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Manejo do sono na demência

No documento Manual prático de geriatria (páginas 121-124)

Em  idosos,  as  alterações  do  sono  podem  contribuir  para  sintomas  cognitivos  e  diferentes  tipos  de  demência  podem apresentar­se  com  transtornos  do  sono  associados.  Estudos  sugerem  que  a  duração  do  sono,  a  fragmentação  do  sono,  a respiração  com  transtornos  do  sono  e  a  hipoxemia  podem  contribuir  para  o  comprometimento  cognitivo.  O comprometimento cognitivo leve tem sido associado à dificuldade em iniciar o sono, à dificuldade em manter o sono e ao despertar  matinal.  Algumas  dessas  disfunções  podem  ser  atribuídas  à  crescente  desorganização  nos  ciclos  circadianos, possivelmente associada à atrofia do núcleo supraquiasmático. Essa desorganização aumenta de acordo com a gravidade da doença.40

Na  demência  com  corpos  de  Lewy  e  na  DP  com  demência,41,42  cerca  de  90%  dos  pacientes  apresentam  alterações  no

sono. Na DA, ocorre um alentecimento global do eletroencefalograma, observado principalmente nas derivações temporal e frontal e muito mais evidente durante o sono REM. Segundo alguns autores, esse alentecimento do sono REM na análise espectral  é  um  marcador  sensível  para  diferenciar  a  DA  do  envelhecimento  normal.  Por  isso,  especula­se  que  a  relação entre sono REM e DA não seja apenas casual, mas sim funcional, uma vez que o sono REM estaria ligado ao aprendizado.

As alterações precoces do sono na DA incluem diminuição do sono não REM (ondas lentas) e diminuição do sono REM à medida que a doença progride. Outros sintomas específicos do transtorno do sono na DA incluem tempo anormal e duração do ciclo do sono, aumento da latência do sono, aumento do despertar noturno e aumento do sono durante o dia. O aumento da fragmentação do sono pode piorar a qualidade de vida para os pacientes com DA. Os sintomas comportamentais na DA também podem estar associados a sono deficiente, incluindo agitação, explosões verbais, perambulação e comportamentos agressivos. O sundowning  é  um  fenômeno  frequentemente  observado  na  DA  moderada,  na  qual  os  pacientes  apresentam sintomas comportamentais maiores à tarde e início da noite.

Os  portadores  de  demência  frontotemporal  mostraram  atividade  noturna  aumentada  e  atividade  da  manhã  diminuída quando  comparados  aos  controles,  sugerindo  o  atraso  possível  da  fase.  Os  dados  do  diário  do  sono  confirmaram  a eficiência  diminuída  do  sono  e  o  sono  total  reduzido  em  todos  os  pacientes  com  demência  frontotemporal.  Os  pacientes com  demência  vascular  apresentam  maiores  perturbações  do  sono  e  isso  se  associa  à  gravidade  da  hiperintensidade  da substância branca, com a maioria dos sintomas relacionados com SDE.

Foram  recomendadas  estratégias  comportamentais  multifacetadas  para  melhorar  o  sono  em  pacientes  com  demência, mas atualmente há escassez de pesquisas metodologicamente rigorosas na área de intervenções não farmacológicas do sono para  pessoas  com  demência.  Sabe­se  que  muitos  tratamentos  comportamentais  para  a  insônia,  incluindo  controle  do estímulo,  restrição  do  sono,  relaxamento  muscular  progressivo,  biofeedback,  educação  para  a  higiene  do  sono,  intenção paradoxal  e  terapia  cognitivo­comportamental  multicomponente,  são  eficazes  em  idosos.  Isso  inclui  estabelecer  tempos diários consistentes para ir para a cama e levantar­se da cama, estabelecer uma rotina para dormir e limitar o cochilo a um breve período de manhã ou início da tarde.

