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Capítulo 1. Profissão Docente: desafios e definições

4. Enfim, a crise do profissionalismo é, em última instância, a crise da ética

1.3 Identidade Docente: Interação social como formação pessoal

1.3.1 Formação da Identidade docente

Perante as definições de identidade podemos dizer que tais permeiam a questão da identidade profissional. Derouet14 (1988, apud MOITA, 2000) refere-se a identidade profissional docente como sendo “montagem compósita”. Tal definição se dá através da construção de uma dimensão espaço-temporal, no qual atravessa a vida profissional desde o momento da opção pela profissão até às reformulações em final de carreira, tendo ênfase a

formação inicial e os diferentes espaços institucionais onde a profissão se desenvolve. Tal

processo é construído sobre saberes, tanto científicos como pedagógicos, como sobre referências éticas e morais. Para o autor, além da questão de desenvolvimento social e com o meio, é uma construção com base em experiências, decisões tomadas, das práticas

14 DEROUET, J. L. La profession d’enseignant comme montage composite. Éducation Permanente, 96, pp. 61-

desenvolvidas, ou seja, estabelece ligação direta com o nível das representações do trabalho concreto.

Na mesma linha, Melo15 (1999,apud LUDKE & BOING, 2007, p. 3), defende “o desenvolvimento de uma identidade profissional pelo professor já a partir de sua formação

inicial, para evitar o risco de se tornar mero executor das políticas emanadas de órgãos

estatais”. O autor destaca “a formação inicial e o trabalho do professor como bases para a construção de sua identidade profissional”16.

Pimenta (2009) analisa a questão da identidade como algo transformado pela formação do professor, seja ela inicial ou continuada, através de um processo dinâmico a partir de conhecimento acumulado, práticas e relações, pelo qual o professor possa ter a capacidade de problematizar sua prática em contínuo processo de construção de sua identidade. Segundo a autora, “a necessidade da construção da identidade docente é que fará com que a atividade docente no seu cotidiano tenha significado, a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no mundo, do sentido que tem em sua vida o ser professor” (PIMENTA, 2009, p. 19).

Porém, segundo Nóvoa (1992, p.16) “identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e de conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na profissão”. Diamond17 (1991 apud NÓVOA, 1992) reforça essa visão identificando que a construção de identidades demonstra ser um processo complexo devido ao fato de cada um se apropriar de sentido complexo de história pessoal e profissional, no qual o tempo pode constantemente refazer as identidades acomodando inovações e assimilando mudanças. Sobre isso Pimenta (2009, p. 19) cita que:

Uma identidade profissional se constrói, pois, a partir da significação social da profissão; da revisão constante dos significados sociais da profissão; da revisão das tradições. Mas também da reafirmação das práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Práticas que resistem a inovações porque prenhes de saberes válidos às necessidades da realidade. Do confronto entre as teorias e as práticas, da análise sistemática das práticas à luz das teorias existentes, da construção de novas teorias.

O que se percebe é que a identidade do professor é um processo de construção que se baseia em contextos e momentos históricos, respondendo, assim, as novas questões impostas

15 MELO, M. T. L. Programas Oficiais para Formação dos Professores da Educação Básica. Educação & Sociedade, ano XX, nº 68, p. 45 – 60, Dezembro/1999.

16 Idem

pela sociedade. Pimenta e Anastasiou (2002, p. 77), focando na profissão docente, complementam suas definições sobre identidade relatando que:

se constrói a partir da revisão das tradições, mas também da reafirmação de práticas consagradas culturalmente e que permanecem significativas. Ela constrói-se também pelo significado que cada professor, enquanto ator e autor, confere à atividade docente no seu cotidiano a partir de seus valores, de seu modo de situar-se no mundo, de sua história de vida, de suas representações, de seus saberes, de suas angústias e anseios, do sentido que tem em sua vida o ser professor. Assim como a partir de sua rede de relações com outros professores, nas escolas, nos sindicatos e outros agrupamentos.

Com base nesses entendimentos questionamos: como a identidade docente é construída? A resposta parece estar no percurso de sua trajetória docente, já que é no processo de formação que se consolidam as opções e as intenções relativas à atuação profissional. Segundo Dubar (2005) a identidade profissional docente é a forma como os professores definem a si mesmos e aos outros. Nesse sentido, trata-se de um processo de construção de identidade focada na dualidade de dois processos complexos, porém independentes: “a identidade de uma pessoa não é feita a sua revelia, no entanto, não podemos prescindir dos outros para forjar nossa própria identidade” (DUBAR, 2005, p. 143).“É uma construção de ‘si mesmo’ profissional que evolui ao longo da carreira docente e que pode achar-se influenciado pela escola, pelas reformas e pelos contextos políticos” (MARCELO, 2009, p. 112). Tendo em vista que não é algo que se possua, mas que se desenvolve, evolua de forma coletiva ao longo da vida (ou da carreira), compreender seu contexto e suas características torna-se fundamental. Marcelo (2009, pp.113- 114), desenvolveu as seguintes características sobre a identidade docente:

