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CAPÍTULO 4. Saberes e competências em início de carreira docente

4.1. Os saberes docentes

4.1.3. Aquisição e uso dos saberes: consciente ou habitus

Embasado em contextualização feita anteriormente, fica um questionamento aos professores que iniciam sua prática docente: os saberes desenvolvidos na carreira são adquiridos de forma consciente na forma de esquemas mentalmente estruturados ou seus saberes são resultantes de suas rotinas, hábitos, desenvolvendo então um saber inconsciente, fruto apenas da ação prática e suas consequências? Há que se constatar que para se ter consciência de um determinado ato é necessário antes conhecê-la, questão esta que competiria à universidade em esclarecer determinados conceitos. Caso a universidade falhe nesse quesito, a sorte é lançada ao futuro professor no decorrer de sua carreira.

Se analisarmos sociologicamente tal questão iremos nos deparar com duas tendências: uma que analisa o desenvolvimento de saberes como esquemas de pensamento interiorizados, como rotinas, habitus; e outra que analisa essa construção como sendo algo reflexivo, tendo em vista que os docentes teriam a capacidades de analisar de forma crítica e analítica o seu trabalho, os motivos de seus atos, sua estruturação, etc. Donald Schön (2000) verifica ambas situações levando em conta a capacidade de reflexão do professor, demonstrando que tal ponto vem antes mesmo da capacidade de analisar os saberes.

No entanto, percebe-se que boa parte dos autores que abordam este assunto (Tardif, Perrenoud, Gauthier, Pimenta, Schön, entre outros) concordam que parte considerável dos saberes e das intervenções prático-pedagógica estão fora do controle lógico, sistematizado ou previamente concebido por parte dos professores. É comum observar que a atitude de diversos professores, principalmente os mais inexperientes, são atos sem pensar, na urgência culminando na incerteza dos fatos. Segundo Perrenoud (2001), a especificidade do trabalho docente faz com que se desenvolvam competências necessárias para aquele ato em si permitindo-lhes atuar no raciocínio ou cálculo das consequências, mas que, no entanto, lhes permitam organizar com certa eficácia a gestão das situações de ensino, desenvolvendo assim seus saberes. Porém, torna- se fundamental a reflexão sobre a prática (SCHÖN, 2000), para que se possa aprimorar os atos e rever os erros.

Para Tardif et al. (2000) defendem que, apesar de parte considerável das práticas de ensino adotadas pelos professores serem reflexões limitadas, os saberes docentes residem nos processos, explicitados nas argumentações, explicitações, juízos de valores, opções pedagógicas, mesmo porque o docente necessita de requisitos mínimos para a atuação em sala, tais como os saberes disciplinares ou saberes pessoais.

Para boa parte dos autores citados93, a aquisição dos saberes docentes, de forma sistemática ou involuntária, se dá no exercício da profissão, pois permite ao professor certas disposições adquiridas na prática, desenvolvimento de certos habitus que poderão se transformar em saberes válidos na sua formação a fim de enfrentar os desafios da profissão. O

habitus, como forma de improviso refletido pode desenvolver-se num estilo de ensino, no qual

se usa especificidades dos saberes pessoais como traços de personalidade profissional. Por exemplo, o dom pela música pode proporcionar momentos de ensino fascinantes ou a sabedoria de contar histórias permite a transmissão de saber de formas diferentes. Tais saberes pessoais aliados à rotina escolar permitem ao professor criar seus saberes profissionais mesmo não estando ciente disso e que se expressariam mediante um saber-ser e um saber-fazer pessoais e profissionais, válidos pelo trabalho do dia a dia.

Por outro lado, muitos desses autores abordam também que nem todos docentes conseguem transpor tais saberes para seu cotidiano escolar tendo em vista que o comportamento e a consciência do professor têm limitações e que, por conseguinte, seu saber é limitado. Segundo Perrenoud (2001), o professor tem consciência de seus atos até certo ponto, mas não necessariamente de tudo, no momento em que faz, e nem sempre sabe o motivo de agir de determinada forma. Isso mostra que na prática do dia a dia, seu saber-fazer seria mais amplo que o seu conhecimento discursivo. A noção de saber, diferentemente do conhecimento científico, engloba os conhecimentos, as competências, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes, que na visão de Tardif (2000) é chamado de saber-fazer e saber-ser. Perrenoud (2002b, p. 20) verifica que a conscientização desses saberes só se processa a partir da prática consciente na qual “o profissional reflexivo deve, acima de tudo, ser capaz de dominar sua própria evolução, construindo competências e saberes novos ou mais profundos a partir de suas aquisições e de sua experiência”.

Dentro desse cenário, qual o repertório das competências, habilidades, conhecimentos e saberes específicos do ser professor, que servem de base ao seu trabalho na intenção de articular teoria e prática na construção da formação inicial da carreira docente?

93 Tal consideração toma como referência dois dos principais modelos teóricos que embasam na atualidade as

pesquisas sobre os saberes docentes que servem de apoio ao ensino (Knowloge Base). Um dos expoentes Tardif et al. (2012), defendem que o processo de formação dos saberes docentes deve ser analisado numa perspectiva mais ampla, de fontes diversas (formação inicial e contínua dos professores, do currículo e da socialização escolar, da formação pré-profissional, da experiência profissional, da relação com os pares etc.) e aquele num sentido mais restrito que designa os saberes mobilizados pelos “professores eficientes” durante a sua ação pedagógica em sala de aula (na gestão da matéria e na gestão de classe), linha essa representada por autores como Gauthier et al. (1998) e Shulman (1987).