No idoso, o transtorno do ritmo circadiano apresentase com sintomas de avanço do ciclo sonovigília (avanço de fase). O paciente adormece mais cedo, no início da noite (entre 19 e 20 horas), acorda entre 3 e 4 horas da madrugada e demonstra sonolência diurna com cochilos longos. A luz é o mais importante sincronizador do ritmo circadiano, o que leva nesses casos a estimular idoso a se expor ao sol durante a manhã.1214
Insônia
De acordo com a Classificação Internacional de Transtornos do Sono,15,16 a insônia é definida como uma queixa subjetiva
de dificuldade em iniciar e/ou manter o sono por, pelo menos, 3 noites por semana, durante 3 meses, apesar da oportunidade adequada para dormir. É acompanhada de consequências significativas durante o dia como: dificuldade de concentração, transtornos do humor, fadiga e sonolência. Ocorre frequentemente em associação com outras doenças, especialmente em idosos. A prevalência tende a ser maior em mulheres idosas, principalmente com múltiplas condições físicas e psiquiátricas (60% ou mais). Alguns questionários de autorrelato, como o Insomnia Severity Index, foram validados em idosos. Esses questionários podem ser difíceis para uso em idosos. Um diário do sono pode ajudar a obter informações sobre tempo, quantidade e qualidade do sono durante dias consecutivos. O uso desse tipo de diário é recomendado no diagnóstico clínico de insônia no fim da vida.
A insônia pode ser secundária a diversas condições médicas,17 como: doença pulmonar obstrutiva crônica, asma,
insuficiência cardíaca congestiva (ICC), cardiopatia isquêmica, doenças reumatológicas, doenças neurológicas, doenças urológicas (associadas a poliúria e noctúria), doenças endócrinas, demência, doença do refluxo gastresofágico, doenças dermatológicas, menopausa e dor crônica. Na área de cuidados paliativos, a insônia também é um problema.
A Tabela 9.7 mostra as opções de tratamento não farmacológico da insônia.
A educação sobre o sono, a terapia cognitivocomportamental para a insônia (da sigla em inglês CBTi) e a higiene do sono têm pouca evidência para apoiar sua adoção como medidas de tratamento isoladas para insônia em idosos. Estas três técnicas são mais úteis em combinação com outras estratégias psicológicas. Embora as recomendações de higiene do sono sejam as mais frequentes para a insônia, não há evidências de seu uso isolado para gestão da mesma.
Em relação à terapia farmacológica, sempre que se optar pelo uso de fármacos devem ser considerados diversos aspectos: objetivos do tratamento, expectativas do paciente, perfil de segurança do fármaco, efeitos colaterais, interações medicamentosas, possibilidade de titulação da dose, custo, comorbidades e contraindicações. O tratamento medicamentoso da insônia tardia deve ser feito na minoria dos pacientes. Apesar dos riscos associados (interações medicamentosas, tolerância, dependência e ausência de evidências empíricas que apoiem o uso por longo prazo em pacientes idosos), os medicamentos sedativos hipnóticos são os mais comumente prescritos em pacientes idosos. O tratamento farmacológico de curto prazo pode ser indicado em situações de insônia aguda, com a menor dose possível e por curto período.
Tabela 9.7 Tratamento não farmacológico da insônia no idoso.
