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CAPÍTULO 3. Professor Reflexivo: do pensamento à ação

3.1. Reflexão e níveis de reflexão

Como se viu, o movimento das práticas reflexivas tem sido muito usado nos estudos em educação na atualidade e o conceito de reflexão não se resume ao seu significado propriamente dito, indo além do caráter de substantivo (reflexão) transpassando pelo adjetivo (reflexivo). Isso se percebe nas concepções ligadas à investigação sobre as práticas docentes, tais como ‘pensamento reflexivo’ (DEWEY, 1933)70, ‘ensino reflexivo’ (ZEICHNER, 1993), ‘praticantes

reflexivos’ (SCHÖN, 1987)71 , entre outros.

No entanto, não é correto relacionar os estudos sobre reflexão docente à atualidade. O filósofo da educação, John Dewey escreveu livros como How we think (1910, 1933) e Logic:

The theory of inquiry (1938), nos quais já defendia a importância da reflexão no ensino. Em

suas obras o autor reconhecia que os professores refletem tendo por base um conjunto de situações, como pensam sobre elas, e refletindo que para analisarmos é necessário um problema real a ser resolvido, um dilema ou mesmo a aceitação da incerteza (SCHÖN, 2000). John Dewey já previa que somente através da avaliação contínua de crenças, de princípios e de hipóteses em relação a um conjunto de dados e de possíveis interpretações ocorre uma prática reflexiva.

A partir dos anos de 1980, Donald Schön, nos Estados Unidos, retomou a abordagem do Professor Reflexivo, tornando-se uma nova referência na formação do professor, no qual sua concepção está voltada ao ensino como atividade reflexiva. Tendo por base que a valorização da prática profissional se cria através da reflexão, o pesquisador e educador Schön desenvolveu um estudo intitulado The Reflective Practitioner (1983), analisando como professores encaram sua profissão. Seus estudos sobre o professor reflexivo se desenvolvem em um contexto de críticas às limitações propostas pela racionalidade técnica, herança do positivismo no qual o profissional era visto como um técnico cujo trabalho estava restrito à solução de problemas utilizando-se de teorias e técnicas. Para tal tema Contreras (1997, p. 64) relata que:

críticos (SCHÖN, 1983, 1987; NÓVOA, 1993; ZEICHNER, 1993; ALARCÃO, 1996; PIMENTA, 2002; etc.) à proposta do professor reflexivo, transformando-se numa tendência atual dos estudos em educação.

70 Para Dewey, o pensamento reflexivo serve como instrumento, sendo criado a partir do confronto com as

problemáticas, tendo por finalidade fornecer ao professor meios mais adequados para ir de encontro a situações problemas.

71 Tendo constatado a existência de uma crise de confiança nos profissionais de educação, Schön busca entender

como se dá a aquisição dos saberes que os profissionais portam, em particular os que ele denomina de bons profissionais. Schön passa a valorizar a prática profissional como uma fase de construção de conhecimento se realizando por meio da reflexão, análise e problematização.

A ideia básica do modelo da racionalidade técnica é que a prática profissional consiste na solução instrumental de um problema mediante a aplicação de um conhecimento teórico e técnico, previamente disponível, que procede da investigação científica. É instrumental porque parte da aplicação de técnicas e procedimentos que se justificam pela sua capacidade de atingir os resultados desejados.

Como resultado das pesquisas de Donald Schön (2000), a prática docente é caracterizada por diversas situações difíceis que nem sempre são resolvidas, tendo em vista que seus conhecimentos não proporcionam respostas necessárias em seu cotidiano da profissão. Para o autor tais conhecimentos referem-se a saberes e competências que vão além dos conhecimentos técnicos que o formaram em sua formação inicial.

Nesse sentido o ato de ser um professor reflexivo, se mostra na capacidade de analisar sua atuação perante um determinado momento de reflexão crítica, procurando sempre problematizar a realidade escolar, analisando, refletindo e reelaborando os trajetos de sua ação, com um saber coerente para a sua realidade prática.

As competências reveladas pelos professores pela própria observação e reflexão sobre as ações é designada pelo autor como sendo ‘professional artistry’. As atitudes que levam a tal conceito são diversas, dependendo das linguagens e propostas, podendo ser consideradas “sequências de operações, procedimentos executados, pistas observadas, regras seguidas, valores, estratégias e princípios que constituem verdadeiras ‘teorias’ de acção” (SCHÖN, 2000, p. 25) .

O autor distinguiu o processo reflexivo em três: reflexão na ação, a reflexão sobre a

ação e a reflexão sobre a reflexão na ação. As duas primeiras formas de reflexão são

basicamente reativas, sendo separado somente pelo momento. Já o último processo citado se faz durante a prática e logo após do fato, quando este é revisado fora do seu contexto. Para Schön (2000) ao refletir sobre a ação que se toma consciência do conhecimento tácito, se reformula o pensamento, agindo na ação.

