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O Purpose in Life Test ou Teste de Propósito e Sentido de Vida (PIL)

4.2 INSTRUMENTOS E SENTIDO DE VIDA

4.2.1 O Purpose in Life Test ou Teste de Propósito e Sentido de Vida (PIL)

Crumbaugh e Maholick (1964) procuraram, através deste teste (PIL), tornar quantificável o conceito de propósito e de sentido de vida e medir o grau de frustração existencial de acordo com a formulação de Frankl. Para Frankl a essência humana reside na motivação para encontrar um sentido para a vida. Quando não o consegue, o indivíduo entra num estado de frustração existencial que, conjugado com outros factores, pode espoletar perturbações do foro psicopatológico como a neurose noogénica (Frankl, 1985, 1986, 1988).

Existem inúmeras questões levantadas (Shapiro, 1988, Peralta, 2001 e Peralta e Silva, 2003) em torno do nome escolhido para o teste, uma vez que na obra de Frankl é sobretudo e consistentemente o termo “meaning in life” e não “purpose in life” que aparece como central.

Pensamos, no entanto, que algo pode contribuir para a clarificação desta dúvida, uma vez que os autores nunca a abordaram directamente. Assim, apesar de Crumbaugh e Maholick (1964) terem apelidado o seu teste de “Purpose in Life”, os autores nunca distinguiram objectivamente o conceito de “purpose” (objectivo ou propósito) do de “meaning” (significado ou sentido). Ambos os termos são sistematicamente, tratados como equivalentes ou complementares: “The purpose of the present study is to carry

further the quantification of the existential concept of “purpose” or “meaning in life” in particular to measure the condition of existential frustration (…)” (Crumbaugh e Maholick,

1964, p.201). Esta aparente sinonímia está patente ao longo de todo este artigo e em outros artigos dos autores, sempre que se referem aos aspectos medidos pelo seu teste:

”Results yielded high scores on the PIL, suggesting that a high degree of purpose and meaning in life is both possessed and needed (…)” (Crumbaugh, Raphael e Shrader, 1970 p. 207) ou “The Purpose in Life Test indicates the degree to which meaning and purpose in life has been found” (Crumbaugh, 1977, p.900).

Pensamos assim que a escolha do termo “purpose in life” para o teste poderá ter sido feita por razões menos objectiváveis, tais como a necessidade de distinguir este contributo do provido pelo Questionário de Frankl, desenvolvido com metodologia qualitativa por Frankl e quantitativamente por Crumbaugh e Maholick (1964) em estreita colaboração com o autor. O Questionário de Frankl é um breve questionário para uso clínico, destinado a medir o grau de “meaning of life” e a presença de frustração existencial (Crumbaugh e Maholick, 1964, p.204).

Por estes motivos, utilizaremos não apenas o termo “propósito de vida”, mas o termo conjugado “ propósito e sentido de vida” para nos referirmos ao constructo medido pelo teste. Também propomos que a denominação portuguesa do teste seja a de “Teste de Propósito e Sentido de Vida”, pelos motivos anteriormente expostos.

Para os autores do PIL, o conceito de propósito e sentido de vida pode ser definido como a interpretação ontológica da vida na perspectiva do indivíduo que a experimenta.

O PIL pretende ser uma escala atitudinal construída especificamente para elicitar respostas que os autores consideraram relacionadas com o grau de propósito e sentido de vida experimentado pelas pessoas em geral.

Os itens foram formulados tendo por base uma revisão de literatura de orientação existencialista, com ênfase particular no contributo de Viktor Frankl, na procura de aspectos que permitissem discriminar as pessoas ditas normais de pessoas com diversos tipos de perturbação mental ou comportamental, nomeadamente no âmbito da psicopatologia.

No estudo preliminar que deu origem ao PIL, este instrumento continha 25 itens dos quais cerca de metade foi eliminada, introduzidos outros e reformulados alguns, dando origem a uma escala final com 22 itens, que foi a utilizada por Crumbaugh e Maholick em 1964. Posteriormente, em 1968, o PIL foi novamente testado e sofreu as alterações que reduziram a 20 o número de itens que o compõem actualmente (Crumbaugh, 1968).

