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AS ATITUDES PERANTE A MORTE E SUA MENSURAÇÃO

As atitudes perante a morte fazem a ligação entre a morte percebida como ocorrência final, irreversível e universal e os aspectos que consideramos importantes na nossa vida (Tomer, 2000).

O estudo das atitudes perante a morte tornou-se um tópico de maior interesse no âmbito das publicações científicas a partir da década de 50, coincidindo com o final da II Grande Guerra Mundial, em grande parte devido ao trabalho pioneiro de Herman Feifel, cujo contributo se estendeu ao longo de várias décadas em áreas de grande relevância para a investigação das atitudes perante a morte (Neimeyer e Fortner, 1997; Neimeyer, Wittkowsky e Moser, 2004). Existem no entanto alguns estudos interessantes nesta área, publicados antes da década de 50 como por exemplo o de Middleton (1936) com uma metodologia não muito diferente da utilizada até há bem pouco tempo.

Durante a década de 60 o volume de publicações aumentou consideravelmente à medida que aumentava o interesse popular pelo assunto da morte, embora tenha sido a década de 70 a mais significativa no que concerne a quantidade de artigos e livros publicados

bem como a geração de instrumentos destinados à mensuração das atitudes perante a morte (Neimeyer, 1994a). Também a década de 70 foi pródiga em investigações que conduziram à revisão de diversos contributos nesta área e à melhoria significativa de alguns dos instrumentos desenvolvidos anteriormente (Kastenbaum e Costa, 1977). Na primeira metade da década de 80 assistiu-se a um abrandamento na quantidade de publicações e de instrumentos gerados. Entre alguns dos contributos desta época encontramos alguns de excepcional qualidade como o de Palgi e Abramovitch (1984) já antecipando a vertente transcultural do estudo das atitudes perante a morte. Na segunda metade desta década ressurgiu novamente o interesse em torno do tema, que tem perdurado, caracterizado por uma expansão gradual das investigações desenvolvidas inicialmente na América do Norte para a Europa, Médio Oriente e Ásia (Neimeyer et al, 2004).

Ao longo das várias décadas em que se processou o desenvolvimento de investigações em torno das atitudes perante a morte e da sua mensuração foram-se desenvolvendo áreas mais ou menos consistentes em torno das quais podem ser agregados alguns dos estudos realizados no âmbito das atitudes perante a morte (Neimeyer e Fortner, 1997; Neimeyer et al, 2004):

3.1.1 Atitudes perante a morte no envelhecer

Encontramos, de uma forma sucinta, neste âmbito: a) estudos que apontam para a presença de níveis mais elevados de ansiedade perante a morte associados ao envelhecer (Feifel, 1956; Feifel e Branscomb, 1973; Feifel e Nagy, 1980), b) estudos que não encontram relação significativa entre o envelhecimento e o surgimento de atitudes negativas ou de maior ansiedade face à morte (Lester, 1967; Wittkovsky, 1988) e c) estudos que encontram no envelhecimento menor incidência de atitudes negativas e de ansiedade perante a morte se compararmos com fases de ciclo de vida diferentes (Gesser, Wong e Reker, 1987-88; Neimeyer, 1985; Thorson e Powell, 1989).

Os estudos mais recentes abordando esta temática parecem apontar para um aumento da ansiedade perante a morte nos indivíduos mais velhos, quando têm cumulativamente: 1) problemas de saúde, 2) história de problemas psicológicos anteriores, 3) menor crença religiosa, 4) menor satisfação perante a vida e 5) vivência diária em lares ou instituições por contraposição com os que estão em suas casas (Fortner, Neimeyer e Rybarczyk, 2000). Quando se procede à comparação dos valores obtidos entre idosos da mesma faixa etária, parecem existir diferenças no tipo específico de medo perante a morte que apresentam, podendo este ser influenciado por perdas mais ou menos recentes que viveram (Thorson e Powell, 1994; Florian e Mikulincer, 1997) e as atitudes também variam significativamente consoante a proveniência cultural (DePaola, Griffin, Young e Neimeyer, 2003).

O evoluir dos estudos neste domínio parece indicar a necessidade de especificar os contextos de estudo face aos mais idosos pois as diferenças encontradas, sobretudo ao nível das atitudes, serão difíceis de explicar apenas recorrendo à fase do ciclo de vida em que as pessoas se encontram e não tendo em conta as suas experiências enquanto indivíduos (Kastenbaum, 2000; Wong, 2000).

3.1.2 Atitudes perante a Morte na doença

Os estudos conduzidos por Feifel e Branscomb (1973) são dignos de nota também neste campo, por terem procurado estudar as atitudes individuais perante a morte em situações muito diferentes, tais como: doenças terminais, doenças crónicas e degenerativas, doenças mentais de diversos foros, doentes institucionalizados e não institucionalizados, comparando depois os resultados obtidos com os de pacientes saudáveis. Feifel e Branscomb (1973) não encontraram diferenças significativas, ao nível do medo consciente da morte, nas diversas populações em estudo, no entanto, a simplicidade da medida escolhida para averiguar o nível consciente do medo da morte (uma única

pergunta com justificação pedida: “Tem medo da sua própria morte? Porquê?”) poderá naturalmente ter contribuído para um menor alcance dos resultados obtidos.

