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CAPÍTULO 3. Professor Reflexivo: do pensamento à ação

3.3. Prática reflexiva

3.3.1. Obstáculos à prática reflexiva

Como se percebeu, críticas e pontos de vistas diferenciados permeiam as discussões sobre as práticas reflexivas. Consequentemente, as dificuldades para sua efetivação acabam surgindo, mesmo porque, como relata Schön (2000), no dia a dia do professor a utilização de seus saberes práticos é usada como algo normal, corriqueiro, o que pode levar a atitudes desarticuladas. Dewey78 (1938, apud SCHÖN, 2000) no início do século XX já fazia distinção

entre ação reflexiva e rotineira, relatando que a primeira se faz num processo que ultrapassa a solução lógica e racional de problemas diários. Já a segunda se estrutura no impulso, pela tradição e autoridade. Isto demonstra que profissionais que não fazem a reflexão de suas ações correm o risco de continuar atuando em procedimentos repetitivos, automático e até sem sentido, causando diversas consequências tais como insegurança, indisciplina, descontrole emocional, etc. Dewey79 (1938, apud PIMENTA, 2002, p.168) complementa ainda que a prática reflexiva permeia intuição, emoção e paixão, necessitando de “abertura intelectual, atitude de responsabilidade e sinceridade”. Isso se comprova na citação de Ghedin (2006, p. 147), na qual relata as dificuldades do processo de formação da reflexão:

78 DEWEY, J. Experience and education. New York: Macmillan, 1938. 79 DEWEY, J. Experience and education. New York: Macmillan, 1938.

O processo reflexivo não surge por acaso. Ele é resultado de uma longa trajetória de formação que se estende pela vida, pois é uma maneira de se compreender a própria vida em seu processo. Não é algo impossível de realizar-se. É difícil porque a sociedade em que nos encontramos, de modo geral não propicia espaços para a existência da reflexão e a educação, em particular, não raro reduz-se à transmissão de conteúdos mais do que à reflexão sobre eles e as suas causas geradoras.

Aprofundando mais no assunto, alguns obstáculos podem ser considerados. Uma delas é a mecanização do trabalho pedagógico, que surge a partir da simples aceitação da realidade e do conformismo das ordens superiores. Outro ponto importante está na carga de trabalho excessiva no qual professores têm de suportar, deixando-os sem tempo suficiente para a reflexão. A falta de participação das políticas e programas de formação acaba impondo o que se deve fazer no ato docente. O trabalho solitário na reflexão, tendo em vista que os momentos coletivos são bem restritos ou usados para outros fins. Tal fato deixa claro que a prática docente seja marcada no ambiente escolar e que para ocorrer as transformações necessárias, deve haver discussão, reflexão e diálogo entre os grupos, ou seja, uma vontade comum entre os professores.

No entanto, outro problema, proveniente desse fato, é que nem sempre tal grupo esteja disposto, por representar diferentes posições ideológicas ou mesmo desânimos, com falas como “não adianta nada” ou “só discussão e nunca sai do papel”, ou ainda “na teoria é fácil quero ver na prática”. Isso pode até mesmo desanimar o professor em início de carreira, levando-o a ser mais um com tal ideologia. Contreras (1997,p.131) relata que mesmo havendo grupos com as mesmas ideologias:

No fundo, subjaz aqui o que alguns autores destacaram como uma ingenuidade de muitas das fórmulas dos autores críticos, ao refletir uma tendência de pensar que se pode dar uma unidade de propostas e interesses entre os docentes, somente porque esses seriam conclamados a fazer parte de um grupo relativamente homogêneo só à espera de sua consciência transformadora ser iluminada e despertada. Mas esta ideia ingênua da possibilidade geral do professorado em trabalhar pela transformação ignora a diversidade de posições ideológicas e de interesses que os educadores representam.

Na visão de Serrão (2006, p. 152) outro problema muito comum na atualidade vem a ser a burocracia e a meritocracia que acabam determinando o que os docentes devem fazer, sem refletir, mas pensando em beneficios próprios:

Os mecanismos de controle e de legitimidade do saber escolar regidos pela burocracia e meritocracia são os principais obstáculos para a prática reflexiva. Tal prática exige determinados comportamentos do professor como, por exemplo: surpreender-se com

os alunos; buscar as razões dessa surpresa para poder compreendê-la, formulando problemas e hipóteses de resolução que serão possíveis de serem verificadas.

