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Capítulo 1. Profissão Docente: desafios e definições

4. Enfim, a crise do profissionalismo é, em última instância, a crise da ética

2.3. Modelos de formação de professores

Tomando por tais citações acima, percebe-se que o processo de formação docente tenha como objetivo principal desenvolver o futuro professor em toda a sua singularidade, a fim de que seja responsável pela formação do jovem com quem vai atuar. Isto significa que a formação das futuras gerações está ligada diretamente a formação desse profissional, dando um caráter muito mais significante na sua atuação.

Nesse caso, a “formação assume uma posição de inacabamento, vinculada à história de vida dos sujeitos em permanente processo de formação, que proporciona a preparação profissional” (VEIGA, 2008, p. 15). Se comungarmos com Freire (2011, p.14) que define a formação como sendo o “ato de dar forma a algo; ter a forma; pôr em ordem; fabricar; tomar forma; educar”, leva-nos a conclusão que para formarmos devemos nos formar. É uma questão de ação e reação que nunca se acaba, mas que se faz num processo. Todo o processo da formação de professores provém de certa imagem do que deve ser o professor, ou seja, os conteúdos, estratégias e métodos.

Nesse sentido, Garcia (1999), baseando-se em diversos autores (FREIMAN, 1990; ZEICHNER, 1983; PÉREZ GÓMEZ, 1998, entre outros), apresenta cinco orientações conceituais para a formação de professores, como ilustrado no quadro abaixo:

Quadro 1- Classificação de orientações conceituais sobre a formação de professores

segundo diferentes autores: GARCÍA (1999) Crítica/Social ou Social-reconstrucionista Pessoal ou Personalista Tecnológica - Abordagem Prática - Abordagem tradicional - Abordagem reflexiva sobre a prática - Abordagem Acadêmica - Abordagem enciclopédica - Abordagem compreensiva JOYCE

(1975) Progressista Personalista Competências Tradicional Acadêmica

HARTNETT

E NAISH (1980) Crítica Tecnológica Artesanal

ZEICHNER (1983) Indagação Personalista Condutista Artesanal Acadêmica

KIRK

(1986) Radicalismo Racionalismo

ZIMPHER E HOWEY

(1987)

Crítica Pessoal Técnica Crítica

KENNEDY (1987) - Aplicação de competência; - Aplicação de princípios e teorias - Ação deliberativa; - Análise crítica PÉREZ GÓMEZ (1998) - Abordagem crítca e de reconstrução social - Abordagem de investigação-ação - Modelo de treino Modelo de adoção de decisões - Abordagem tradicional - Abordagem reflexiva sobre a prática - Abordagem enciclopédica - Abordagem compreensiva Fonte: GARCÍA (1999, p. 33).

A importância de verificar as cinco orientações faz referência com a compreensão do fenômeno da formação de professores, porém, é necessário enfatizar a complexidade dessa área de investigação e que nenhuma das orientações ou perspectivas explica e compreende, na sua totalidade tal fenômeno formativo.

Além disso, cabe salientar que cada orientação conceitual da formação do professor está relacionada a perspectivas diferenciadas dos vários atores envolvidos no processo de ensino e aprendizagem, incluindo a instituição escola. Tais perspectivas devem receber a análise sócio-cultural-histórica de cada um, sendo repensadas a partir de suas múltiplas realidades locais, respeitando a história e o meio de cada professor, buscando contemplar uma dimensão pessoal de desenvolvimento. Torna-se necessário uma descrição mais detalhada de cada uma das cinco orientações a fim de compreender a formação docente.

2.3.1. Orientação acadêmica

Na formação inicial, a orientação acadêmica é considerada a orientação predominante em relação às outras, dando ênfase ao papel do professor como especialista numa área disciplinar, na intenção de dominar um conteúdo específico. Nesta orientação, a formação é entendida como um processo de transmissão de conhecimentos científicos e culturais, na perspectiva de uma formação especialista. Nesse sentido Pérez Gómez (1998, p. 360) relata que “a formação de professores consiste no processo de transmissão de conhecimentos científicos e culturais de modo a dotar os professores de uma formação especializada, centrada principalmente no domínio dos conceitos e estrutura disciplinar da matéria em que é especialista”.

O autor distingue ainda na orientação académica duas abordagens. A primeira abordagem, intitulada de “enciclopédica”, enfatiza a importância do conhecimento do conteúdo, considerando-o como o conhecimento mais importante que o professor deva ter. O segundo completa o primeiro e fazendo relação ao conhecimento que o professor possui dos “paradigmas de investigação assumidos como válidos por uma comunidade de investigação num determinado momento” (PÉREZ GÓMEZ, 1998, p.361).