Técnica Descrição
Terapia de controle de estímulo O idoso não deve car mais de 20 min na cama tentando dormir. Se o sono não chegar, deve sair do quarto e fazer outra atividade relaxante (música suave, leitura) e só voltar para cama quando sentir sono. O processo pode ser repetido depois de 20 min. Deve-se evitar fazer atividades prazerosas neste período (ver televisão, comer, adiantar o trabalho do dia seguinte)
Relaxamento Diversas técnicas, como alternar movimentos de contração e relaxamento dos diversos grupos musculares, controle da respiração e meditação
Cronoterapia Útil nos transtornos do ciclo circadiano. Consiste em atrasar em 2 a 3 h o horário de ir para a cama durante alguns dias seguidos até ajuste do horário de sono
Biofeedback Sensores na pele que medem a tensão e a contração muscular, além dos ritmos cerebrais. Faz uso de técnicas de respiração para ajudar a reduzir a tensão
Terapia de restrição de sono É uma estratégia comportamental desenvolvida para aumentar o sono homeostático, conduzir e reforçar o sinal circadiano por meio de alinhamento mais próximo do tempo gasto na cama com o tempo gasto adormecido. Há forte evidência em apoio da restrição de sono para insônia em idosos. Nesta terapia deve-se calcular o tempo médio de horas que a pessoa dorme e a pessoa não deve car na cama mais do que essa média (mantendo um mínimo de 4 h de sono). O horário de dormir e acordar são rígidos e as sonecas são proibidas. Quando o sono tiver melhorado, o tempo de sono vai sendo aumentado até que que confortável ao paciente
Terapia cognitivo-comportamental da insônia18–20
É um programa de treinamento dado em 8 a 10 semanas, envolvendo diversos aspectos discutidos anteriormente
Fototerapia com luz brilhante21 Parece e caz nos casos de insônia com atraso na fase de sono, porém não há grandes estudos que con rmem sua
e cácia. Pessoas com esse tipo de insônia (notívagas) só costumam sentir sono muito tarde, prejudicando o dia seguinte. Nesta terapêutica, o paciente acorda e ca 30 a 40 min sentado em frente a uma caixa com luz branca (10.000 lux), visando ao reajuste do relógio biológico
Exercício físico22 Há diversos trabalhos mostrando que exercícios físicos regulares podem melhorar o sono do idoso, mas estes precisam
ser individualizados. O objetivo é tentar diminuir o uso de hipnóticos nesta população, muito sujeita a seus efeitos colaterais. Mais estudos são necessários para de nir os melhores programas de exercício a serem realizados
Medicamentos sedativos hipnóticos. 23,24 Agem no cérebro induzindo o sono. A diferença entre os diversos
medicamentos é o tempo de ação e a duração do efeito. Os estudos com hipnóticos em idosos são limitados e não há trabalhos consistentes que viabilizem a indicação de hipnóticos por longo prazo em idosos. Além disso, com o uso prolongado, o paciente começa a apresentar tolerância ao medicamento, necessitandose de doses cada vez mais altas para manter o mesmo efeito ou, então, se faz um rodízio entre os diversos medicamentos.
Benzodiazepínicos. Devido às características farmacológicas desta classe de medicamentos, devem ser usados com muito critério nos idosos (de preferência evitados), pois estão associados a maior risco de quedas, alteração cognitiva, delirium, dependência e aumento de mortalidade.
Não benzodiazepínicos (zolpidem, zopiclona). São substâncias de ação similiar à dos benzodiazepínicos, porém com tempo de efeito mais curto. Atuam nos receptores GABA. Seus efeitos colaterais mais comuns são: sonolência, tontura, desequilíbrio e gosto ruim na boca. Devem ser evitados em pacientes com déficit cognitivo e instabilidade postural significativa. Sedativos antidepressivos (como trazodona e tricíclicos) são frequentemente administrados; entretanto, poucas evidências empíricas apoiam o uso de antidepressivos como agentes hipnóticos em idosos. Fármacos com ação anticolinérgica devem ser evitados (p. ex., difenidramina).
