meio de avaliação geriátrica ampla e analisando os resultados por um modelo multidimensional, esses autores observaram o comportamento de um conjunto de itens capazes de predizer eventos adversos na população do Canadian Study on Health and Aging. Esse modelo baseouse em 2 premissas principais: a relação entre envelhecimento (idade cronológica) e aumento do risco de eventos adversos; e a acurácia do Índice de Fragilidade – Avaliação Geriátrica Ampla (FICGA) na determinação dos indivíduos sob risco de fragilidade. A primeira premissa baseiase em evidências de vários estudos – quanto mais velho é o indivíduo, maiores são os riscos de apresentar essa condição.28 Já o FICGA (Tabela 3.2) é composto por um conjunto de itens abordando as diversas dimensões do
envelhecimento, desde os aspectos biológicos, como patologias apresentadas e limitações nos vários domínios – cognitivo, emocional, físico –, até alterações na capacidade funcional.
A capacidade do instrumento de predizer eventos adversos a partir de um grande número de informações, associada a certa flexibilidade na composição dos itens, consiste em aspecto fortemente positivo. Em contrapartida, a necessidade de submeter os indivíduos a avaliações multidimensionais extensas impõe limitações importantes quanto ao investimento, tanto do ponto de vista financeiro, quanto da disponibilidade de recursos humanos especializados.
Consensos
Apesar da ampla evidência sobre os inúmeros desfechos indesejáveis associados à fragilidade, pesquisadores de todo o mundo ainda encontram limitações em identificála. Neste sentido, os consensos, ou seja, o grau de compreensão existente entre os pares sobre determinada questão, vêm sendo cada vez mais usados. RodríguezMañas et al. (2013),29 empregando
o método Delphi, concordaram em conceituar a fragilidade biológica no ambiente clínico. Dentre os pesquisadores envolvidos, mais de 80% concordaram em relação a fragilidade: É uma síndrome clínica É diferente de incapacidade funcional É um aumento da vulnerabilidade do indivíduo, no qual o menor estresse pode causar perda funcional Pode ser revertida ou atenuada por intervenções terapêuticas É mandatório que todos os profissionais de saúde saibam identificála É útil na atenção primária. Tabela 3.2 Resumo dos itens observados no FICGA.* Lista de dé cits Visão Audição
Auxílio para alimentar-se Auxílio para vestir-se Habilidade de autocuidado Auxílio para caminhar
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Auxílio para ir ao banheiro Auxílio para usar o telefone Auxílio para fazer compras Auxílio para preparar refeições Habilidade de medicar-se Problemas nos pés
Habilidade do manejo nanceiro Morar só
Tosse? Cansaço?
Alteração da pressão arterial? Problemas circulatórios? Acidente vascular? Artrite? Doença de Parkinson? Problemas dentários? Controle es ncteriano? Diabetes Problemas de pele *Índice de Fragilidade – Avaliação Geriátrica Ampla. Morley et al. (2013)30 pontuam, entretanto, que este primeiro consenso foi incapaz de definir acertadamente um curso
claro da fragilidade, dada a heterogeneidade de seus pesquisadores e a multiplicidade dos mecanismos envolvidos na síndrome. Todavia, assim como RodríguezMañas et al. (2013),29 Morley et al.30 também concordaram que a fragilidade
biológica é uma síndrome clínica de múltiplas causas e contribuintes, na qual a redução da força, o desempenho e as funções fisiológicas aumentam a vulnerabilidade do indivíduo para dependência funcional e/ou morte. Morley et al.30
também endossam que todo indivíduo com mais de 70 anos de idade deve ser submetido a uma avaliação de rastreio para fragilidade por meio de instrumentos simples e validados para cada cenário de observação.
No Brasil, ao longo de 2016, pesquisadores reuniramse para elaboração do Consenso Brasileiro sobre Fragilidade. Constituído por mais de 20 professores de geriatria e pesquisadores da área de envelhecimento, ementas sobre o conceito da síndrome de fragilidade, epidemiologia, fisiopatologia, diagnóstico, instrumentos de rastreio, tratamento e prevenção, foram amplamente discutidas em teleconferências, documentos eletrônicos e encontros presenciais. Neste momento encontrase em elaboração o relatório final do documento cujas linhas gerais discorrem sobre o estado da arte da síndrome de fragilidade no país.