2.3.2 Orientação tecnológica.

Tendo sua origem na psicologia condutista33, a orientação tecnológica da formação de professores, o ensino é visto como uma ciência aplicada e o professor é concebido como uma espécie de técnico que controla as aplicações do conhecimento científico produzido por outros, gerando regras de atuação. A formação de professores centrada nas competências é um modelo de formação representativa da orientação tecnológica, dando ênfase ao princípio da 33 A psicologia condutista descreve a aprendizagem de acordo com as alterações que se podem observar no

individualização (cada indivíduo tem o seu programa deformação e realiza-o ao seu próprio ritmo). Segundo Pérez Gómez (1998, p. 362) tal formação faz constante uso “de materiais instrucionais, módulos, para facilitar a aquisição de competências”.

Tal orientação está voltada para o conhecimento e destrezas básicas para o ensino, na qual, ensinar tem ligação com a aquisição de práticas que provêm de estudos científicos sobre o ensino e as competências são definidas na ação.

Um dos principais pontos que integram a orientação tecnológica é o desenvolvimento da competência para a tomada de decisões. A ênfase dada não é que o professor possua competências, mas que consiga decidir e selecionar qual a melhor competência em uma determinada situação.

2.3.3. Orientação personalista

Tendo sua origem na psicologia da percepção, do humanismo, da fenomenologia, a orientação personalista da formação de professores considera que cada indivíduo desenvolve estratégias próprias para ser professor, sendo a pessoa do docente que ocupa o principal papel na formação, visando atingir o desenvolvimento pessoal profissional.

Tal orientação dá relevância ao caráter pessoal do ensino, objetivando a capacidade de serem pessoas com um autoconceito positivo. Segundo Garcia (1999, p.38) “um bom professor é uma pessoa, uma personalidade única, um facilitador que cria condições que conduzem à aprendizagem e, para consegui-lo, os professores devem conhecer os seus estudantes como indivíduos”. Como esta orientação valoriza questões individuais de cada docente e enfatiza suas formas específicas de ser professor, ele passa a ser o maior recurso na formação, concluindo que ensinar não é só uma técnica.

Para tais programas de formação o mais importante está na autodescoberta, à conscientização de si próprio do que ensinar o professor a ensinar. Esses princípios levam a formação ligada à prática, sendo esta integrada na formação e não distanciada para o final da formação.

Uma formação centrada no caráter individual e pessoal, focadas em atitudes, conceitos de si próprio, autoconceito e desenvolvimento mostram-se de extrema importância para a consolidação de uma formação que compreenda o fenômeno educativo. Sendo assim, a formação de professores deixa de ser um processo de ensinar a ser professor, mas uma autodescoberta que o instiga a ser um facilitador da aprendizagem, ou seja, os professores necessitam conhecer seus alunos como indivíduos (GARCIA, 1999).

2.3.4. Orientação prática

Juntamente com a orientação acadêmica, a orientação prática tem sido as mais utilizadas na formação de professores. A orientação prática é mais desenvolvida na organização de práticas de ensino, valorizando o aprender com a experiência. Para Perez Gomes (1998, p. 363) essa orientação analisa o ensino como “uma atividade complexa, que se desenvolve em cenários singulares, claramente determinados pelo contexto, com resultados em grande parte imprevisíveis e carregados de conflitos de valor que requerem opções éticas e políticas”.

Tal perspectiva verifica que a formação de bons professores está ligada a inserção destes em experiências práticas que combinem observação, experiência direta e inter-relações com colegas já experientes. Dessa forma, um docente em fase de aprendizagem, ao trabalhar com um bom professor por determinado tempo, adquire competências práticas e aprende em situações reais. A orientação prática nos mostra que esta experiência une o docente aprendiz da realidade, facilitando as aprendizagens para a sua função.

Como no caso da orientação acadêmica, Perez Gomes (1998) subdivide a orientação prática em dois tipos de abordagens distintas, compreendendo a abordagem tradicional e a reflexiva. Na primeira, as práticas de ensino são vistas como um processo no qual o professor mais experiente fornece ao jovem professor um grupo de competências e atitudes que este se apropria pela observação e imitação. Realizado por tentativas, acertos e erros pelos professores em formação, o professor aprendiz tem uma atitude passiva perante a sua aprendizagem.

A segunda abordagem dentro dessa orientação é a reflexiva34 sobre a prática. Diferenciando-se da abordagem anterior, esta incorpora a integração entre teoria e prática, já que o professor analisa e investiga sua prática, permitindo repensar a sua teoria e as próprias atitudes.Nesse caso o professor passa a ter mais autonomia sobre seus atos e constrói seus modelos, refletindo constantemente sobre seus atos.