A  AASM  publicou  parâmetros  de  prática  para  o  uso  da  luz  brilhante  para  tratar  transtornos  do  sono  e  do  ritmo circadiano. Níveis mais baixos de luz estão associados à diminuição da amplitude do ciclo de atividade de repouso e mais vigília  noturna.  O  objetivo  da  terapia  de  luz  é  expor  o  paciente  a  quantidades  aumentadas  de  luz  natural  ou  artificial. Estudos que examinam a eficácia da terapia de luz tiveram resultados mistos. Os pacientes com DA, cujos ritmos de sono­ vigília e atividade de repouso são ainda mais gravemente interrompidos, responderam bem ao tratamento da luz brilhante em muitos estudos. No entanto, nenhuma resposta à luz brilhante em pacientes com DA tem sido relatada por outros. Há pouca pesquisa conclusiva para intervenções de sono não farmacológicas para pessoas com demência.

Quando necessária, a medicação deve ser usada na menor dose possível e no tempo estritamente necessário. Muitos dos medicamentos  para  controle  da  agitação  e  agressividade  podem  piorar  a  confusão  mental.  Antidepressivos  sedativos  em doses baixas, como trazodona, mirtazapina e mianserina, podem ser eficazes. Entre os inibidores seletivos de recaptação de serotonina  deve­se  evitar  o  uso  da  fluoxetina  e  da  paroxetina,  que  podem  agravar  e  precipitar  a  insônia.  Deve­se  evitar também o uso dos antidepressivos com ação dopaminérgica, como a bupropiona. Há evidências de que o uso de melatonina em  pacientes  com  diagnóstico  de  demência  também  pode  melhorar  o  efeito  do  entardecer  (sundowning). As diretrizes de prescrição para o uso de benzodiazepínicos em idosos incluem uso a curto prazo, baixas dosagens e preferência por meia­ vida mais curta.

Os hipnóticos não benzodiazepínicos, de ação muito curta e com menos efeitos colaterais podem ser úteis. A insônia secundária  ao  tratamento  com  inibidores  da  acetilcolinesterase  pode  ser  tratada  mudando  o  horário  de  administração  das doses.  Para  o  efeito  sundowning,  recomenda­se  inicialmente  otimizar  o  tratamento  específico  (anticolinesterásico  e/ou memantina), descartar intercorrências (dor e infecções) e implementar medidas de higiene do sono e técnicas psicológicas para modificar o comportamento. Se necessário, pode­se fazer uso de antidepressivos hipnóticos em doses baixas, usados no  tratamento  da  insônia.  O  papel  dos  antipsicóticos  foi  debatido  anteriormente  neste  capítulo.  Os  benzodiazepínicos podem provocar efeito paradoxal e piorar a disfunção cognitiva, devendo ser reservados às fases mais avançadas.

Quatro estudos recentes examinaram o papel da melatonina na prevenção do delirium em pacientes idosos.42 Três deles

encontraram  menor  incidência  entre  os  pacientes  que  usaram  essa  substância.  No  quarto  estudo  não  houve  diferença estatisticamente  significativa  em  relação  ao  placebo,  porém  houve  relato  de  duração  mais  curta  do  delirium  entre  os pacientes em uso de melatonina.

A fototerapia pode influenciar a amplitude e a fase dos ritmos circadianos, podendo ter papel importante no tratamento da insônia em pacientes com DA, reduzindo inclusive a sonolência diurna. A Tabela 9.11 resume as principais medicações úteis no tratamento da insônia no idoso.

Considerações finais

Nota­se que o tratamento dos transtornos do sono no idoso é um desafio ao geriatra. A investigação deve ser abrangente,47

arsenal terapêutico farmacológico à disposição. O importante é ter em mente que o uso de sedativos hipnóticos no idoso pode ter efeitos adversos consideráveis, por isso, é importante abrir os horizontes das terapias não farmacológicas. E quem melhor que o geriatra, com sua visão holística e multidisciplinar, para aceitar o desafio imposto por esses pacientes? Tabela 9.11 Resumo das principais medicações úteis no tratamento da insônia no idoso.