A mesma autora discorre sobre a racionalidade técnica como outro problema da prática reflexiva, analisando que ela “ainda assume características próprias” (Serrão, 2006, p. 153), culpa de um cientificismo acadêmico. Tal ponto nos leva mais uma vez às questões relacionadas à formação inicial e mesmo ao início de carreira, fase essa de construção da identidade docente. Mas não podemos esquecer também, que o professor é um ser social e trás consigo seus problemas externos, além dos muros da escola que podem refletir no processo de reflexão. É muito comum ouvir dizer que os problemas externos não podem influenciar seu trabalho ou vice-versa, no entanto, sabemos o quanto isso é complexo, tendo em vista que como cita Nias80 (1991, apud NÓVOA, 1992, p. 9) “professor é uma pessoa. E uma parte importante da pessoa é o professor”. Tal questão pode auxiliar na rotina de prática cotidiana do professor mediante as condições de trabalho. Portanto, o professor deverá criar ações permeando esses dois polos de tensões, ambos estão ligados a uma diversidade de fatores, desde a história pessoal à sua prática profissional.

Mais uma vez, verificando tantas situações que podem prejudicar a prática crítico- reflexiva, a relação entre teoria e prática devem ser vistas não como rivais, mas como polos de associação e integração, ciência e prática, no qual, principalmente o professor em início de carreira, gera base epistemológica para reflexão auxiliando-o às respostas para desafios que lhes são colocadas. Nesse sentido, Pérez- Gómez (1992,pp. 99-100) afirma que:

A realidade social não se deixa encaixar em esquemas preestabelecidos do tipo taxonômico ou processual. A tecnologia educativa não pode continuar a lutar contra as características, cada vez mais evidentes, dos fenômenos práticos: complexidade, incerteza, instabilidade e conflito de valores. Os problemas da prática social não podem se reduzidos a problemas meramente instrumentais, em que a tarefa profissional se resume a uma acertada escolha e aplicação de meios e procedimentos. De um modo geral, na prática não existem problemas, mas situações problemáticas, que se apresentam frequentemente como casos únicos que não se enquadram nas categorias genéricas identificadas pela técnica e pela teoria existentes.

Fica clara na fala do autor que somente a ação sobre o que se conhece permite-nos analisar e transformar, como cita Freire (2011, p.109) referindo que “o espaço pedagógico é um texto para ser constantemente lido, interpretado, escrito e reescrito”. Cabe alertar também que os problemas enfrentados pelo professor não devem ser encarados somente de forma técnica ou teórica, tendo em vista que sua prática não é exata, mas única e própria. É nesse momento que 80 NIAS, J. Changing Times, Changing Identities: Grieving for a Lost Self. In Educational Research and Evaluation

entram as análises reflexivas, já que as soluções nem sempre estão disponíveis nas teorias. Refletir sobre o ato à luz de teorias, focando sempre sua prática, garante ao professor autonomia e independência, fato que delimita tempo, mas que deve ser exercido constantemente. Schön81 (1983, apud PÉRES-GOMES, 1992) disserta sobre as limitações técnicas dos modelos de racionalidade relatando que tal permitirá a construção do conhecimento a partir da experiência prática do professor. Na visão do autor82 a partir daí o professor passa a ser visto como um profissional prático reflexivo, na qual sua competência está centrada na:

(...) análise das práticas (...) quando enfrentam problemas complexos da vida escolar, para a compreensão do mundo como utilizam o conhecimento científico, como resolvem situações incertas e desconhecidas, como elaboram e modificam rotinas, como experimentam hipóteses de trabalho, como utilizam técnicas e instrumentos conhecidos e como recriam estratégias e inventam procedimentos e recursos.

Tendo consciência que o professor está rodeado de problemas oriundos de sua prática, que necessitam de soluções para continuar seu trabalho, Serrão (2006) observa que o professor busca o que tem acumulado para resolver os problemas encontrados, produzindo assim conhecimentos. O conhecimento passa a ser produto da sua própria experiência. Sendo assim, a autora concorda que “a teoria assume um papel de mediação entre uma prática passada e uma prática presente, visando à transformação dessa última, uma vez que ela se torna fonte de problemas que geram ações e saberes e professor torna-se, então, um pesquisador” (SERRÃO, 2006, p. 174).

Outra forma de superação das dificuldades enfrentadas principalmente com professores inexperientes está na comunicação com profissionais que já têm certa experiência com a prática reflexiva. Além disso, o próprio esforço na estruturação da própria formação permite ao docente um caminho de superação perante os desafios da carreira.