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A partir do séc. XIX, a morte passa a ser vista como mais romântica pois permite a reunião dos seres que se amam. Existe uma marcada crença na vida para além da morte, embora se dissipe a ideia de Juízo Final ou a de Purgatório. A morte traduz agora a possibilidade de evasão e de libertação da alma.

Surgem vários movimentos, na maior parte das vezes alternativos, à religião católica, que enquadram de forma natural a crença na continuidade da vida depois da morte e na capacidade dos que estão vivos comunicarem com os espíritos dos que já morreram. Surge um interesse crescente nas experiências envolvendo a questão da sobrevivência da alma, expresso em inúmeras obras publicadas durante este século e durante as primeiras décadas do séc. XX. A Sociedade dos Fantasmas, fundada em 1852 por Edmund Benson, é disto exemplo (Ariés, 1988).

Um outro aspecto interessante nesta época é o desaparecimento das cláusulas piedosas dos testamentos e a maior simplicidade nos rituais funerários. Em séculos anteriores era expectável que a pessoa no momento da morte colocasse ao dispor da Igreja as suas posses, como forma de demonstrar o seu desprendimento e humildade e assim ser

favorecida no momento da sua morte. No séc. XIX, as relações familiares tornam-se mais estreitas e os testamentos que distribuem os bens materiais, para além de os destinarem essencialmente aos que são próximos, passam a ser cartas mais informais, destinadas à família e amigos próximos, em que a pessoa antes de falecer expressa os seus desejos e sobretudo o seu afecto pelos que deixa vivos.

Cultiva-se a recordação dos mortos com grande intensidade afectiva, outrora inusitada (ex: fotografias dos mortos expostas, jóias de recordação em forma de medalhões, com uma fotografia e madeixas do cabelo da pessoa falecida e igualmente anéis e pulseiras entrelaçados com os cabelos da pessoa).

Durante o séc. XIX a imagem de um céu e de um purgatório apresentadas pela Igreja vão perder adeptos entre os que preferem pensar a morte como a possibilidade de reencontrar os seus mortos.

A transição para a morte é feita, regra geral, no seio familiar e apresenta-se igualmente como um ritual social no qual as pessoas, que conhecem quem está a morrer, visitam a sua casa para se despedirem e ouvirem as suas últimas palavras e desejos.

Os cemitérios são, a partir do séc. XIX, maioritariamente amplas zonas públicas próximas das povoações e providas de espaços verdes, onde as pessoas podem permanecer, durante algum tempo, junto dos restos mortais dos seus entes queridos (Ariés, 1988). Junto das campas surgem de modo mais disseminado as cruzes em pedra, as esculturas representando as pessoas (sobretudo crianças) em tamanho real e os jazigos familiares que assumem a forma de pequenas igrejas ou capelas, lembrando o tempo em que os corpos aí eram inumados em séculos anteriores.

O século da especialização

O século XIX, traz uma fase de amplificação de especialização do progresso científico, coincidente com o período que compreende a revolução industrial: “Medicine had been

scientific in intention for a long time. But only during the nineteenth century did it become to a large extent scientific in fact” (Ackerknecht, 1982:145).

Ao longo do séc. XIX grandes avanços científicos ocorreram ao nível da imunização com as descobertas de Pasteur, Koch e Lister, da compreensão da vida ao nível celular com Schwann, von Mohl, Goodsir e Virchow e do entendimento de mecanismos de contágio de doenças com Henle. Grandes avanços foram igualmente conseguidos em campos como os da Microbiologia, Histologia, Embriologia, Fisiologia, Patologia, Endocrinologia. Encontra-se uma nova face: a da Medicina laboratorial.

Outro dos contributos mais importantes para a actual prestação de cuidados científicos surge com a descoberta dos raios-X feita por Von Rontgen, e estudada meticulosamente por Marie e Pierre Curie até vir a tomar a forma visível da Radioterapia.

A Anestesia torna-se uma realidade com tentativas cada vez mais próximas da realidade actual. Da prática mais ancestral recorrendo a bebidas alcoólicas ou ao ópio, surgiram sucessivas tentativas recorrendo ao éter, ao protóxido de azoto, à cocaína e mais tarde ao clorofórmio (Sournia, 1992).

Ao nível dos cuidados prestados em áreas de especialidades médicas, grandes avanços foram produzidos globalmente ao nível da assepsia com a esterilização e especificamente ao nível das técnicas e conhecimentos em Ginecologia e Obstetrícia, sendo a cesariana estabelecida como um procedimento cirúrgico de rotina durante o século XIX, em Ortopedia, Oftalmologia, Otorrinolaringologia e Pediatria (Ackerknecht, 1982).

A profissão de Enfermagem surge nesta época com a primeira escola de enfermagem a emergir na Alemanha pela iniciativa de um pastor protestante, Theodor Fliedner, cujo empreendimento influencia a jovem Florence Nightingale que tornou possível o exercício profissional da enfermagem em Inglaterra associada ao ensino especifico e sistematizado e não apenas uma obra de caridade realizada por religiosas sem preparação, como havia sido desde a idade média (Walker, 1958).

Também no séc. XIX assistimos a movimentos sociais que procuravam implementar mudanças importantes no campo da saúde pública sendo dois dos mais importantes contributos os desenvolvidos por Johann Frank e Edwin Chadwick. Estes alertaram para as relações entre a pobreza e a doença e para a necessidade de desenvolver de forma sistematizada o saneamento básico e a higiene, bem como proporcionar um acesso global das populações à saúde. John Simon vai alargar as suas preocupações fazendo o levantamento estatístico das principais causas de mortalidade das populações da época bem como realizar um estudo aprofundado dos elementos tóxicos em meio laboral industrial.

Os primeiros hospitais orientados para a prestação de cuidados curativos mais especializados vão ganhar relevo durante o séc. XIX, permitindo concentrar num só local vários profissionais de saúde e diferentes unidades de cuidados. Inicialmente estabelecidos em torno de ordens religiosas será no século seguinte, sobretudo a partir da primeira grande guerra mundial, que se irão tornar entidades separadas da prática religiosa.