As crises epilépticas devem ser diferenciadas de desmaios e alterações da consciência decorrentes de uma série de outras etiologias, tanto neurológicas como não neurológicas, destacandose síncopes, AIT, AVE, quedas, delirium, amnésia global transitória, alterações psiquiátricas e outros. Convém ressaltar que muitos desses diagnósticos diferenciais, como AIT e AVE, também são causas de crises epilépticas e outros como as quedas podem ser a sua consequência e único sinal, pois a crise pode não ser presenciada.
Em idosos caidores, a menos que a causa da queda esteja clara, e frequentemente não está, a possibilidade de crise epiléptica deve ser sempre considerada, principalmente naqueles cujas quedas não foram presenciadas.1
Pode ser difícil distinguir delirium, na sua forma hipoativa, de uma crise epiléptica focal com comprometimento da consciência ou do contato (parcial complexa) ou do SENC, especialmente em pacientes com déficit cognitivo de base. Nas
crises, os períodos de alterações da consciência são curtos, e, no SENC, prolongados, podendo ser confundido com o coma. Mudanças dramáticas e episódicas no estado mental com retorno ao normal ou ao estado cognitivo prévio sugerem crise epiléptica. Nessa situação, o EEG é um excelente método para auxiliar no diagnóstico. Entretanto, devese ter em mente que as duas condições podem coexistir, e as causas de delirium e crises epilépticas podem se sobrepor.
A amnésia global transitória é uma síndrome clínica caracterizada por amnésia anterógrada (incapacidade de formar novas memórias), acompanhada de questionamentos frequentes e repetidos, algumas vezes com componente retrógrado, com duração de, no máximo, 24 horas e sem comprometimento de outras funções neurológicas; pode ser confundida com as crises epilépticas focais sem comprometimento da consciência (parciais simples), mas com perda súbita de memória (manifestações discognitivas), conhecida como amnésia epiléptica transitória.25
É importante ressaltar que a amnésia global transitória tem como fator de risco a história prévia de enxaqueca, além de fatores precipitantes, principalmente estresse pisicológico, exposição ao calor ou frio, manobra de Valsalva. Nas crises epilépticas, a recorrência é mais frequente e o EEG pode estar alterado, porém, muitas vezes, é necessária prova terapêutica com antiepiléticos para a diferenciação diagnóstica.25
A Tabela 10.5 mostra as variáveis que distinguem as crises convulsivas de outras causas de desmaios entre idosos.19
Tabela 10.5 Variáveis que distinguem as crises convulsivas de outras causas de desmaios entre idosos.
Variáveis Crise epiléptica Síncope
Ataque isquêmico
transitório Psiquiátrica
Sintomas prodrômicos Aura ou nenhum Sudorese, sensação de “cabeça oca” ou nenhum
Nenhum Nenhum
Efeito da postura Nenhum Quase sempre ereto Nenhum Nenhum
Instalação Abrupta Variável Abrupta Varíável
Duração 1 a 2 min Segundos a minutos Minutos a horas Minutos a horas Movimentos Variáveis, tônicos, clônicos,
atônicos
Perda do tônus, mioclonia de pernas
Dé cts motores, sinais localizatórios
Variáveis, bizarros
Incontinência Variável Não Não Não
Frequência cardíaca Aumentada ou diminuída Variável Normal Variável Trauma Laceração de língua,
equimoses
Equimoses, fraturas, TCE Nenhum Nenhum
Eletroencefalograma durante o ictus
Padrão epileptiforme Alentecimento difuso Alentecimento focal ou normal
Normal
Pós-ictus Confusão, sonolência Alerta ou discreta confusão Alerta Alerta
TCE: traumatismo cranioencefálico.