Um dos aspectos mais curiosos do PIL é o modo como são formulados os itens. Cada item está formulado com a sua própria escala de Likert de sete pontos mas contém a singularidade de por baixo de cada um dos extremos da escala (por baixo do 1 e do 7) conter afirmações específicas escritas, relativamente ao item em causa, para orientar o indivíduo na sua resposta. Sendo assim, fornece simultaneamente uma escala de Likert e uma de diferencial semântico e torna cada item uma espécie de escala dentro de outra escala. Segundo Crumbaugh e Maholick (1964), através da conjugação de âncoras qualitativas a ilustrar extremos quantitativos de um modo específico “the scale would be

less monotonous and would stimulate more meaningful responses” (p.202).

A pontuação final é calculada através da soma simples das pontuações obtidas. Na versão de 20 itens, as pontuações totais obtidas no PIL variam entre 20 e 140, representando respectivamente o mais baixo e o mais elevado grau de propósito e de sentido de vida (Crumbaugh 1968).

No primeiro estudo em torno do PIL (Crumbaugh e Maholick, 1964), este instrumento foi aplicado conjuntamente com outros três (o Questionário de Frank (Frankl, 1960), a Escala Allport-Vernon-Lindzey de Valores (A-V-L) (Allport, Vernon e Lindzey, 1960) e o Inventário Multifásico de Personalidade do Minessota (MMPI) (Hathaway e Mckinley, 1943)) a um total de 225 indivíduos de ambos os sexos e com idades entre os 17 e os 50, entre os quais se encontravam grupos constituídos por: 1) pessoas saudáveis e sem patologia psiquiátrica (n=105), todos estudantes, 2) pacientes não internados mas com diagnóstico e acompanhamento psiquiátricos por patologias variáveis (n=99) e 3) pacientes internados por alcoolismo crónico (n=21).

Os resultados obtidos discriminaram, de forma estatisticamente significativa, as populações de não pacientes das de pacientes, tanto nos itens, quanto no resultado global obtido. Os níveis mais elevados (maior grau de propósito e sentido de vida) foram constatados nas populações de estudantes sem patologia e os níveis mais baixos nos pacientes internados.

O objectivo dos autores de, através do PIL, distinguir uma nova entidade nosológica (a neurose noogénica provocada pela incapacidade para encontrar propósito ou sentido de vida) foi frustrado de uma forma clara. Apesar disso, os autores afirmam que o PIL poderá ser uma medida de neurose noogénica porque constataram a existência de: 1) fortes correlações positivas entre os resultados obtidos no PIL e os obtidos no Questionário de Frankl (especificamente destinado a medir o grau de sentido ou propósito de vida e a presença de frustração ou vazio existencial, que antecederia a neurose noogénica) e 2) baixas correlações com o MMPI mostram que o que distingue pacientes de indivíduos sem patologia poderá não ter a ver com as configurações clássicas de psicopatologia (tríade neurótica e psicótica, etc.) traçadas pelo MMPI, mas sim com algo que o PIL mede especificamente.

Julgamos que a dimensão modesta da amostra bem como o tipo de população estudada e o tipo de grupos constituídos, com divergências importantes quer a nível etário quer ao nível educacional, bem como os instrumentos usados como suporte na validação do PIL podem, per se, ter dificultado a formulação de conclusões mais estruturadas do estudo de 1964.

Foram estes aspectos que Crumbaugh (1968) procurou colmatar. Desta forma, aplicou o PIL a uma população de 1140 pessoas de entre as quais 805 constituíam a amostra de população normal e 335 a população de pacientes psiquiátricos. Na amostra de população não psiquiátrica, Crumbaugh (1968) incluiu mais grupos de estudo do que em 1964: profissionais de sucesso, praticantes activos e líderes do movimento religioso protestante, estudantes de liceu e indigentes. Na amostra de pacientes psiquiátricos incluiu, neuróticos (não internados e internados), alcoólicos internados, esquizofrénicos internados e psicóticos internados.

Os valores foram significativamente mais elevados nos grupos normais do que nos de pacientes psiquiátricos sendo os mais elevados obtidos pelo grupo de profissionais de sucesso (média=119) e os mais baixos obtidos pelo grupo de psicóticos internados (média=81).