1- A identidade profissional é um processo evolutivo de interpretação e reinterpretação de experiências, uma noção que coincide com a ideia de que o desenvolvimento dos professores nunca para e é visto como uma aprendizagem ao longo da vida. Desse ponto de vista, a formação da identidade profissional não é a resposta à pergunta “quem sou eu neste momento?”, mas sim a resposta à pergunta “o que quero vir a ser”?

2- A identidade profissional envolve tanto a pessoa, como o contexto. A identidade profissional não é única. Espera-se que os docentes se comportem de maneira profissional, mas não porque adotem características profissionais (conhecimentos e atitudes) prescritas. Os professores se diferenciam entre si em função da importância que dão a essas características, desenvolvendo sua própria resposta ao contexto.

3- A identidade profissional docente é composta por subidentidades mais ou menos relacionadas entre si. Essas subidentidades têm relação com os diferentes contextos nos quais os professores se movimentam. É importante que essas subidentidades não entrem em conflito. Este aparece, por exemplo, em situações de mudanças educacionais ou mudanças nas condições de trabalho. Quanto mais importante é uma subidentidade, mais difícil é mudá-la.

4- A identidade profissional contribui para a percepção de auto eficácia, motivação, compromisso e satisfação no trabalho dos docentes, e é um fator importante para que se tornem bons professores. A identidade é influenciada por aspectos pessoais, sociais e cognitivos.)

Com tais citações o autor analisa a identidade docente como uma resposta à pergunta ‘quem sou eu neste momento?’, chegando à conclusão que “a identidade profissional não é uma identidade estável, inerente, ou fixa” (MARCELO, 2009, p. 112). Ramalho & Núñez (2004) se aprofundam no tema ao citar que o processo de busca de uma identidade profissional para a docência está relacionado com algo muito particular, uma espécie de representação que os professores fazem de si mesmos e dos outros, de autoimagem ou mesmo autobiografia. As representações que eles têm sobre sua atividade profissional, sobre sua formação e sobre as condições do exercício da atividade profissional são componentes decisivos para sua caracterização identitária. Isso se torna muito importante para o docente em formação inicial a fim de atuarem de forma ativa da produção de novas identidades profissionais.

Nóvoa (1992) enriquece tal discussão, discursando que a identidade surge de forma própria, peculiar, que caracteriza a forma como cada um torna-se professor. O autor aponta a existência de três A’s na constituição da identidade docente. A de adesão, analisando que ser professor é um constante fazer escolhas, aderindo a projetos, valores e princípios; A de ação, referindo-se às diversas opções de escolhas e melhores formas de agir; e, A de autoconsciência, fazendo referência à reflexão de suas escolhas, tendo em vista que tudo se faz pela reflexão. Tais características explicitam que a concepção de identidade docente está relacionada diretamente com a maneira em que cada professor se reconhece como sendo professor, ou seja, como pensa, sente, reflete e age na profissão, tendo em vista sua história pessoal e profissional, ou seja, sua historicidade.

Carrolo18(1997, apud ESTRELA, 1997, p. 11) é outro autor que vem auxiliar nessa questão ao citar que a construção da identidade profissional está totalmente relacionada aos processos de socialização vivenciados pelo indivíduo em toda sua trajetória. Isto justifica a impossibilidade de desassociar os mecanismos de “ mobilidade social”, já que se trata de um “processo relacional” existente entre a “identidade para si” e a “identidade para os outros”. O autor19 sintetiza o fato relatando que:

18 CARROLO, C. Formação e identidade profissional dos professores. In: ESTRELA, M. T. (Org.) Viver e construir a profissão docente. Lisboa: Porto, 1997.

Se a constituição da identidade profissional, em termos individuais, se realiza ao longo de toda carreira e requer um acompanhamento a longo prazo, em termos de grupo, ela consubstancia-se historicamente na cultura profissional, como patrimônio que assegura a sobrevivência do grupo e permite a definição de estratégias identitárias adaptadas a cada realidade histórica e social.