Antidepressivos. Não são a primeira indicação para o tratamento da insônia (a não ser quando secundária à depressão), mas alguns deles têm o sono como paraefeito e podem servir como adjuvantes. Vale lembrar que os antidepressivos também têm potenciais efeitos colaterais (alteração da cognição, delirium, quedas). Há classes de antidepressivos que podem, inclusive, atrapalhar o sono se tomados à noite, como os inibidores de recaptação de serotonina.25
Antidepressivos sedativos. Considerados uma opção de tratamento para pacientes com insônia, particularmente quando a insônia sobrepõese à depressão. Os antidepressivos tricíclicos são frequentemente usados para esse fim. Entretanto, na população idosa, essa classe de medicação tem efeitos colaterais que incluem boca seca, hipotensão postural, arritmias cardíacas, ganho de peso e sonolência. A mirtazapina produz melhora na eficiência do sono e no tempo total de sono em pacientes deprimidos, entretanto, falta evidência para seu uso no tratamento de transtornos do sono em pacientes não deprimidos.
Trazodona. É um agente comumente usado no tratamento da insônia em pacientes deprimidos e não deprimidos. Os efeitos colaterais de particular importância no idoso incluem sedação, tontura, hipotensão ortostática, arritmias, priapismo e comprometimento psicomotor. A trazodona geralmente é mais bem tolerada na população idosa do que algumas outras estratégias de tratamento (como antidepressivos tricíclicos), em virtude do menor risco de efeitos colaterais cardíacos e menor ação anticolinérgica.
Agomelatina. Aprovada no Brasil, sendo um agonista potente dos receptores MT1 e MT2, além de antagonista dos receptores da serotonina2C (5HT2C), tendo menos efeitos colaterais (como cefaleia) que outros medicamentos da mesma classe.
Neurolépticos. Tanto os típicos como os atípicos receberam um alerta da Food and Drug Administration (FDA) em relação ao seu uso para o tratamento de psicose na demência, porque aumentam o risco de mortalidade por eventos cardiovasculares e infecção. De maneira geral, seu uso deve ser desencorajado, reservandoos para os casos de alucinações e delírios graves, sendo usados com cautela e em doses baixas: olanzapina 2,5 a 5 mg/dia, risperidona no máximo 1 mg/dia e quetiapina de 25 a 75 mg/dia. O paciente e a família devem ser informados sobre os riscos.
Melatonina. É um hormônio sintetizado e excretado pela glândula pineal durante a noite, que se liga a receptores do SNC. Sua produção é estimulada pela escuridão e inibida pela luz. Com o envelhecimento, sua produção é reduzida e estudos mostraram uma correlação entre transtornos do sono em idosos associados a picos ineficientes de melatonina. Na maior parte dos estudos as doses variam de 0,5 a 6 mg, tomados de 30 a 120 minutos antes de ir para a a cama. Alguns estudos sugerem que o uso da substância pode reduzir a incidência de delirium em idosos.2628 Extrato de raiz de valeriana (Valeriana officinalis). Uma revisão sistemática nos EUA mostrou que o extrato desta planta tem sido cada vez mais usado visando, ao controle dos transtornos do sono. Mais estudos precisam ser realizados para definir concentração e dose adequadas, mas o perfil de segurança abre mais uma possibilidade de tratamento.29
Ronco
O ronco é mais comum nos homens e tornase mais frequente com o avançar da idade. Ele ocorre pela vibração dos tecidos moles da faringe localizados entre o palato e a língua. Reflete a dificuldade da passagem do ar por essa região. Várias são as causas que levam a esse fenômeno: relaxamento excessivo da musculatura da faringe (uso de álcool, sedativos, sono muito profundo), excesso de tecido na região (hipertrofia de adenoide e amígdalas, palato alongado, língua volumosa, cistos e tumores de faringe), obesidade (acúmulo de tecido gorduroso em torno da faringe) e obstrução nasal.Alguns estudos sugerem que o ronco seja um fator de risco para hipertensão arterial e doenças cardiovasculares. A dúvida é se ele é um fator de risco independente, pois muitos idosos que roncam também apresentam outros fatores de risco para doenças cardiovasculares (obesidade, sexo masculino, idade avançada). Todos os pacientes que roncam devem ser questionados sobre SDE. Esses são sinais que devem levantar a suspeita de apneia do sono.