Em idosos, as alterações do sono podem contribuir para sintomas cognitivos e diferentes tipos de demência podem apresentarse com transtornos do sono associados. Estudos sugerem que a duração do sono, a fragmentação do sono, a respiração com transtornos do sono e a hipoxemia podem contribuir para o comprometimento cognitivo. O comprometimento cognitivo leve tem sido associado à dificuldade em iniciar o sono, à dificuldade em manter o sono e ao despertar matinal. Algumas dessas disfunções podem ser atribuídas à crescente desorganização nos ciclos circadianos, possivelmente associada à atrofia do núcleo supraquiasmático. Essa desorganização aumenta de acordo com a gravidade da doença.40
Na demência com corpos de Lewy e na DP com demência,41,42 cerca de 90% dos pacientes apresentam alterações no
sono. Na DA, ocorre um alentecimento global do eletroencefalograma, observado principalmente nas derivações temporal e frontal e muito mais evidente durante o sono REM. Segundo alguns autores, esse alentecimento do sono REM na análise espectral é um marcador sensível para diferenciar a DA do envelhecimento normal. Por isso, especulase que a relação entre sono REM e DA não seja apenas casual, mas sim funcional, uma vez que o sono REM estaria ligado ao aprendizado.
As alterações precoces do sono na DA incluem diminuição do sono não REM (ondas lentas) e diminuição do sono REM à medida que a doença progride. Outros sintomas específicos do transtorno do sono na DA incluem tempo anormal e duração do ciclo do sono, aumento da latência do sono, aumento do despertar noturno e aumento do sono durante o dia. O aumento da fragmentação do sono pode piorar a qualidade de vida para os pacientes com DA. Os sintomas comportamentais na DA também podem estar associados a sono deficiente, incluindo agitação, explosões verbais, perambulação e comportamentos agressivos. O sundowning é um fenômeno frequentemente observado na DA moderada, na qual os pacientes apresentam sintomas comportamentais maiores à tarde e início da noite.
Os portadores de demência frontotemporal mostraram atividade noturna aumentada e atividade da manhã diminuída quando comparados aos controles, sugerindo o atraso possível da fase. Os dados do diário do sono confirmaram a eficiência diminuída do sono e o sono total reduzido em todos os pacientes com demência frontotemporal. Os pacientes com demência vascular apresentam maiores perturbações do sono e isso se associa à gravidade da hiperintensidade da substância branca, com a maioria dos sintomas relacionados com SDE.
Foram recomendadas estratégias comportamentais multifacetadas para melhorar o sono em pacientes com demência, mas atualmente há escassez de pesquisas metodologicamente rigorosas na área de intervenções não farmacológicas do sono para pessoas com demência. Sabese que muitos tratamentos comportamentais para a insônia, incluindo controle do estímulo, restrição do sono, relaxamento muscular progressivo, biofeedback, educação para a higiene do sono, intenção paradoxal e terapia cognitivocomportamental multicomponente, são eficazes em idosos. Isso inclui estabelecer tempos diários consistentes para ir para a cama e levantarse da cama, estabelecer uma rotina para dormir e limitar o cochilo a um breve período de manhã ou início da tarde.
A AASM publicou parâmetros de prática para o uso da luz brilhante para tratar transtornos do sono e do ritmo circadiano. Níveis mais baixos de luz estão associados à diminuição da amplitude do ciclo de atividade de repouso e mais vigília noturna. O objetivo da terapia de luz é expor o paciente a quantidades aumentadas de luz natural ou artificial. Estudos que examinam a eficácia da terapia de luz tiveram resultados mistos. Os pacientes com DA, cujos ritmos de sono vigília e atividade de repouso são ainda mais gravemente interrompidos, responderam bem ao tratamento da luz brilhante em muitos estudos. No entanto, nenhuma resposta à luz brilhante em pacientes com DA tem sido relatada por outros. Há pouca pesquisa conclusiva para intervenções de sono não farmacológicas para pessoas com demência.
Quando necessária, a medicação deve ser usada na menor dose possível e no tempo estritamente necessário. Muitos dos medicamentos para controle da agitação e agressividade podem piorar a confusão mental. Antidepressivos sedativos em doses baixas, como trazodona, mirtazapina e mianserina, podem ser eficazes. Entre os inibidores seletivos de recaptação de serotonina devese evitar o uso da fluoxetina e da paroxetina, que podem agravar e precipitar a insônia. Devese evitar também o uso dos antidepressivos com ação dopaminérgica, como a bupropiona. Há evidências de que o uso de melatonina em pacientes com diagnóstico de demência também pode melhorar o efeito do entardecer (sundowning). As diretrizes de prescrição para o uso de benzodiazepínicos em idosos incluem uso a curto prazo, baixas dosagens e preferência por meia vida mais curta.