Dubar (2005) define essa questão como sendo “a biográfica e a relacional”, ou seja, a identidade profissional depende de sua história individual ( origem e trajetória social e cultural) e por seu percurso de formação escolar (alunos, pares, ambiente escolar, rotinas...). Moita (2007, p. 116) resume tais dimensões relatando que:

[...] a minha hipótese geral é que essa identidade vai sendo desenhada não só a partir do enquadramento intraprofissional, mas também com o contributo das interacções que se vão estabelecendo entre o universo profissional e os outros universos socioculturais. Os efeitos das “porosidades” ou dos “fechamentos”, que acontecem entre os vários universos de pertença, podem ajudar-nos a compreender o “papel” da profissão “na vida” e o “papel da vida” na profissão.

No entanto, a autora20 ainda enfatiza as questões relacionadas às particularidades como sendo fundamentais para a formação da identidade docente, citando que:

Só uma história de vida põe em evidência o modo como cada pessoa mobiliza os seus conhecimentos, os seus valores, as suas energias, para ir dando forma à sua identidade, num diálogo com os seus contextos. Numa história de vida podem identificar-se as continuidades e as rupturas, as coincidências no tempo e no espaço, as “transferências” de preocupações e de interesses, os quadros de referência presentes nos vários espaços do quotidiano.

Lessard21 (1986, apud GONÇALVES, 2009, pp. 145-146) verifica quatro aspectos da atividade docente como fundamentais para o estudo e compreensão do processo de formação da identidade profissional e suas representações:

o capital de saberes, saberes-fazer e saberes-ser que fundamentam a prática; as condições do exercício dessa mesma prática, no que respeita tanto à sua autonomia e controlo, como às do contexto em que ela se desenrola; a sua pertinência cultural e social e, por último, as questões de estatuto profissional e prestígio social da função docente.

Isto estabelece a construção da identidade profissional num sentido amplo, em que o docente estabelece uma relação entre a sua profissão e o seus pares e, junto a isso, uma construção de autonomia, reflexão, pessoal e interpessoal, questões fundamentais para se ver

20 Idem

21 LESSARD, C. La profession enseignante: multiplicité des identités professionnelles et culture commune.

como professor. Neste sentido, a fim da construção de uma identidade docente são “consideradas tanto as formas de controle sobre seu trabalho como modos de contestação e resistência, com possibilidades de legitimação ou não desse controle, envolvendo seus próprios interesses” (DUBAR, 2005, p. 145). No entanto, as identidades docentes não se resumem a tais discursos, já que se devem considerar outras variáveis como a história familiar e pessoal do sujeito, além das efetivas condições de trabalho (NÓVOA, 2000; DUBAR, 2005). Pode se entender então que a construção da identidade profissional, vem a ser a “relação que o docente estabelece com a sua profissão e o seu grupo de pares e, ao mesmo tempo, da construção simbólica, pessoal e interpessoal, que ela implica” (GONÇALVES, 2009, p. 145).

Tais colocações nos leva a outro questionamento: como podemos verificar a identidade profissional em um professor? Marcelo (2009) nos responde tal questão através da análise pelo conteúdo que se ensina. O autor verifica isso comparando as identidades através dos níveis educacionais: numa escala de dificuldade de ações da educação infantil e ensino médio até o nível universitário. O autor alerta que quando o professor não detém de conhecimentos apropriados da base disciplinar que está lecionando, “pode expor o conteúdo erroneamente aos alunos. O conhecimento que os professores possuem do conteúdo a ensinar também influi no que e no como ensinar” (MARCELO, 2009, p. 118).

A questão da perspectiva é um exemplo típico da identidade do professor, no qual informação, ideias, procedimentos, condutas e tópicos a serem trabalhados refletem valores embutidos no seu processo de formação, seja ele pessoal ou profissional. Relacionando o ensino de história e professores iniciantes, Marcelo (2009, p. 119) faz a seguinte citação:

na História, o marco de análise cultural, política ou ideológica que se escolha pode determinar o que se ensina e como se ensina. Um baixo nível de conhecimentos pobremente organizados influi no ensino de várias formas. Quando os professores principiantes planejam, geralmente se baseiam nos livros de texto como ponto de partida para o ensino. Ensinar se equipara a recordar informação. Esse conhecimento superficial prejudica os alunos, limitando-lhes uma compreensão dos conceitos, levando-os a representações errôneas da disciplina.

A complexidade se apresenta, pois de um lado temos os conteúdos disciplinares, de outro, os “pedagógicos” e ainda os valores atribuídos na forma de apresentar ou discutir os temas, fruto de uma formação identitária. “A identidade profissional docente se fortalece com relação aos conteúdos que se ensinam quando o currículo da formação inicial os apresenta com evidente clareza” (MARCELO, 2009, p 119).

Todavia, a falta de uma formação solidificada e a própria desvalorização da profissão docente têm frustrado as expectativas de muitos docentes, que acabam perdendo o encanto pela profissão e, por consequência de sua identidade profissional, provocando uma crise grave e complexa na própria vida do professor.