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Estudos incidindo sobre médicos e enfermeiros

2.3 C ONSEQUÊNCIAS ESTUDADAS DA EXPOSIÇÃO À MORTE E A OUTROS ASPECTOS STRESSANTES NAS

2.3.1 Estudos incidindo sobre médicos e enfermeiros

O contacto com situações crónicas graves ou para as quais já se esgotaram os recursos médicos e terapêuticos disponíveis, desencadeia muitas vezes desmotivação e perda de sentido nas vidas de médicos e enfermeiros. Para além do contacto com a morte antecipada, a morte efectiva de pacientes com os quais os profissionais de saúde tinham relações mais próximas, a morte de pacientes que não se conseguiram curar apesar de todos os esforços realizados, a morte de pacientes jovens ou as mortes ocorridas com menos dignidade do que a que se desejava, podem gerar níveis elevados de angústia nos profissionais de saúde. Para Redinbaugh et al (2001, p.187) “Persistent exposure to

patient death can increase the daily work strain experienced by health care professionals and lead to a profound sense of grief”.

Um estudo de Artiss e Levine (1973) demonstrou que os médicos, sobretudo no início de carreira, apresentam níveis de ansiedade e depressão muito significativos associados ao trabalho desenvolvido em serviços em que têm de cuidar e relacionar-se proximamente com doentes terminais e suas famílias.

Lyal, Vachon e Rogers (1976) reportaram que os enfermeiros recém-chegados a uma unidade de cuidados paliativos apresentavam níveis de angústia semelhantes aos de viúvas recentes e aos de pacientes sujeitos a radioterapia para tratar um cancro de mama recentemente diagnosticado

Numa linha de investigação semelhante, Feldstein e Gemma (1995) realizaram um estudo com 50 enfermeiras a desenvolver actividade profissional em serviços de oncologia de adultos. Constataram que os níveis de angústia, isolamento social e somatização apresentados nas respostas ao Grief Experience Inventory (GEI) de Sanders, Mauger e Stong (1978, cit p. Feldstein e Gemma, 1995) eram significativamente mais elevados do que os apresentados por víuvas recentes.

Queirós (1999) constatou que, após a perda de um doente, alguns médicos e enfermeiros necessitavam eles próprios de apoio para conseguir voltar a prestar cuidados a pacientes em final de vida, devido ao processo de luto a que estavam sujeitos continuamente.

Irwin (2000) também verificou, em estudos de caso realizados com enfermeiras a trabalhar em lares de terceira idade, que as múltiplas perdas a que estavam sujeitas constituíam o aspecto a que atribuíam o estatuto de factor de maior desgaste emocional, sobretudo as mortes dos pacientes com quem tinham maior proximidade relacional. Revicki e Whitley (1995: 256) num estudo tranversal com 1119 jovens médicos a realizar o seu internato em serviços de urgência, mostraram que estes apresentavam níveis significativamente elevados de stress relacionados com o seu trabalho e que: “…work-

related stress was strongly related to the development of depression symptoms”. Um dos

elementos que os indivíduos em causa reportavam ser dos aspectos que mais contribuía para o seu stress ocupacional, consistia na incerteza sentida diariamente no desempenho das suas funções. Para os autores, esta incerteza deriva de vários aspectos entre os quais se encontra o contacto com a morte: “Working with intensely emotional aspects of

medical care, such as suffering, fear and death and handling difficult patients, contributes to uncertainty within medical practices” (Revicki e Whitley (1995: 247).

Um outro estudo realizado através de entrevistas a 30 médicos oncologistas brasileiros, por Klafke (1991) constatou que cerca de 50% destes médicos admitia sentir dificuldades na comunicação com os seus pacientes terminais, por não saber o que dizer e 80% afirmavam apresentar sentimentos negativos associados ao contacto com os seus pacientes terminais, nomeadamente: impotência, tristeza, frustração, revolta, ansiedade, depressão, angústia e desgaste emocional.

Procurando avaliar outros comportamentos associados ao contacto díficil com a morte por parte dos profissionais de saúde com formação médica, Ellison e Ptacek (2002) realizaram um inquérito a 143 médicos acerca das suas práticas quanto ao contacto com os familiares dos seus pacientes após o seu falecimento. Constataram que a maioria dos médicos a exercer em cuidados paliativos, na sequência do falecimento de um paciente, evitava qualquer contacto adicional com a família (e.g. Através de um telefonema, cartão de condolências, participação no ritual funerário ou visita a casa), sobretudo se esta implicasse um contacto presencial. Curiosamente constataram que o número de anos de experiência ou um maior número de pacientes falecidos não modificava o comportamento dos médicos face ao contacto com a família depois da morte do paciente: “...the

physicians who experienced more patient deaths in their practices were not more likely to interact with families or caregivers than those with fewer anual deaths in their practices. Actual family contact at wakes, memorial services, funerals, or viewings was even less common.” (Eliason e Ptacek, 2002: 53).

Whippen e Canellos (1991) avaliaram as respostas de 598 médicos oncologistas a um questionário contemplando diversos aspectos que podiam contribuir para o aumento do stress profissional sentido. Entre a amostra, 53% dos médicos atribuíam a maior parcela do stress vivido profissionalmente à exposição excessiva à morte dos seus pacientes e 42% afirmavam que a sua maior fonte de stress profissional, consistia na reduzida taxa de sucesso dos tratamentos para salvar a vida dos doentes. Verificaram igualmente que a maioria destes médicos (56%) reportava sentir frustração e sentimentos de

incapacidade persistentes no desempenho das suas profissões, não apenas devido à natureza dos cuidados prestados, mas igualmente ao excesso de horas de trabalho associado a pouco tempo de descanso.