Analisando que a reflexão e a ação podem ocorrer simultaneamente ou de forma separada, García (1999) verifica quatro formas de reflexão. Primeiramente a “Introspecção”, na qual a reflexão é interiorizada e pessoal, recorrendo a relação à atividade cotidiana. A segunda forma de reflexão é a de “Exame”, que implica numa referência do professor a

34 A abordagem reflexiva sobre a prática, foi fundamentado em Dewey e, principalmente em Donald Schön, autor

que propôs o conceito de reflexão-na-ação sendo o processo mediante o qual docentes aprendem através da análise e interpretação da sua própria atividade docente. Tais abordagens serão aprofundadas no próximo capítulo.

acontecimentos ocorridos ou que possam ocorrer. A “Indagação” vem logo depois e está ligada a noção de investigação-ação que se faz por meio da análise da prática, levantando estratégias na intenção de melhorar sua prática. A quarta é intitulada de “Espontaneidade” sendo a mais relacionada com a prática. Conhecida como reflexão-na-ação, esta envolve os pensamentos que os docentes têm no ato de ensinar. É através desta reflexão que os professores improvisam, resolvem problemas e abordam situações divergentes.

2.3.5. Orientação social-reconstrucionista

A orientação social-reconstrucionista tem por objetivo uma reflexão perante um compromisso ético e social, em busca da capacidade de contextualizar seu meio social. Dentro dessa perspectiva, Garcia (1999, p. 44) afirma que a “formação de professores deve desenvolver nos alunos a capacidade de análise do contexto social que rodeia os processos de ensino aprendizagem”. Perante tal orientação, a formação docente está diretamente ligada com processos de mudanças, inovações e desenvolvimento do currículo, pois verifica os professores como sujeitos comprometidos com os princípios de justiça social e democracia. Tais questões permitem que o professor entre num processo de questionamento de aspectos do ensino já tidos como válidos. Nesse sentido, uma das funções da formação de professores será, “transformar as concepções estáticas prévias dos professores em formação acerca do ensino, gestão da classe, autoridade ou contexto educativo” (GARCIA, 1999, p.45).

Perante a formação de professores, a orientação social-reconstrucionista mantém uma estreita relação com a teoria crítica ao ensino e ao currículo, desenvolvendo competências de análise do contexto social em que permeia os processos de ensino-aprendizagem. Essas condições reflexivas, a par das concepções ligadas a aprendizagem, implicam em questionar aspectos do ensino que geralmente são engessados e tidos como válidos. Isso auxilia nas mudanças de concepções estáticas de professores em formação.

Tendo em vista que cada orientação conceitual faz referência a diferentes perspectivas e formas diversas de conceber os diferentes elementos do sistema educativo, cabe considerar, como ressalta Feiman-Nemser35 (1990, apud GARCIA, 1999), que nenhuma orientação oferece

um modelo completo para orientar o desenvolvimento de um programa de formação de professores, sendo necessário, porém, conhecê-los e refletir sobre cada um, deixando ao próprio docente suas conclusões. Altet (2000, p. 24) reforça essa ideia ao relatar que “uma verdadeira

35 Feiman-Nemser, S. Teacher preparation: Structural and conceptual alternatives. In W. R. Houston, (Ed.),

formação profissional dos professores tem necessidade de se apoiar não só em conhecimentos didáticos, mas também em conhecimentos profissionais pedagógicos, num saber da prática”.

Relatando a questão do currículo de um programa de formação inspirado nestes modelos, Garcia (1999, p. 47) o coloca como sendo aberto, construído à medida das necessidades de cada formando, são modelos que auxiliam a seguir uma formação contextualizada e “não se trata de traduzir situações pedagógicas em saberes formalizados, dogmáticos, prescritivos para aplicar na aula, mas antes de produzir, por meio da investigação, instrumentos conceptuais de análise das práticas e das situações pedagógicas”. Morgado (2005, p. 106) reforça a ideia de mudanças educacionais a partir de uma visão mais aberta à educação em modelos que leve a problematização. Nesse sentido o autor alerta que:

para a noção de currículo como resultado de uma construção participada, o que, por si só, obriga a uma alteração transversal e vertical da gramática escolar, passando também pela necessidade de problematizar, com seriedade, a formação inicial e a formação contínua de professores. Aliás, a própria cultura docente é, em muito, enfatizada por elas. Uma outra formação de professores poderá efetivamente contribuir para que se abandone a tradicional cultura de reprodução, que tão profundamente tem marcado a vida das escolas, e se caminhe no sentido de alterar todo este quadro, construindo uma verdadeira cultura de recriação.

Fazendo uso do pensamento de Libâneo (1998, p.84) a formação de educadores críticos faz com que sejam “desafiados a repensar objetivos e processos pedagógico-didáticos em sua conexão com as relações entre educação e economia, educação e sociedade técnico-científica- informacional, para além dos discursos contra o domínio do mercado e a exclusão social”. Por outro lado sabemos também que, atualmente, os cursos de formação docente não são suficientes para garantir a qualificação de professores e que sua formação atual não apresenta condições que satisfaçam a tantas exigências. Esta questão passa a ser um eixo norteador para aprofundamento de temáticas sobre a técnica do saber fazer do professor. Tendo em vista, que a formação docente é uma tarefa difícil, complexa e desafiadora que sentimos a necessidade de dar relevância à questão do saber fazer do professor, enfatizando a importância de sua formação, seja ela inicial ou continuada.