Os hipnóticos não benzodiazepínicos, de ação muito curta e com menos efeitos colaterais podem ser úteis. A insônia secundária ao tratamento com inibidores da acetilcolinesterase pode ser tratada mudando o horário de administração das doses. Para o efeito sundowning, recomendase inicialmente otimizar o tratamento específico (anticolinesterásico e/ou memantina), descartar intercorrências (dor e infecções) e implementar medidas de higiene do sono e técnicas psicológicas para modificar o comportamento. Se necessário, podese fazer uso de antidepressivos hipnóticos em doses baixas, usados no tratamento da insônia. O papel dos antipsicóticos foi debatido anteriormente neste capítulo. Os benzodiazepínicos podem provocar efeito paradoxal e piorar a disfunção cognitiva, devendo ser reservados às fases mais avançadas.
Quatro estudos recentes examinaram o papel da melatonina na prevenção do delirium em pacientes idosos.42 Três deles
encontraram menor incidência entre os pacientes que usaram essa substância. No quarto estudo não houve diferença estatisticamente significativa em relação ao placebo, porém houve relato de duração mais curta do delirium entre os pacientes em uso de melatonina.
A fototerapia pode influenciar a amplitude e a fase dos ritmos circadianos, podendo ter papel importante no tratamento da insônia em pacientes com DA, reduzindo inclusive a sonolência diurna. A Tabela 9.11 resume as principais medicações úteis no tratamento da insônia no idoso.
Considerações finais
Notase que o tratamento dos transtornos do sono no idoso é um desafio ao geriatra. A investigação deve ser abrangente,47
arsenal terapêutico farmacológico à disposição. O importante é ter em mente que o uso de sedativos hipnóticos no idoso pode ter efeitos adversos consideráveis, por isso, é importante abrir os horizontes das terapias não farmacológicas. E quem melhor que o geriatra, com sua visão holística e multidisciplinar, para aceitar o desafio imposto por esses pacientes? Tabela 9.11 Resumo das principais medicações úteis no tratamento da insônia no idoso.
Mecanismo de ação Dose Meia-vida (h)
Hipnóticos de 1a geração (benzodiazepínicos)
Clonazepam Facilita ação do GABA Mecanismo pouco conhecido
0,5 a 1,5 mg/dia (SPI e MPM)
33 a 40
Estazolam Facilita ação do GABA Mecanismo pouco conhecido
1 a 2 mg/dia 10 a 24
Flurazepam Facilita ação do GABA Mecanismo pouco conhecido
15 a 30 mg/dia 47 a 100
Lorazepam Facilita ação do GABA Mecanismo pouco conhecido
1 a 2 mg/dia 8 a 25
Midazolam Facilita ação do GABA Mecanismo pouco conhecido
7,5 a 15 mg/dia 1,5 a 2,5
Quazepam* Facilita ação do GABA Mecanismo pouco conhecido
7,5 a 15 mg/dia 25 a 114
Temazepam* Facilita ação do GABA Mecanismo pouco conhecido
15 a 30 mg/dia 3,5 a 18
Triazolam* Facilita ação do GABA Mecanismo pouco conhecido
0,125 a 0,5 mg/dia 1,5 a 5,5
Hipnóticos de 2a geração Zaleplona* Receptor GABA-A Agonista alfa-1 seletivo
10 mg/dia 0,9
Zolpidem Receptor GABA-A Agonista alfa-1 seletivo
5 a 10 mg/dia 6,2 a 12,5 mg/dia CR
2,4
Zopiclona Receptor GABA-A
Agonista alfa-1 e alfa-2 seletivo
3,75 a 15 mg/dia 5,3
Hipnóticos de 3a geração Eszopiclona* Receptor GABA-A
Agonista de locais não conhecidos
2 a 3 mg/dia 6 a 9
Indiplona* Receptor GABA-A
Agonista alfa-1, a nidade pelo alfa-6
15 a 30 mg/dia 1,5
Melatoninérgicos Melatonina Receptores MT1 e MT2 3 a 6 mg/dia 0,5 a 0,8 Ramelteon* Agonista receptores MT1 e MT2 8 a 64 mg/dia 1 a 2 Agomelatina Agonista MT1 e MT2 25 a 50 mg/dia 2 a 3
1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. Antagonista serotonina 5-HT2C
Agonistas gabaérgicos Tiagabina* Bloquedor do GAT-1, transportador especí co do GABA
4 a 8 mg/dia 7 a 9
Antidepressivos sedativos Doxepina* Antidepressivo tricíclico
Antagonista H1-especí co em baixas doses
3 a 6 mg/dia 7,8
Mianserina Antidepressivo tetracíclico Antagonista alfa-1 e alfa-2
30 a 90 mg/dia 7 a 9 dias
Mirtazapina Antagonista alfa-2 Bloqueio 5-HT2 e 5-HT3
7,5 a 30 mg/dia 20 a 40
Trazodona Trazodona CR
Inibidor de recaptação de serotonina Parte do mecanismo de ação pouco conhecido
50 a 150 mg/dia 50 a 150 mg/dia
3 a 9 12
*Não disponíveis no Brasil. GABA: ácido gamaaminobutírico; SPI: síndrome das pernas inquietas; MPM: movimentos periódicos dos membros; CR: liberação prolongada
Fonte: SukysClaudino et al., 2010;43 Bonnet et al., 2010;44 SchuffleRodin et al., 2008;45 Reite et al., 2004;46 Freitas et
al., 2007;47 Tufik et al., 2000;48 Iber et al., 2007.49