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Capítulo 1. Profissão Docente: desafios e definições

1.1 Profissão ou oficio?

No universo do trabalho, o que diferencia as profissões das outras ocupações é, em grande parte, a natureza dos conhecimentos que estão em jogo (TARDIF, 2000).As principais características do conhecimento profissional consideradas nos últimos vinte anos, na visão de

diversos autores (TARDIF, 2000; BOURDONCLE, 1991; DUBAR, 2005; SACRISTÁN,

1993; entre outros) sobre as profissões podem ser expressa emTardif (2000, pp. 6-7):

 Em sua prática, os profissionais devem-se apoiar em conhecimentos especializados e formalizados, na maioria das vezes, por intermédio das disciplinas científicas em sentido amplo;

 Esses conhecimentos especializados devem ser adquiridos por meio de uma longa formação de alto nível, a maioria das vezes de natureza universitária ou equivalente;

 Em princípio, só os profissionais, em oposição aos leigos e aos charlatães, possuem a competência e o direito de usar seus conhecimentos;

 Só os profissionais são capazes de avaliar, em plena consciência, o trabalho de seus pares;

 Esses conhecimentos exigem também autonomia e discernimento por parte dos profissionais, ou seja, não se trata somente de conhecimentos técnicos padronizados cujos modos operatórios são codificados e conhecidos de antemão;  Tanto em suas bases teóricas quanto em suas consequências práticas, os conhecimentos profissionais são evolutivos e progressivos e necessitam, por conseguinte, uma formação contínua e continuada;

 Por fim, os profissionais podem ser considerados responsáveis pela má prática, ou seja, pelo mau uso de seus conhecimentos, causando, desse modo, danos a seus clientes.

Tendo por base que essas seriam umas das principais características do conhecimento profissional, a intenção torna-se fazer o movimento de profissionalização do ofício de professor, desenvolvendo e implantando essas características dentro do ensino e na formação de professores (TARDIF, 2000).

Segundo Perrenoud (1991) os professores são "pessoas com ofício" no processo de transformação em "profissionais", complementando que a profissionalização não mais é do que a "evolução estrutural do ofício". Para o autor “a profissionalização aumenta quando, no ofício,

a realização de regras preestabelecidas dá lugar a estratégias orientadas por objetivos e por uma ética” (PERRENOUD, 1991, p. 137). Para o autor é a transferência do ofício artesanal, em que são aplicadas técnicas ou regras, para a profissão construindo estratégias com o apoio de saberes racionais, criando autonomia. Altet (2000, p. 25) define a palavra "ofício" nas seguintes designações:

1) um género de ocupação manual ou mecânica que tem utilidade para a sociedade: um verdadeiro ofício é uma arte puramente mecânica em que as mãos trabalham mais que a cabeça, 2) qualquer género de determinado trabalho, reconhecido ou tolerado pela sociedade, e com o qual podem ser angariados os meios de sobrevivência.

A distinção não se faz somente a partir do tipo de ocupação - manual e técnica para o ofício e intelectual ou artística para a profissão -, mas também “sobre a natureza do saber - misterioso para o ofício, professado publicamente pela profissão - bem como pela legitimação social - feita de utilidade para o ofício e de prestígio para a profissão” (ALTET, 2000, p. 26).

Para Dubar (2005), a conotação de superioridade à profissão está baseada em critérios meritocráticos e de livre escolha de ocupação e a na rejeição dos ofícios. Cabe, no entanto, fazer uma ressalva sobre a oposição entre profissão e ofício, destacando como surge a noção de “superioridade” das profissões. Jacques Le Goff5 (1996, apud DUBAR, 2005), explicita que

antes da proliferação das universidades no século XIII, o trabalho era algo consagrado e todos os trabalhadores, tanto os referentes à artes liberais (artistas, intelectuais) ou das artes mecânicas, (artesãos, trabalhadores manuais) provinham de uma mesma organização corporativa. Na visão de Le Goff 6:

A separação entre artes liberais e artes mecânicas só ocorreu com a expansão e fortalecimento das universidades, gerando, por fim, uma oposição entre profissões – que surgiram das artes liberais e que eram ensinadas na universidade e estavam ligadas ao conhecimento técnico-científico, e os ofícios que surge das artes mecânicas, “[...] onde as mãos trabalham mais do que a cabeça e que se limitam a determinados números de operação mecânica.” A partir disso, a profissão passa ser associada ao espírito, ao intelectual, ao nobre e o ofício surge associado à mão, braços, baixo, etc.

O que se percebe é que com isso a profissão passa a ser vista como um conhecimento intelectual maior e mais aprofundado do que o ofício, já que este está calcado na prática.

Dessa forma, se a profissão indica uma mudança de natureza em relação a um ofício, a formação para a atuação a uma profissão não será da mesma forma da formação para um

5 LE GOFF, J. L’érosion des idéaux de l’éducation permanente. Éducation Permanente, 129, pp. 29-33, 1996. 6 Ibid., p. 124

ofício. A preparação para exercer o ofício se faz numa transmissão indireta de saber-fazer pela observação, imitação e pela experiência. No caso de uma profissão, o processo de formação é direto, objetivo e racional, construindo a identidade profissional através da formação.

Nóvoa (2000) nos mostra que os professores, como grupo profissional, eram vistos como algo religioso, envolvido numa relação de vocação e sacerdócio. Para o autor a partir do momento em que o Estado assume o sistema educacional dá-se início à profissionalização, significando o rompimento da relação vocacional. No entanto, o autor critica tal processo de estatização, pois não construiu bases de profissão como as profissões liberais atuais, devido as imposições de controle social e o controle sobre o exercício formal da docência. O autor conclui que os docentes sofrem o processo de “funcionalização”, devido a falta de autonomia do professorado, colocando em dúvida a existência de uma “profissão” docente. Nesse sentido, o que se percebe é um processo de profissionalização que se dá ao longo de sua carreira.