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CAPÍTULO 4. Saberes e competências em início de carreira docente

4.1. Os saberes docentes

4.1.1. O que são saberes docentes?

Segundo Tardif (2012 p.60), “a noção de saber remete a um sentido amplo que engloba os conhecimentos85, as habilidades (ou aptidões) e as atitudes dos docentes, ou seja, aquilo que foi muitas vezes chamado de saber, de saber-fazer e de saber-ser”. O autor afirma que os saberes docentes originários da formação profissional, do conhecimento da disciplina, dos currículos e da experiência do professor, estão intimamente ligados tendo em vista que são acumulados entre a teoria e a prática, ou seja, entre a universidade e a atuação docente. Pimenta (2009,p.8) usa a mesma linha de raciocínio relatando que:

O saber do professor se fundamenta na tríade saberes das áreas específicas, saberes

pedagógicos e saberes da experiência. É na mobilização dessa tríade que os

professores desenvolvem a capacidade de investigar a própria atividade e, a partir dela, constituírem e transformarem seus saberes-fazeres docentes.

Tardif (2012, p. 36) colabora com o tema citando que o saber docente deve ser definido como “um saber plural, formado pelo amálgama, mais ou menos coerente, de saberes oriundos da formação profissional e de saberes disciplinares, curriculares e experienciais”. Tais saberes são frutos de diversas fontes como a universidade, o meio escolar, as vivências internas e externas da escola, o contexto familiar e social, etc. O autor considera que “o desenvolvimento do saber profissional é associado tanto às suas fontes e lugares de aquisição quanto aos seus momentos e fases de construção” (TARDIF, 2012, p. 68).

Tendo em vista que os saberes são plurais, heterogêneos e temporais e que estes estruturam a profissão docente, as mesmas criam identidades docentes. Segundo Pimenta (2009), a identidade profissional é formada, tendo por base os significados que a sociedade atribui à profissão e sua constante reafirmação das práticas que resistem a inovações por conterem saberes válidos às necessidades da realidade. A autora enfatiza três tipos de saberes que auxiliam na construção da identidade docente: os saberes de experiência, os quais vêm sendo adquiridos desde a infância e que pode ou ser significativa para sua formação86; os

85 Apesar de haver considerações divergentes, Perrenoud (2001) usa as palavras saber e conhecimento como

sinônimos.

86 Segundo Perrenoud (2002b, p. 20) “o profissional reflexivo deve, acima de tudo, ser capaz de dominar sua

própria evolução, construindo competências e saberes novos ou mais profundos a partir de suas aquisições e de sua experiência”.

saberes do conhecimento, sem os quais seria impossível se ensinar bem; e os saberes pedagógicos, que dão condições para ressignificação dos saberes na atuação do professor, ou

seja, como transformar o conhecimento em algo didático. Todos esses pontos permitem-nos pensar que os saberes são intimamente ligados ao trabalho, no trabalho, sobre o trabalho e pelo trabalho. Essa ligação com o trabalho se confunde com a prática, sendo que para Pimenta e Anastasiou (2002,p. 71) essa união configurará nos saberes dos professores, como pode-se perceber abaixo:

[...] nos processos de formação de professores, é preciso considerar a importância dos

saberes das áreas de conhecimento (ninguém ensina o que não sabe), dos saberes pedagógicos (pois o ensinar é uma prática educativa que tem diferentes e diversas

direções de sentido na formação do humano), dos saberes didáticos (que tratam da articulação da teoria da educação e da teoria de ensino para ensinar nas situações contextualizadas), dos saberes da experiência do sujeito professor (que dizem do modo como nos apropriamos do ser professor em nossa vida).

Observando diversos professores em seu cotidiano, percebe-se que situações imprevistas e complexas obrigam o professor a tomar constantes “micro soluções” nos quais muitas vezes ele mesmo não tem condições de explicar. Isso prova o quanto é difícil estabelecer ou definir os saberes docentes. Outro agravante, segundo Tardif e Lessard (2008, p.17) é que o trabalho docente é tido como “[...] uma ocupação secundária ou periférica em relação ao trabalho material e produtivo”, ou seja, a visão é que não produzimos bens de consumo, tão valorizados em uma sociedade cujos resultados imediatos têm mais valor. Nesse caso a docência e seus agentes ficam à mercê do sistema de produção e acabam sendo vistos como trabalhadores improdutivos (TARDIF; LESSARD, 2008). No entanto, fazendo uso das pesquisas de um dos expoentes no assunto, Tardif (2012), chegamos a diversos tipos de saberes básicos na formação docente, que se podem resumir em:

 Os saberes da formação profissional adquiridos nos centros de formação acadêmicos, o conhecimento em si.

