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Não existem exames laboratoriais específicos para identificação de delirium, mas alguns exames devem ser solicitados para todos os pacientes, visando ao diagnóstico de infecções ou outros fatores precipitantes. Dentre esses exames, devemse incluir: hemograma completo, eletrólitos, provas de funções hepática e renal, glicose, saturação de oxigênio, hemoculturas e urinocultura. Caso o fator contribuinte permaneça inconclusivo, considerase incluir testes para avaliação da função tireoidiana, gasometria arterial, níveis séricos de vitamina B12, cortisol e de determinadas medicações, além de exames toxicológicos.
As indicações de análise do liquor, exames de imagem e eletroencefalograma (EEG) são controversas em função de seu baixo rendimento diagnóstico. Estimase que sejam necessários em menos de 5 a 10% dos casos de delirium. A punção lombar é indicada para pacientes com suspeita de meningite ou encefalite. Já os exames de neuroimagem (tomografia ou ressonância) devem ser reservados para os casos com novos sinais neurológicos focais, história de queda recente ou traumatismo craniano, febre de origem obscura ou quando não houver causa identificável para o delirium após investigação inicial. Alguns sintomas neurológicos estão associados ao delirium com tremor e asterixe.
O EEG está indicado em caso de suspeita de atividade convulsiva subclínica ou na diferenciação entre delirium e transtorno psiquiátrico não orgânico. Em casos de delirium, esperase encontrar no EEG uma desaceleração generalizada da atividade cortical, com lentificação do ritmo alfa dominante posterior, e aparecimento de atividade anormal de ondas lentas.
Diagnóstico diferencial
Dentre os principais diagnósticos diferenciais para delirium estão outras causas de distúrbio cognitivo global, como demência, depressão, mania e outros transtornos psicóticos não orgânicos, como esquizofrenia.
Dentre esses, a demência representa o principal desafio diagnóstico. Início agudo, inatenção e flutuação do nível de consciência não são características frequentes nas formas leve e moderadas de demência e corroboram o diagnóstico de delirium. Contudo, algumas formas de demência podem mimetizar sintomas de delirium, como a demência vascular, que pode ter início agudo; e a demência com corpos de Lewy, de sintomas flutuantes.
A depressão pode evoluir com sintomas como comportamento apático, lentificação motora e transtorno do sono, também encontrados no delirium hipoativo. Todavia, a depressão ocorre gradualmente e não está associada a alterações cognitivas ou da atenção pronunciadas, além de o nível de alerta estar, em geral, preservado.
As psicoses não orgânicas iniciamse mais cedo na vida do paciente (antes dos 40 anos de idade). Pacientes idosos com psicose funcional costumam apresentar história psiquiátrica anterior. Nestes, o estado de alerta é mantido, não há flutuação dos sintomas, as alucinações são predominantemente auditivas e as ideias delirantes são mais organizadas e duradouras.
Prevenção
A prevenção primária (Tabela 6.4) é a estratégia mais efetiva para se reduzir a incidência de delirium, bem como os eventos adversos com ele relacionados. Um ensaio clínico controlado12 mostrou a efetividade de algumas estratégias preventivas
direcionadas a fatores de risco específicos, listadas na Tabela 6.4. Quando comparadas aos cuidados habituais, essas intervenções preventivas mostraram redução em 40% do risco de delirium em idosos hospitalizados. Outros estudos controlados com estratégias multifatoriais ou educacionais (orientação da equipe multiprofissional) têm demonstrado resultados positivos quanto à redução na incidência e/ou duração do delirium.13
Em outro estudo randomizado controlado,14 o acompanhamento geriátrico de pacientes em pósoperatório de fratura de
fêmur resultou em redução de 40% no risco de delirium por meio de estratégias multidimensionais direcionadas para a otimização desses 10 domínios: saturação adequada de oxigênio, equilíbrio hidreletrolítico, controle da dor, redução de medicações psicoativas, função vesical/intestinal, nutrição, mobilização precoce, prevenção de complicações pós operatórias, estímulo ambiental apropriado e tratamento do delirium.
Tratamento
O tratamento do delirium envolve 2 abordagens concomitantes:
Identificação e tratamento da causa básica e minimização dos fatores contribuintes Manejo dos sintomas de delirium.
Ao se iniciar a investigação dos fatores etiológicos envolvidos, devese sempre revisar a lista de medicamentos, avaliandose a redução ou suspensão de substâncias que poderiam estar implicadas, bem como interações medicamentosas. A retirada súbita do álcool ou de sedativos, com consequente síndrome de abstinência, deve ser sempre considerada.
Inúmeras condições patológicas, especialmente as doenças infecciosas, metabólicas, cardiovasculares e cerebrovasculares, que se manifestam muitas vezes de modo atípico no idoso, devem ser minuciosamente investigadas e tratadas o mais precocemente possível.
Tabela 6.4 Estratégias para prevenção de delirium.
Fator de risco Intervenção
Desidratação Reconhecer desidratação e restaurar estado volêmico Dé cit auditivo Manter próteses auditivas
Dé cit visual Permitir a permanência dos óculos ou fornecer equipamentos adaptativos, como lentes de aumento Imobilidade Mobilização precoce. Evitar condições restritivas (cateteres vesicais, contenção física etc.)
Dé cit cognitivo Reorientação frequente para pessoas, tempo e lugar. Calendários e relógios visíveis são úteis
Uso de sedativos ou psicoativos Evitar substâncias psicoativas, administrando-as sempre na menor dose e tempo possíveis, evitando aquelas com meia-vida longa. Usar protocolos não farmacológicos para insônia ou ansiedade. Descontinuar medicações desnecessárias
Insônia Protocolos não farmacológicos (música relaxante, redução de ruídos, leite quente, chás sem cafeína). Evitar sedativos e procedimentos noturnos de enfermagem que interrompam o sono
Fonte: Inouye et al., 1999.12
Recomendase iniciar o manejo de todos os pacientes delirantes com estratégias não farmacológicas, que geralmente resultam na melhora do quadro. Em casos selecionados, essas estratégias devem ser suplementadas por terapia farmacológica, em geral reservada a pacientes nos quais os sintomas de delirium ameaçam a continuidade de terapias médicas necessárias (ventilação mecânica, acessos venosos centrais, sondas nasoenterais etc.)15,16 ou possam ameaçar a
segurança do paciente ou de outras pessoas. A prescrição de qualquer medicamento requer o equilíbrio entre o controle do delirium e os potenciais efeitos adversos dessas medicações.