Fonte: Waterhouse e Towne, 2005.19
Exames complementares
No primeiro episódio, devese realizar EEG, eletrocardiograma, exames laboratoriais, dosagem séricas de medicamentos e exames de imagem cerebral (tomografia ou ressonância nuclear magnética) para se descartarem condições cardiovasculares, tóxicas, metabólicas e estruturais cerebrais como a causa da crise epiléptica ou prever o risco de recorrência e, portanto, corroborar o diagnóstico de epilepsia e de sua provável causa.1
O EEG é útil no diagnóstico da epilepsia e o mais usado na prática clínica é o EEG interictal. Os padrões de descargas elétricas anormais entre as crises confirmam a anormalidade cerebral e corroboram o diagnóstico de epilepsia. Entretanto, a frequência de descargas elétricas anormais diminui com o avançar da idade e o EEG interictal normal não exclui o diagnóstico de epilepsia. Podese, então, usar o EEG prolongado ou o monitoramento por videoeletroencefalograma (vídeo
• • • • • • • • • • EEG) na tentativa de aumentar as chances de confirmação diagnóstica. No entanto, a realização desses exames, por serem mais invasivos e prolongados, pode ser mais difícil em idosos frágeis, incapacitados ou dementados.19 Os exames laboratoriais indicados são: eletrólitos (cálcio, magnésio, fósforo, sódio, potássio), ureia, creatinina e testes de função hepática, hemograma, glicemia, gasometria arterial e função tireoidiana. O exame toxicológico para drogas e álcool deve ser considerado se houver suspeita de intoxicação, assim como a realização de punção lombar na suspeita de infecção do sistema nervoso central.1
Exames de neuroimagem devem obrigatoriamente fazer parte da avaliação do idoso com crise epiléptica e a ressonância magnética é sensível para detectar mudanças sutis no tecido cerebral como atrofia hipocampal e pequenas áreas isquêmicas. A tomografia de crânio é muito apropriada para avaliar o idoso na emergência (avalia sangramentos, encefalomalacia e lesões calcificadas) ou quando a ressonância é contraindicada (portadores de marcapasso cardíaco, por exemplo) ou não está disponível.1
Tratamento
A decisão de iniciar o tratamento após a primeira crise deve basearse em fatores de risco adicionais para um novo episódio, pois um único fator de risco aumenta em 80% as chances de uma nova crise. Condições como história de AVE, alteração estrutural em sistema nervoso central, diagnóstico de doença degenerativa cerebral (p. ex., doença de Alzheimer) ou EME são indicações para o tratamento com MAE.26 Segundo Krumholz et al. (2015),26 após o primeiro episódio, os pacientes com maior risco de recorrência e, portanto, candidatos a início da terapia são aqueles com: Lesão cerebral anterior causando a crise, como AVE e demência EEG mostrando anormalidades epileptiformes Anormalidades significantes no exame de imagem cerebral (ressonância magnética ou tomografia computadorizada) Crise noturna.
Em idosos com episódio único, sem doença ou alteração estrutural do sistema nervoso central e com EEG normal, devese prosseguir a investigação para eventos paroxísticos não epilépticos e postergar o início da terapêutica até que a segunda crise ocorra, visto que grande parte dos idosos não apresenta uma segunda crise epiléptica, como também não retarda a obtenção de remissão das crises após 3 anos. Em alguns casos, como nas crises desencadeadas por trauma cranioencefálico ou por medicamentos (quinolonas, por exemplo), os MAE podem ser necessários em decorrência dos riscos relacionados com as crises, entretanto, após a correção da causa, pode não ser mais necessário o uso prolongado desses medicamentos.26
As mudanças relacionadas com a idade na farmacocinética e farmacodinâmica das substâncias, multimorbidade, polifarmácia e maior risco de efeitos adversos com comprometimento da capacidade cognitiva e funcional aumentam a complexidade da prescrição de MAE para idosos e alguns princípios básicos devem ser observados:1
Procure manter o tratamento com uma única substância (monoterapia)
Inicie com dose mais baixa, geralmente metade da preconizada para adultos jovens, e aumente gradualmente, se necessário Use, preferencialmente, medicamentos de meiavida curta Fique atento a efeitos adversos, inclusive efeitos diferentes dos descritos para populações mais jovens Nunca suspenda abruptamente um MAE, exceto em caso de reações alérgicas ou com risco à vida Os MAEs podem causar sedação dosedependente, ataxia de marcha e déficit cognitivo; embora os agentes de segunda geração possam apresentar vantagens com relação a esses efeitos, o custo mais elevado limita o seu uso.
Dentre os medicamentos de primeira geração citamse o fenobarbital, a fenitoína, o ácido valproico, o valproato, a primidona, os benzodiazepínicos e a carbamazepina. A primidona geralmente não é indicada para o tratamento de crises epilépticas em idosos e, nessa faixa etária, o seu uso fica restrito à segunda linha no tratamento do tremor essencial. O fenobarbital e a fenitoína, apesar de amplamente usados, são pouco indicados para uso em idosos, em função do perfil de efeitos colaterais e potenciais interações medicamentosas. A carbamazepina está associada à hiponatremia e à síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético e todos os MAE podem ser responsáveis por reações alérgicas importantes, principalmente rash morbiliforme.
O uso prolongado de MAE de primeira geração, principalmente fenitoína e carbamazepina, está associado a anormalidades no metabolismo ósseo, como hipocalcemia, hipofosfatemia, diminuição dos metabólitos ativos da vitamina
• • • • • • 1. D e hiperparatireoidismo secundário, com consequente redução da densidade mineral óssea documentada pela densitometria óssea e maior risco de fraturas.27,28
Os benzodiazepínicos podem ser indicados no controle agudo das crises e como coadjuvantes, lembrando que, em idosos, esse grupo de medicamentos tem importantes efeitos adversos, aumentando o risco de quedas e agravando ou ocasionando déficit cognitivo.