 Os saberes pedagógicos desenvolvidos através dos processos de ensino e aprendizagem, desenvolvimentos didáticos, práticas educacionais, ou seja, como ensinar.

 Os saberes disciplinares relacionados aos conhecimentos específicos das áreas de atuação (Geografia, História, Matemática, Artes, etc.). Este por sua vez está muito ligado aos saberes de formação profissional;

 Os saberes curriculares relativos aos programas escolares, propostas pedagógicas, conteúdos e métodos, funcionamento da instituição, etc. Tais geralmente são acumulados com o tempo e interesse de cada docente;

 Os saberes experienciais se desenvolvem ao longo de seu trabalho cotidiano, através dos desafios encontrados, obstáculos vencidos, meios de transmissão de conhecimento, etc.;

O autor verifica outros saberes fora do ambiente profissional como os saberes pessoais, relacionados à família e os saberes da formação escolar anterior, proveniente de sua formação escolar básica. Na visão de Tardif (2012, p. 65) todos esses saberes unidos constituem de forma mesclada a base para o exercício do ensino:

os saberes que servem de base para o ensino são, aparentemente, caracterizados por aquilo que se pode chamar de sincretismo [...] um professor não possui habitualmente uma só e única ‘concepção’ de sua prática, em função, ao mesmo tempo, de sua realidade cotidiana e biográfica e de suas necessidades, recursos e limitações.

Nos estudos de Tardif et al. (1991), ao se considerar os vários tipos de saberes (disciplinas, curriculares, profissionais e experiência) como formadores da prática docente, demonstra-se que a diferença está na relação do professor com cada um deles. Nesse sentido Tardif et al. (1991, p. 8).relatam que:

Com os saberes das disciplinas curriculares e de formação profissional mantém uma "relação de exterioridade", ou alienação, porque já os recebe determinados em seu conteúdo e forma (...) Portanto esses conhecimentos não lhes pertencem, nem são definidos ou selecionados por eles. (...) Não obstante, com os saberes da experiência o professorado mantém uma "relação de interioridade". E por meio dos saberes da experiência, os docentes se apropriam dos saberes das disciplinas, dos saberes curriculares e profissionais.

Tendo em vista que o início da carreira e seu desenvolvimento são carregados de historicidade e que ao longo de sua vida os professores assimilam um grande leque de saberes, Tardif e Raymond (2000) analisam que os docentes continuam a incorporar tais saberes, só que desta vez do ambiente escolar, da sala de aula e das pessoas com as quais mais se identificam. Tal questão identifica como o meio influencia nos saberes da ação docente, principalmente quando se está adquirindo experiência.

Tardif (2012), verificando a amplitude da formação docente, procurou classificar os saberes a partir de critérios baseados na origem social, ou seja, o autor buscou compreender a relação entre a natureza e a diversidade dos saberes dos professores e as suas fontes, valorizando a pessoa do professor a fim de compreender o professor pessoa. Tal aspecto cria a

possibilidade de verificar os saberes docente através de termos sócio-histórico-culturais, pois valoriza a história de vida do docente, sejam eles no campo pessoal como no profissional. Para Tardif (2012p. 63), tal modelo:

[...] tenta dar conta do pluralismo do saber profissional, relacionando-o com os lugares nos quais os próprios professores atuam, com as organizações que os formam e/ou nas quais trabalham, com seus instrumentos de trabalho e, enfim, com sua experiência de trabalho. Também coloca em evidência as fontes de aquisição desse saber e seus modos de integração no trabalho docente.

O quadro abaixo possibilita visualizar tais saberes, suas fontes sociais de aquisição e os modos de integração no trabalho docente.

Quadro 2 - Os saberes dos professores

Saberes dos professores Fontes sociais de aquisição Modos de integração no

trabalho docente

A família, o ambiente de vida, a educação no sentido lato etc. Saberes pessoais dos

professores

Pela história de vida e pela socialização primária. Saberes provenientes

da formação escolar anterior

A escola primária e secundária, os estudos pós-secundários não especializados etc.