O autor faz uma consideração interessante ao explicar que quando aprendemos a fazer algo, desenvolvemos tal tarefa não pensando muito a respeito, criamos aptidão atuando espontaneamente. Porém, em todas as experiências, positivas ou negativas, pode ocorrer algo que não esteja de acordo com nossas expectativas, levando-nos a responder à ação, deixando-a de lado ou atuando por meio da reflexão, sendo tal processo ocorrido de duas maneiras:

refletindo sobre a ação, analisando o ocorrido tentando assim descobrir de que forma nossa

ação pode ter auxiliado para o produto final, ou refletir no meio da ação, sem interrompê-la. A partir desse momento, nosso pensar pode oportunizar uma nova forma ao que estamos fazendo no decorrer do que estamos fazendo, ou seja, refletindo-na-ação. Neste último caso,

Alarcão (1996), considera tal reflexão em uma reconstrução mental retrospectiva da ação com o objetivo de analisá-la, transformando tal ato como algo natural do processo de ensino- aprendizagem.

A reflexão na ação considera o diálogo com a situação da ação, mas não se trata de um diálogo verbalizado do professor com relação à sua experiência e sim com algo que não estava pré-formulado num momento específico de aula, por exemplo. Segundo Schön (1992), tendo ocorrido tal imprevisto, ocorre a possiblidade de compreensão dos motivos pelo qual foi surpreendido, reestruturando a situação problema e, por consequente, verificando sua reformulação por meio de uma determinada questão a fim de verificar sua hipótese sobre o ato formulado com base na situação. Segundo o autor, a reflexão sobre a ação consiste numa “ação, uma observação e uma descrição” (SCHÖN, 1992, p. 87).

Na visão do autor, a reflexão sobre a ação no processo de formação docente cria condições positivas ao professor, que vem a ser o foco dentro do processo pedagógico, partindo de sua prática, ou seja, a centralidade do processo gira em torno dele, dando mais autonomia a quem realmente necessita decidir. Pérez- Gómez (1992,p. 106, grifos do autor) enfatiza esse tema relatando que:

Quando o professor reflete na e sobre a ação converte-se num investigador na sala de aula: afastado da racionalidade instrumental, o professor não depende das técnicas, regras e receitas derivadas de uma teoria externa, nem das prescrições curriculares impostas do exterior pela administração ou pelo esquema preestabelecido no manual escolar.

A reflexão sobre a reflexão na ação pressupõe aquela que auxilia o professor a progredir na sua construção e desenvolvimento do conhecimento pessoal. Relaciona-se a um olhar retrospectivo para a ação realizada, refletindo sobre o ato da reflexão na ação, ou seja, sobre o ocorrido (SCHÖN, 1992). Esta se torna uma reflexão norteada à ação adiante, que faz mais sentido ao reencontrar contextos políticos, sociais, culturais e pessoais em que o fato se passou, auxiliando na compreensão de novas problemáticas, descobrindo soluções e orientando ações futuras. Segundo Day (1999), tal forma de reflexão traz consigo um desejo de justiça social, emancipação ou melhoramento, no entanto, o autor ressalta que a profissionalidade requer a presença dos diferentes tipos de reflexão, a fim de formar o professor num intelectual apto a se adaptar aos diversos contextos.

Diversos autores (SCHÖN, 1992; PÉRES-GOMES, 1992; DAY, 1999; NÓVOA, 1996; ALARCÃO, 2001; PIMENTA, 2002; LIBÂNEO, 2002; entre outros) concordam que tais modelos de reflexão consolidam-se como meio de investigação sobre a prática conscientizando

as teorias. Esta relação entre teoria e prática configura-se num conflito entre o saber escolar e a reflexão na ação do trabalho docente, no qual nem sempre a prática se torna possível ou viável. Para a confrontação de tais conflitos do processo reflexivo, Donald Schön (2000) se baseia em quatro elementos, colocando o professor com foco do sistema: a reflexão sobre sua linguagem, seu sistema de valores, de sua compreensão e sobre o modo de como definem seu papel.

O autor usa a metáfora conversação a fim de demonstrar reflexão durante a ação em volta de assuntos e situações. A conversação reflexiva está centralizada na reflexão sobre a prática, podendo ser colaborativas à tomada de decisões, à compreensão e à troca de conhecimento e experiências. Para o autor, no início ocorre o levantamento de um problema e o reconhecimento do contexto em que está contido, logo depois ocorre a conversação com o “repertório de imagens, teorias, compreensões e acções” (SCHÖN, 2000, p.31). Depois de tais levantamentos as situações problemas da prática deveriam vincular-se aos estudos teóricos, geralmente obtidos no processo de formação inicial. Percebe-se que a ênfase dada não está na teoria, mas sim na prática do professor, ou seja, não se discute a teoria pela teoria, mas a prática pela teoria.