  Mecanismo de ação Dose Meia-vida (h)

Hipnóticos de 1a geração (benzodiazepínicos)

Clonazepam Facilita ação do GABA Mecanismo pouco conhecido

0,5 a 1,5 mg/dia (SPI e MPM)

33 a 40

Estazolam Facilita ação do GABA Mecanismo pouco conhecido

1 a 2 mg/dia 10 a 24

Flurazepam Facilita ação do GABA Mecanismo pouco conhecido

15 a 30 mg/dia 47 a 100

Lorazepam Facilita ação do GABA Mecanismo pouco conhecido

1 a 2 mg/dia 8 a 25

Midazolam Facilita ação do GABA Mecanismo pouco conhecido

7,5 a 15 mg/dia 1,5 a 2,5

Quazepam* Facilita ação do GABA Mecanismo pouco conhecido

7,5 a 15 mg/dia 25 a 114

Temazepam* Facilita ação do GABA Mecanismo pouco conhecido

15 a 30 mg/dia 3,5 a 18

Triazolam* Facilita ação do GABA Mecanismo pouco conhecido

0,125 a 0,5 mg/dia 1,5 a 5,5

Hipnóticos de 2a geração Zaleplona* Receptor GABA-A Agonista alfa-1 seletivo

10 mg/dia 0,9

Zolpidem Receptor GABA-A Agonista alfa-1 seletivo

5 a 10 mg/dia 6,2 a 12,5 mg/dia CR

2,4

Zopiclona Receptor GABA-A

Agonista alfa-1 e alfa-2 seletivo

3,75 a 15 mg/dia 5,3

Hipnóticos de 3a geração Eszopiclona* Receptor GABA-A

Agonista de locais não conhecidos

2 a 3 mg/dia 6 a 9

Indiplona* Receptor GABA-A

Agonista alfa-1, a nidade pelo alfa-6

15 a 30 mg/dia 1,5

Melatoninérgicos Melatonina Receptores MT1 e MT2 3 a 6 mg/dia 0,5 a 0,8 Ramelteon* Agonista receptores MT1 e MT2 8 a 64 mg/dia 1 a 2 Agomelatina Agonista MT1 e MT2 25 a 50 mg/dia 2 a 3

1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. 16. 17. 18. 19. 20. Antagonista serotonina 5-HT2C

Agonistas gabaérgicos Tiagabina* Bloquedor do GAT-1, transportador especí co do GABA

4 a 8 mg/dia 7 a 9

Antidepressivos sedativos Doxepina* Antidepressivo tricíclico

Antagonista H1-especí co em baixas doses

3 a 6 mg/dia 7,8

Mianserina Antidepressivo tetracíclico Antagonista alfa-1 e alfa-2

30 a 90 mg/dia 7 a 9 dias

Mirtazapina Antagonista alfa-2 Bloqueio 5-HT2 e 5-HT3

7,5 a 30 mg/dia 20 a 40

Trazodona Trazodona CR

Inibidor de recaptação de serotonina Parte do mecanismo de ação pouco conhecido

50 a 150 mg/dia 50 a 150 mg/dia

3 a 9 12

*Não  disponíveis  no  Brasil.  GABA:  ácido  gama­aminobutírico;  SPI:  síndrome  das  pernas  inquietas;  MPM:  movimentos periódicos dos membros; CR: liberação prolongada

Fonte:  Sukys­Claudino  et  al.,  2010;43  Bonnet  et  al.,  2010;44  Schuffle­Rodin  et  al.,  2008;45  Reite  et  al.,  2004;46  Freitas  et

al., 2007;47 Tufik et al., 2000;48 Iber et al., 2007.49

Referências bibliográficas

No documento Manual prático de geriatria (páginas 121-124)