Pela formação e pela socialização pré- profissionais.

Saberes provenientes da formação profissional para o magistério

Os estabelecimentos de formação de professores, os estágios, os cursos de reciclagem etc.

Pela formação e pela socialização profissionais nas instituições de

formação de professores. Saberes provenientes dos

programas e livros didáticos usados no trabalho

A utilização das “ferramentas” dos professores: programas, livros didáticos, cadernos de exercícios, fichas etc.

Pela utilização das

“ferramentas” de trabalho, sua adaptação às tarefas. Saberes provenientes de sua

própria experiência na profissão, na sala de aula e na escola.

A prática do ofício na escola e na sala de aula, a experiência dos pares etc.

Pela prática do trabalho e pela socialização

profissional.

Fonte: Tardif & Raymond, 2000, p. 215.

Analisando as informações do quadro nº 2, pode-se verificar que os saberes necessários para o ensino não têm referência apenas na aquisição de conhecimento (saberes), mas tem total dependência da sua contextualização e das histórias de formação. Essa análise sócio-histórico- cultural ressalta também que os fundamentos do ensino estão integrados ao mesmo tempo em questões existenciais, sociais e pragmáticos. Tardif & Raymond (2000,p. 235) especificam tais pontos como sendo:

Existenciais: porque o pensamento do professor envolve a sua própria vida, suas

experiências. Os professores pensam a partir de sua história de vida (intelectual, afetiva, pessoal e interpessoal);

Sociais: porque os saberes profissionais são plurais, oriundos de fontes sociais

diversas e adquiridos em tempos sociais diferentes. Também porque, em certos casos, são explicitamente produzidos e legitimados por grupos sociais, como, por exemplo, os professores universitários, as autoridades curriculares etc.

Pragmáticos: porque os saberes que servem de base ao ensino estão intimamente

ligados tanto ao trabalho quanto à pessoa do trabalhador. Saberes ligados às funções dos professores.

O que se pode notar é que a compreensão e o conhecimento dos saberes dos professores permite analisá-los dentro de um processo de evolução e transformações ao longo da história de vida e de uma carreira que remete a diversas etapas. Nesse sentido, os autores87 analisam que:

O professor “não pensa somente com a cabeça”, mas “com a vida”, com o que foi, com o que viveu, com aquilo que acumulou em termos de experiência de vida, em termos de lastro de certezas. Em suma, ele pensa a partir de sua história de vida não somente intelectual, no sentido rigoroso do termo, mas também emocional, afetiva, pessoal e interpessoal.

Na visão de Tardif et al. (1991) tais colocações em relação aos saberes docentes demonstram que os conhecimentos são personalizados, temporais e situados. São

personalizados porque os saberes são originários da própria personalidade do professor, tendo

em vista que possuem emoções, uma personalidade, cultura própria, gostos e prazeres, sendo que seus pensamentos e ações são frutos de contextos anteriores à prática docente. São

temporais, pois se conquistam ao longo do tempo através de práticas de ensino, da

incorporação de papéis do professor e do seu passado escolar, além de ser de longa duração já que desenvolve ao longo da carreira. A singularidade de cada um e do trabalho faz com que sejam saberes situados, no qual tais saberes ganham vida. Tendo em vista mais uma vez que tais saberes têm ligação direta ao meio de trabalho, Tardif (2000,p. 11) relata que:

(...) os saberes profissionais são saberes trabalhados, lapidados e incorporados no processo de trabalho docente e que só têm sentido em relação às situações de trabalho concretas, em seus contextos singulares e que é nessas situações que são construídos, modelados e utilizados de maneira significativa pelos trabalhadores do ensino.

Cabe ressaltar dentro de toda essa discussão que tendo em vista o pluralismo das visões sobre saberes docentes e a relevância de Maurice Tardif no tema, procurou-se de forma sucinta demonstrar as contribuições de distintos teóricos sobre o assunto, como segue no quadro abaixo:

Quadro 3 - A relação dos saberes necessários à docência segundo alguns pensadores Tipologias Teóricos Saberes, conhecimentos, competências

Saberes necessários à docência

Freire (2011)

1) ensinar não é transferir conhecimento; 2) ensinar exige rigorosidade metódica; 3) ensinar exige pesquisa; 4) ensinar exige respeito aos saberes dos educandos; 5) ensinar exige criticidade;6) ensinar exige estética e ética; 7) ensinar exige a corporeificação das palavras pelo exemplo; 8) ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação; 9) ensinar exige reflexão crítica sobre a prática; 10) ensinar exige o reconhecimento e a assunção da identidade cultural.

