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Procedimento na ação prática na formação inicial de professores

Capítulo 1. Profissão Docente: desafios e definições

4. Enfim, a crise do profissionalismo é, em última instância, a crise da ética

2.4. Um olhar sobre Formação inicial e continuada de Professores.

2.4.1. Formação inicial de professores

2.4.1.1. Procedimento na ação prática na formação inicial de professores

Segundo Formosinho (2001, p.46), baseado em diversos autores (TARDIF, et ali, 1991; NÓVOA, 1996; FORMOSINHO, 2000) o processo de universitarização da formação docente foi43, “nos países europeus e americanos, um processo de academicização. Esse processo transformou a formação inicial de professores numa formação teórica e afastada das preocupações dos práticos do terreno”. Mesquita (2013, p.55) concorda com essa afirmação relatando que, apesar da exigência por parte dos professores a um desempenho profissional melhor, não tem ocorrido significativas mudanças na formação inicial de professores, “continuando estes a ser formados de acordo com velhos modelos normativos”. Para a autora as “escolas e as instituições de formação reúnem condições mínimas, mas que cada uma delas tem objetivos e preocupações diferentes que não a de contribuírem para uma formação conjunta ou para uma devida articulação teoria-prática” (MESQUITA, 2013, p. 55).

O grande ponto a ser discutido então gira em torno da prática. Para Formosinho (2001), tendo por base as especificidades ligadas à profissão docente, a primeira etapa da formação prática é verificada pelo desempenho do ofício de aluno. Não se pode negar que a docência é uma profissão adquirida e aprendida pela constante vivência da discência. Todos os futuros professores possuem em seu currículo de aluno uma aprendizagem de que saltam teorias e representações acerca do ato de ser professor. Formosinho (2001, p. 50) enfatiza essa fase de aprendizado prático relatando que:

o currículo discente, na educação básica e no ensino secundário, dos estudantes dos cursos de formação inicial constitui a primeira etapa da sua formação prática como futuros professores. O ofício de professor é, diferentemente de todos os outros, aprendido antes de haver uma opção vocacional, é aprendido de modo implícito e num período prolongado

Um estudante de um curso de formação de professores já praticou o ofício de aluno

durante mais de 12-15 anos, já observou dezenas de professores e experienciou

milhares de aulas. O aluno observa os seus vários professores diariamente, imita-os em actividades de role play espontâneo, pode mesmo, em algum momento, ter sido solicitado a apresentar trabalhos como se fosse ele o professor. Observação, role play e modelação são modos de aprendizagem do ofício da docência. Assim, o estudante

de formação inicial tem já uma imagem consolidada do que é ser aluno e também

do que é ser professor. Esta aprendizagem experiencial é parte essencial da formação prática de um professor.

43 Segundo Gatti (2009, p. 55) em um curto espaço de tempo o locus de formação docente no Brasil se deslocou

totalmente para o ensino superior. “Essa mudança, de amplas consequências e realizada tão rapidamente, suscita indagações tais como as que dizem respeito à possibilidade de os novos cursos superiores cobrirem as vastas áreas do território nacional” e até mesmo a qualidade de tais cursos.

Isso nos leva a conceituar a profissão de professor como um ofício que se aprende por todo processo de formação do ser humano, “de modo artesanal e intensivo; na pré-escola e na escola; perante companheiros e mestres, ao lado de outros aprendizes” (FORMOSINHO, 2001, p. 50), considerando assim, que, ao iniciar o curso superior, grande parte da formação prática já se desenvolveu, e isto se deu fora dos muros da instituição formativa.

Dessa forma, o futuro professor em formação superior transfere esta aprendizagem prévia para o novo contexto de formação. À medida que as práticas docentes neste novo contexto se parecerem às anteriores, lhe parecerá mais natural e eficaz esta transferência, cabendo as instituições formativas verificar estas aprendizagens e incorporá-las nos processos de formação, na intenção de “(re)construir a imagem que os estudantes já têm do ofício de professor” (FORMOSINHO, 2001, p. 49).

O segundo momento da formação prática do futuro professor tem relação com a prática

docente dos seus formadores nas instituições de formação inicial. Para Formosinho (2001), diferente de outras profissões, o aluno tem a possibilidade de avaliar constantemente os seus formadores através das próprias teorias aprendidas. Não é estranho ouvir de alunos em formação inicial que um determinado professor ensina algo, mas não o pratica, estando bem próximo ao estilo “faça o que eu mando, mas não faça o que eu faço”. Por outro lado, muitos formadores acabam por ser exemplo de docência, no qual inspirará o futuro professor em sua carreira. Tais especificidades da formação de docentes torna inevitável que as práticas de ensino dos formadores sejam de suma importância aos modelos de aprendizagem da profissão na formação inicial.

Por último, porém, muito considerado pelo autor para a formação prática dos professores vem a ser a prática intencional e assumida - a Prática Pedagógica. A Prática Pedagógica vem a ser o componente curricular da formação inicial de professores tendo por finalidade clara e direta, a iniciação dos alunos no mundo da prática docente, desenvolvendo as competências práticas necessárias a atuação docente com responsabilidade e êxito. Para Formosinho (2001, p. 50) esta visão ampla e abrangente da formação prática dos professores tem por base uma perspectiva que leva por consideração as aprendizagens da experiência e os processos de socialização “tanto ou mais importantes para o desenvolvimento humano e profissional como as aprendizagens resultantes dos processos estruturados de ensino e aprendizagem”.