Os medicamentos de segunda geração como a lamotrigina, a oxcarbazepina, a gabapentina, o topiramato, a vigabatrina, a pregabalina e o levetiracetam são os mais apropriados em indivíduos idosos pelo seu melhor perfil de tolerabilidade e eficácia comprovada. Entretanto, dentre esses medicamentos os mais recomendados são lamotrigina, gabapentina e oxacarbazepina, pois terem sido mais bem estudados em populações geriátricas.
A lamotrigina é bem tolerada pela maioria dos pacientes e as diretrizes da ILAE recomendam a lamotrigina e a gabapentina como nível A de evidência para tratamento das crises focais em pacientes idosos.29 Entretanto, o efeito
colateral mais comum da lamotrigina é o rash morbiliforme que pode se desenvolver durante as primeiras 8 semanas de uso. O início com baixas doses e a titulação lenta minimiza o seu aparecimento. O da gabapentina é a sonolência, que diminui com o uso, mas também demanda titulação mais lenta.
Convém ressaltar que alguns medicamentos são considerados inapropriados para idosos e a American Geriatrics Society (AGS) recomenda fortemente, com base em elevada qualidade de evidência científica, que o fenobarbital e demais barbitúricos sejam evitados em idosos pelas altas taxas de dependência e pelo risco de intoxicação mesmo em baixas doses. Já os benzodiazepínicos são considerados inapropriados para insônia, agitação e delirium, porém podem ser apropriados no controle das crises epilépticas. Existem recomendações importantes para se evitarem alguns MAE, como carbamazepina e oxcarbazepina, em associação com antidepressivos inibidores seletivos de recaptação de serotonina, da recaptação de norepinefrina e tricíclicos, bem como com diuréticos, pelo risco de hiponatremia e síndrome da secreção inapropriada do hormônio antidiurético. Por fim, recomendase que o levatiracetam, a gabapentina e a pregabalina tenham suas doses reduzidas em pacientes com filtração glomerular menor que 60 mℓ/min.30
O EME (status epilepticus), convulsivo ou não, configura emergência médica com alta mortalidade, principalmente em idosos. O tratamento requer internação em unidade de terapia intensiva, monitoramento das funções vitais e prevenção de complicações como broncoaspiração, pneumonias, traumas, rabdomiólise e insuficiência renal. Indicamse inicialmente diazepam, midazolam, lorazepam ou clonazepam intravenosos. Se a situação persistir, deve ser feita uma dose de ataque de fenitoína, seguida de dose adicional. Em crises refratárias, devem ser administrados agentes anestésicos. O SENC é de difícil diagnóstico, sendo frequentemente confundido com delirium. O tratamento é o mesmo do status epilepticus convulsivo e deve ser estabelecido o mais rapidamente possível, devido à elevada mortalidade. Muitas vezes, diante de suspeita clínica e delirium persistente sem que se encontrem os prováveis fatores precipitantes, é possível estabelecer uma prova terapêutica.21,23,24
Recomendações
O passo mais importante é fazer o diagnóstico de crise epiléptica no idoso e determinar o risco de recorrência, o que configura epilepsia. Algumas vezes, apesar do risco dos MAE para essa população, pode ser necessária prova terapêutica
Todo idoso com crise epiléptica de início recente ou suspeita de crise epiléptica deve ser submetido a exame de imagem cerebral, exceto quando um diagnóstico mais acurado não for resultar em mudança de conduta, como em pacientes em cuidados paliativos de fim de vida. Em caso de contraindicação à ressonância e ao uso de contraste, uma tomografia sem contraste pode ser indicada
A possibilidade de medicamentos ou de abstinência destes, principalmente dos benzodiazepínicos, deve ser sempre aventada como causa de crises epilépticas
No caso de quedas repetidas, principalmente em idosos com risco de doença, as crises epilépticas devem ser excluídas A maioria dos idosos tem suas crises controladas com monoterapia, o que é importante pelo maior risco de efeitos adversos quando se usa mais de um MAE
Exceto para a fenitoína, o monitoramento rotineiro dos níveis terapêuticos dos demais MAE não é recomendado.
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Introdução
A hipertensão arterial (HA) é uma doença de alta prevalência em idosos, tornandose fator determinante para as elevadas morbidade e mortalidade dessa população.13 No Brasil, a prevalência estimada de HA em idosos é de 65%, podendo
chegar a 80% em mulheres.2,3 O componente sistólico da pressão arterial (PA) é mais importante do que o diastólico em
idades avançadas. Indiscutivelmente, o tratamento antihipertensivo é benéfico e reduz a morbidade e mortalidade cardiovascular nesse grupo. Alguns estudos mostram redução média de 34% em acidentes vasculares encefálicos (AVE), 19% em eventos coronarianos e 23% em mortes vasculares, após redução de 12 a 14 mmHg da pressão arterial sistólica (PAS) e de 5 a 6 mmHg da pressão arterial diastólica (PAD), com o tratamento da HA.4,5