Tucunduva, Garcia, Prudente, Centofanti, de Souza, Monteiro, Vince, Samano, Gonçalves e Del Giglio (2006), procuraram operacionalizar o desgaste emocional apresentado por 136 oncologistas brasileiros através do Maslash Burnout Inventory (MBI) de Maslash (1979). Constataram, à semelhança do estudo anterior, que 55,8% dos médicos apresentavam níveis clinicamente significativos na escala de exaustão emocional, 96,1% apresentava valores clinicamente significativos na escala de despersonalização e 23,4% apresentava níveis significativamente reduzidos na escala de realização pessoal. Quando pedido aos médicos a sugestão de medidas que poderiam contribuir para aliviar o seu stress profissional, estes maioritariamente sugeriam a redução do número de pacientes por médico bem como a diminuição do trabalho burocrático a cargo dos médicos.

Também Schaufelli, Keijsers e Miranda (1995) que compararam 508 enfermeiras a trabalhar em unidades de cuidados intensivos com 667 enfermeiras colocadas em serviços de outra natureza, constataram que os seus níveis de Burnout das primeiras, medidos pelo MBI eram significativamente mais elevados. Apresentavam valores muito distintivos, sobretudo no que respeita à despersonalização e realização pessoal. Para os autores, estes valores devem-se sobretudo ao elevado grau de desgaste provocado pela interacção continuada com os pacientes mediada por tecnologia complexa e pelos baixos níveis de satisfação relacional retirada da relação com doentes em estado considerado muito grave que têm pouca ou nula capacidade de retribuir emocionalmente a gratidão pelo esforço dos profissionais de saúde: “Where technology is more intensively used,

É de salientar o papel que as diferenças observadas ao nível das funções desempenhadas, na tomada de decisões e acompanhamento em torno dos pacientes em fase final de vida, por diferentes grupos profissionais inseridos numa mesma equipa. Vários estudos demonstraram existir uma tendência acentuada para centrar todas as decisões relativas ao prolongamento de vida, uso de terapêuticas mais ou menos agressivas em pacientes terminais, retirada de suporte essencial de vida, entre outras, no pessoal com formação médica, sem que sejam envolvidos outros profissionais, pacientes ou seus familiares (Field, 1998; Kuuppelomaki e Lauri, 1998; Cardoso, Fonseca, Pereira e Lencastre, 2003). O que se torna contrastante é serem os profissionais com formação em enfermagem os que, na quase totalidade dos serviços, prestam cuidados a pacientes em final de vida, sendo aqueles que mais cuidados físicos e de conforto prestam e maior grau de interação relacional têm com os pacientes e com os seus familiares. Para além do seu relacionamento mais próximo também a eles cabe a execução física das decisões médicas acerca do final de vida daquele paciente, bem como os cuidados ao corpo depois da morte e a maior parcela de interacção com a família (Cooper e Mitchell, 1990; Alexander e MacLeod, 1992; SPAF, 1999). Esta aparente divisão de campos de acção, apesar de transversal a muitas outras áreas da saúde, torna-se mais difícil em situações de final de vida dos pacientes, pois isola as pessoas e gera mais desgaste do que o já provocado pelo contacto com a morte em si (Porta, Busquet e Jariod, 1997; Beckstrand e Kirchoff, 2005). Por um lado, o pessoal médico sente-se isolado num processo de decisão profundamente difícil e com consequências irreversíveis (Graham, Ramirez, Cull, Gregory, Finlay, Hoy e Richards, 1996), por outro o pessoal de enfermagem (e não só) também se sente fora do processo: “Nurses don´t have control over the decisions and

decision-making and that can be a stress for them.” (Vachon, 1987: 56).

Esta cisão de papéis parece ter implicações concretas no bem-estar manifestado pelos profissionais de saúde. Num estudo de Velgaard e Addington-Hall (2005) com 347 médicos e enfermeiros a trabalhar em unidades de cuidados paliativos, constataram que

os médicos apresentavam atitudes significativamente mais negativas face aos pacientes em fase final de vida e afirmavam que a sua actividade profissional era pouco gratificante, quando comparados com os enfermeiros. No entanto os enfermeiros apresentavam níveis significativamente mais elevados de ansiedade perante a morte do que os médicos.

Maslach e Jackson (1982) avaliaram através do MBI, médicos e enfermeiros nos vários aspectos relativos ao síndrome de burnout (exaustão emocional – diminuição dos recursos emocionais e sentimento crescente de que já não se tem nada para dar aos outros, despersonalização – desenvolvimento de atitudes negativas face aos outros e tendência ao isolamento e realização pessoal – desilusão e baixas expectativas face ao seu desempenho profissional. Constataram que, embora ambos os grupos ocupacionais apresentassem valores significativamente mais elevados do que outras populações no que respeita à exaustão emocional, os médicos apresentavam valores muito superiores face aos enfermeiros no que respeita à despersonalização. Para Maslach e Jackson (1982) o facto dos enfermeiros terem uma relação de maior proximidade física e relacional com os pacientes cumpre uma função protectora relativamente a este aspecto do burnout. Sendo assim, o pessoal com formação médica teria maior risco de isolamento, o que aumentaria as dificuldades de comunicar eficazmente em equipa e consequente a insatisfação e o desgaste causado por este aspecto.