Saviani (1996) 1) saber atitudinal; 2)saber crítico contextual; 3)saberes

específicos; 4)saber pedagógico e; 5) saber didático-curricular. Pimenta &

Anastasiou (2002)

1) saberes da experiência; 2) saberes da área do

conhecimento específico; 3) saberes pedagógicos; e 4) saberes didáticos.

Cunha (2004) 1) Saberes relacionados com o contexto da prática pedagógica; 2) Saberes relacionados com a ambiência de aprendizagem; 3) os relacionados com o contexto sócio-histórico dos alunos; 4) os relacionados com o planejamento das atividades de ensino; 5) Saberes relacionados com a condução da aula nas suas múltiplas possibilidades 6) Saberes relacionados com a avaliação da Aprendizagem.

Gauthier et al. (1998)

1)saber disciplinar; 2) saber curricular; 3) saber das ciências da educação; 4) saber da tradição pedagógica; 5) saber

experiencial; 6) saber da ação pedagógica Tardif (2000;

2003)

1)saberes da formação profissional; 2) saberes disciplinares; 3) saberes curriculares; 4) saberes experienciais.

Libâneo (2002) 1)cultura científica crítica; 2)conteúdos instrumentais;

3)estrutura organizacional e; 4)base de convicção ética política. Le Boterf

(1997)

1) Saber agir com pertinência; 2) Saber mobilizar os saberes e os conhecimentos dentro de um contexto profissional; 3) Saber integrar ou combinar os saberes múltiplos e heterogéneos; 4) Saber transferir; 5) Saber aprender e aprender a aprender; 6)Saber comprometer-se ou empenhar-se.

Fonte: Puentes, Aquino e Neto (2009, p.169-184) (Adaptado e complementado)

O que se pode perceber do quadro apresentado é que independentemente da definição ou classificação dada aos saberes docentes, todos têm ligação com o ato de praticar a docência, além de trabalhar três pontos fundamentais à prática do professor: saber, saber-ser e saber-fazer. Nesse sentido, há um desafio maior para aqueles que estão no início de sua prática tendo em vista que o uso desses vários saberes se apresentam através do saber experiencial estando mais sujeitos a erros e acertos. Tal questão coloca o saber experiencial como um dos mais

importantes para professores em início de carreira, pois é a partir dele que se pode guiar a duas direções: transformar sua atuação em rotina e/ou alienação, acomodando-se de suas funções ou praticar constantemente novos hábitos e ações, gerando outros saberes pertinentes à carreira. Nesse caso, são importantes as considerações de Donald Schön (1992), ao considerar que uma prática reflexiva aliada ao saber experiencial do professor podem proporcionar significados aos saberes docentes.

A associação do saber da prática reflexiva com o saber experiencial tem fundamental importância para se obter uma prática eficiente, levando a percepções críticas em relação à ação praticada, e com isso a uma mudança à prática positiva. A busca constante de seus saberes, dentro de uma prática pesquisadora deve ser uma constante no início de carreira, pois como cita Freire (2011,p.29):

Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer, o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.

Por sua vez, a acomodação do professor passa a ser o pior dos motivos para que não ocorra a mudança, a transformação dos saberes, de saber observar, de saber enfrentar desafios, de saber procurar, de saber ouvir. Tal ponto leva mais uma vez à formação constante, como cita Imbernón (2006,p. 69):

A formação permanente do professor deve ajudar a desenvolver um conhecimento profissional que lhe permita: avaliar a necessidade potencial e a qualidade da inovação educativa que deve ser introduzida constantemente nas instituições; desenvolver habilidades básicas no âmbito das estratégias de ensino em um contexto determinado, do planejamento, do diagnóstico e da avaliação; proporcionar as competências para ser capazes de modificar as tarefas educativas continuamente, em uma tentativa de adaptação à diversidade e ao contexto dos alunos; comprometer-se com o meio social.