Para além do estudo de Feifel et al (1973) outras investigações chegaram a resultados inconclusivos no que respeita a relação entre a doença e o medo da morte (Robinson e Wood, 1984; Wagner e Lorion, 1984).

Houve no entanto alguns investigadores que encontraram resultados que parecem mostrar uma maior incidência de ansiedade perante a morte em alguns contextos específicos de doença (Fortner e Neimeyer, 1999; Kureshi e Hussein, 1981) quando comparados com os resultados de pessoas saudáveis.

O contexto onde maiores diferenças têm sido detectadas, talvez pela investigação mais intensiva desenvolvida nas últimas duas décadas é a dos doentes com HIV positivo ou com SIDA. Várias investigações demonstraram existirem nestes pacientes níveis mais elevados de ansiedade perante a morte, sobretudo em indivíduos com pouco suporte social e recursos económicos (Neimeyer et al, 2004).

Outros estudos conduzidos nesta área parecem demonstrar que são variáveis como o sentido de vida ou o grau de religiosidade, e não tanto a doença per se, que contribuem para a maior ou menor ansiedade perante a morte apresentada pelos indivíduos (Tedeschi, Park e Calhoun, 1998).

3.1.3As atitudes perante a morte nas perturbações psicopatológicas

Vários estudos focaram a forma como a morte é percepcionada em diferentes tipos de perfis tidos como psicopatológicos. Inicialmente estudos de caso qualitativos, permitem perceber o tipo de reacções de maior aproximação ou de evitamento face à morte, em indivíduos com diagnóstico de patologias como a esquizofrenia, a psicose maníaco- depressiva, a ansiedade fóbica ou a depressão, embora sejam de extrapolação duvidosa (Gordon, 1961).

Estudos posteriores desenvolvidos por Feifel e Herman (1973) não conseguiram distinguir doentes neuróticos de doentes psicóticos face aos níveis de ansiedade perante a morte em nenhum dos três níveis de análise (consciente, fantasia e inconsciente), nem encontraram diferenças significativas entre estes grupos e amostras de pessoas sem diagnóstico no âmbito da psicopatologia.

Estudos mais recentes, ao invés de recorrer a população com diagnóstico no âmbito da psicopatologia, aplicaram escalas destinadas a medir estas características em amostras de população geral tendo analisado a sua correlação com os resultados obtidos em escalas de mensuração de atitudes perante a morte. Alguns destes estudos (Howells e Field, 1982; Westman e Brackney, 1990) concluíram que níveis mais elevados de neuroticismo estão associados a níveis mais elevados de ansiedade perante a morte. Outros estudos procuraram investigar as diferenças entre a ansiedade causal (estado) e a ansiedade global (traço) nos resultados em escalas de ansiedade perante a morte, conseguindo verificar que os indivíduos que apresentam níveis mais elevados de ansiedade perante a morte também apresentam valores mais elevados de ansiedade geral (Conte, Weiner e Plutchik, 1982) e que a elevação da escala da depressão do MMPI e na escala de depressão de Zung, acompanha os valores mais elevados de ansiedade perante a morte obtidos em populações psiquiátricas (Loneto e Templer, 1986 cit p. Neimeyer et al, 2004).

Um estudo particularmente interessante desenvolvido por Lester (1987) mostrou que os adolescentes que apresentavam ideação suicida apresentavam níveis mais baixos de medo perante a morte do que os adolescentes que não apresentavam esta ideação.

3.1.4 As atitudes perante a morte em diferentes vivências religiosas

Quase todos os estudos em que foi tida em conta a variável “religiosidade” parecem indicar que níveis mais elevados de crença religiosa exercem um efeito atenuador nos níveis de ansiedade ou de medo perante a morte (Feifel e Branscomb, 1973; Feifel e

Nagy, 1981; Rigdon e Epting, 1985; e Thorson e Powel, 1990). Esta tendência acompanha os estudos transculturais (Suhail e Akram, 2002).

Outros estudos mais específicos como os de Florian e Kravetz (1983) relativamente à religião judaica e os de Abdel Khalek (1998) em relação à religião muçulmana mostraram que diferentes graus de religiosidade podem reflectir diferentes tipos específicos de medo perante a morte e não necessariamente a diminuição de medo.

3.1.5 As atitudes perante a morte nas profissões de saúde e nos prestadores de cuidados em geral

Embora tenhamos já referido aspectos mais específicos deste tema no capítulo referente aos profissionais de saúde perante a morte, importa referir uma conclusão central do trabalho pioneiro de Herman Feifel nesta área. Feifel (1969) refere ter sido, por várias vezes, alvo de bloqueios sistemáticos aos seus estudos acerca das atitudes perante a