3.1.1. Críticas ao pensamento de Schön

Como o próprio Schön (2000) ressaltou, uma formação reflexiva deve ser a base do trabalho docente, suas pesquisas também foram refletidas e surgiram críticas ao seus estudos. Uma dessas críticas relaciona-se à ênfase na prática do professor ao combater a racionalidade

técnica, porém configurando-se num outro modelo de racionalidade, uma racionalidade prática, que como a primeira, transforma a prática em solução para todos os problemas.

Tendo levantado tal ponto de questionamento, Pimenta (2002) aponta uma primeira discussão com o próprio emprego do termo professor reflexivo, alertando os riscos da generalização da terminologia reflexão em temas relacionados ao professor e sua prática. A autora acrescenta que a transformação da prática e a solução dos problemas no dia a dia do processo de ensino requerem criticidade somadas a reflexão relacionando aos contextos socioculturais mais dinâmicos e contextualizados. Isso deixa clara a necessidade de se ver o ensino enquanto prática social e a atividade docente como transformação política. Nesse sentido, o ato da reflexão não se perde na prática pela prática, mas na análise da prática levando em conta as condições sociais no qual ela se desenvolve. Ghedin (2006,p. 149) complementa essa discussão relatando que:

O ponto de chegada da reflexão não é ela própria, nem mesmo o ensino, mas a construção política de uma sociedade democrática, porém não de qualquer democracia, pois muita s delas são formas de ditadura disfarçada. Por isso, a sociedade que negligencia a reflexão, além de condenar a todos ao não-ser da irreflexão, condena-se a um destino imposto pelos instintos e não a uma autodeterminação, nascida na potencialidade dos níveis diferentes de pensar, refletir, criticar e criar enquanto pensamento que age e reflete sobre o sentido e o significado social de tal ação-reflexiva.

Outro ponto de discussão refere-se ao conceito de ‘reflexão na ação’, no qual pela visão de Eraut (1995) a distinção entre tal forma de reflexão e a reflexão sobre a ação não existe e sugere que tal fato pode ser melhor esclarecido se utilizados nos contextos da reflexão. O autor sugere ainda outras nomenclaturas como reflexão antes da ação, reflexão depois da ação e a reflexão distanciada da ação. Tal concepção se dá por não considerar ações deslocadas no tempo, no qual diversas vezes a reflexão na ação é também sobre a ação. Eraut (1995) vai além e sugere a necessidade de somar a preposição ‘para’ na intenção de indicar o objetivo da reflexão.

Como já foi citado anteriormente, Schön (2000) destaca quatro elementos básicos para a realização do processo reflexivo: que os professores reflitam sobre sua linguagem, seu sistema de valores, de sua compreensão e sobre o modo de como definem seu papel. No entanto, segundo Liston e Zeichner72 (1996, apud CONTRERAS, 2002), Schön não dá o devido valor que a análise e a transformação desses quatro elementos deveriam fornecer à reflexão. Na visão dos dois autores as práticas individuais foram as únicas pautadas por Donald Schön. Porém, tratar de práticas reflexivas dos professores, obriga a analisar em que condições se desenvolvem e os resultados das práticas utilizadas. Neste caso os professores são guiados através da reflexão da sua própria prática perdendo a oportunidade de ter uma visão crítica do contexto estrutural ou ideológico em que ocorre.

A grande crítica passa a ser centrada nas práticas reflexivas solitárias, no qual o docente é responsabilizado a enfrentar as nuanças problemáticas de sua prática pedagógica. Segundo Libâneo (2006) essa forma de ato reflexivo faz com que o professor acredite que a reflexão sobre a prática permitiria por si só as formas de intervenção. No entanto, de forma individualizada, as transformações necessárias se esvaziariam no limite imediato da aula, sem consequências fora dela ou mesmo permanentes.

Donald Schön também foi criticado pela ausência de um conteúdo específico para a reflexão ou mesmo de uma teorização que oferecesse base para a reflexão. Isso demonstra a

72 ZEICHNER, K. & LISTON, D. Reflective Teaching: an introduction. Mahwah, New Jersey: Lawrence

necessidade do estudo da prática baseada em um contexto teórico-crítica, para que não ocorram “achismos”, considerando sempre o contexto social, político e institucional no qual o professor está contido. Tal contextualização teórica permitiria a compreensão de sua própria ação refletida na prática, criando metodologias de orientação, modificação e de base de auxílio a fim de enfrentar os problemas da prática educacional.

O que um docente deve ter ciência, independente do estágio profissional em que esteja, é que somente a reflexão não basta, pois ela deve ter poder para instigar a ação. Tal ponto levantado terá êxito se ocorrer em um ambiente adequado, em uma equipe engajada ao bem da educação no qual a reflexão atua como espaço no qual se expõe e discutem as questões que resultam da prática aos olhos da teoria, construindo-se novos conhecimentos e consequentemente enriquecendo a reflexão individualizada. No entanto, de nada adianta uma equipe com vontade se não houver a atuação do professor como o principal agente da reflexão.