No entanto, Sacristán (1991) nos alerta que a parte prática da formação inicial docente é limitada, dificultando o aparecimento de novos modelos e aprendizagens, mesmo que o

currículo oculto44 propicie um papel relevante para tal. Para o autor, “os procedimentos de autoanálise, de observação crítica prática e a investigação na ação procuram favorecer uma compreensão crítica da atividade docente, e não uma mera reprodução de esquemas preestabelecidos” (SACRISTÁN, 1991, p. 79). Segundo Sykes45 (1986, apud SACRISTÁN,

1991, p. 89) “o ensino é uma atividade que pode tomar-se seletiva, atraindo e retendo certos tipos de candidatos que, por diversas razões, não assumem uma atitude crítica ou reflexiva”. Para o autor o próprio sistema de formação inicial não tem um status acadêmico propício à prática de uma função de crítica e de investigação na atuação docente. Pacheco (1995, p. 39) reforça essa ideia ao relatar que “não é estranho que 3/4 dos professores considerem que a formação inicial que receberam não lhes serviu para nada - um juízo que é tanto mais duro quanto mais jovens são os professores”.

Dentro dessa perspectiva, Esteve (1991,p. 119) denota que a formação prática incluída no período de formação inicial deveria permitir ao futuro professor:

l. Identificar-se a si próprio como professor e aos estilos de ensino que é capaz de utilizar, estudando o clima da turma e os efeitos que os referidos estilos produzem nos alunos.

2. Ser capaz de identificar os problemas de organização do trabalho na sala de aula, com vista a tomá-lo produtivo. Os problemas de disciplina e de organização da classe são os mais agudos durante o primeiro ano de exercício da profissão.

3. Ser capaz de resolver os problemas decorrentes das atividades de ensino- aprendizagem, procurando tomar acessíveis os conteúdos de ensino a cada um dos seus alunos.

Tais questões fazem sentido ao levarmos em conta que Campos46 (2002, apud MESQUITA, 2013, p. 56), demostra que a formação inicial de professores continua a privilegiar dois modelos:

44 O currículo oculto é constituído por todos aqueles aspectos do ambiente escolar que, sem fazer parte do currículo

oficial, explícito, contribuem, de forma implícita para aprendizagens sociais relevantes (...) o que se aprende no currículo oculto são fundamentalmente atitudes, comportamentos, valores e orientações...

O currículo oculto reproduz através da cultura escolar as estruturas sociais e a ideologia dominante do capitalismo, assim o currículo oculto interfere na subjetividade dos alunos, os quais passam a ser inibidos e impedidos de manifestarem-se quanto à própria atuação do mundo mesmo de forma inconsciente.

A acepção do currículo como conjunto de experiências planejadas é insuficiente, pois os efeitos produzidos nos alunos por um tratamento pedagógico ou currículo planejado e suas consequências são tão reais e efetivos quando podem ser os efeitos provenientes das experiências vividas na realidade da escola sem tê-las planejado, às vezes nem sequer ser conscientes de sua existência. É o que se conhece como currículo oculto. (SACRISTÁN, 1991, p.43)

45 SYKES, G. The social consequences of standard-setting in the professions. Unpublished paper prepared for

the Carnegie Task Force on Teaching as a profession, 1986.

46 CAMPOS, B. Políticas de formação de profissionais de ensino em escolas autónomas. Porto: Edições

O modelo académico que valoriza o conhecimento teórico em todas as disciplinas académicas, em detrimento da teoria educacional e da metodologia e prática de ensino, e;

O modelo técnico que valoriza o treino prático para aquisição de técnicas básicas de ensino, em detrimento da teoria educacional e conhecimento académico, tendo como conhecimento a imitação e seguimento dos modelos do mestre.

Concordando com outros pensadores já citados, o autor analisa que tais modelos não apresentam a dimensão necessária para a prática da profissão docente e soma a essa lacuna outras questões tais como dificuldade de perceber problemas reais do ensino: distanciamento da percepção das mutações do ensino e da função do professor; defasagem entre teoria e prática e falta de ligação instituição-escola, contribuído assim para a ineficácia dos modelos atuais de formação inicial. Canário (2001, p. 38) relaciona tais fatos ao citar que “é no contexto de trabalho, e não na escola de formação inicial, que se decide o essencial da aprendizagem profissional, que é coincidente com um processo de socialização profissional”.

Dentro desta perspectiva Sacristán (1991) demonstra que ações práticas só ocorrem em sala de aula, fazendo com que programas de formação tenham de incidir, nos contextos em que a prática se configura, ou seja, na escola, buscando assim iniciativas dos professores no local onde realmente se aprende. Para Sacristán (1991, p. 77), trata-se de um programa com, pelo menos, quatro grandes campos, focando o:

1. Professor e a melhoria, ou a mudança, das condições de aprendizagem e das relações sociais na sala de aula.

2. Professor participando ativamente no desenvolvimento curricular, deixando de ser um mero consumidor.

3. Professor participando e alterando as condições da escola. 4. Professor participando na mudança do contexto extraescolar

Tendo em vista a complexidade da formação inicial docente, torna-se imprescindível verificar as maiores fragilidades desse momento da vida do futuro professor, a fim de superá- las.