Dois anos mais tarde Crumbaugh, Raphael e Shrader (1970) voltaram a testar o PIL no seio de uma comunidade religiosa de freiras dominicanas. O instrumento foi aplicado a 56 noviças da ordem religiosa. Verificou-se que estas obtinham resultados médios de 119, equiparáveis aos obtidos pelo estudo de 1968 para os profissionais de sucesso e que os valores obtidos no PIL estavam positiva e significativamente correlacionados com as avaliações da sua capacidade realizadas pelas Madres superioras, embora não conseguissem prever quais as noviças que iriam continuar e as que iriam desistir do seu percurso religioso.

Em 1977 Crumbaugh estudou em simultâneo o PIL com um novo teste: o SONG (Seeking of Noetic Goals) destinado a medir o grau de motivação para procurar um sentido e propósito para a sua vida. Crumbaugh (1977) esperava encontrar uma correlação negativa entre ambos os testes, uma vez que quanto maior fosse o propósito ou sentido de vida avaliado pelo sujeito menor seria a força da sua motivação para procurar estes mesmos aspectos e vice-versa. As populações escolhidas incluíram indivíduos sem patologia diagnosticada (seminaristas e estudantes universitários) (n=103) e pacientes com diagnósticos variados, a receber tratamentos específicos (logoterapia, metadona e tratamentos para o alcoolismo) (n=206). Neste estudo o autor conclui pela corroboração d a hipótese de complementaridade entre o PIL e o SONG. Expressa assim interesse no uso conjunto de ambos os instrumentos para identificar configurações que permitam melhor compreender o nível de sucesso de uma abordagem terapêutica. A esta conclusão chegaram igualmente Reker e Cousins (1979) que aconselharam o uso conjunto do PIL e do SONG como forma de: diagnosticar o funcionamento ao nível dos mecanismos de procura de propósito e sentido de vida e também para escolher a melhor abordagem terapêutica para um determinado indivíduo. Para além destes estudos, o PIL continuou a ser amplamente testado e utilizado por diversos investigadores, tornando-se uma medida “padrão” no que respeita ao propósito e sentido de vida.

Um dos primeiros estudos que utilizou o PIL em investigação, com grande relevância para o trabalho desenvolvido nesta tese, foi o de Durlak (1972). Neste estudo o autor procurou averiguar a relação entre o propósito e sentido de vida, medido pelo PIL, e as atitudes perante a morte, medidas pela “Escala de medo perante a morte” de Collet- Lester e por um diferencial semântico para classificar de uma forma mais positiva ou negativa a Vida e a Morte. Com 120 sujeitos (80 estudantes universitários e 40 de liceu) constatou que uma associação negativa entre o propósito e sentido de vida e o medo da morte bem como entre o propósito e sentido de vida e as atitudes mais positivas e de aceitação face à morte (no diferencial semântico).

Um dos estudos mais relevantes do ponto de vista do estudo das qualidades psicométricas do PIL foi conduzido por Chamberlain e Zika (1988a). Neste estudo compararam as estruturas factoriais de três testes destinados a medir o sentido de vida (PIL, Life Regard Index – LRI e Sense of Coherence – SOC). Da sua aplicação a uma amostra de 194 respondentes, concluíram que: “For researchers wishing to use a general

measure of meaning in life, Crumbaugh´s (1968) PIL appears to be the most useful of the three examined here” (Chamberlain e Zika, 1988a, p. 595). Outros estudos atribuíram

igualmente qualidades psicométricas muito favoráveis ao PIL, quer no que respeita à sua consistência interna e estabilidade temporal mesmo em populações não anglófonas (Reker, 1977; Shek, 1988), quer no que se refere à sua validade de constructo e concorrente (Zika e Chamberlain, 1992). Num estudo transcultural de grande dimensão envolvendo população adolescente de diferentes países e com diferentes línguas (Suíça, Rússia e Estados Unidos da América) foram igualmente testadas as qualidades psicométricas do PIL e do SONG (Sink, Purcell, Keppel e Gomper, 1997). Os autores concluíram que o PIL mantinha a sua estrutura factorial original embora o mesmo não se verificasse para o SONG. Num outro estudo conduzido na Nigéria por Akande e Odewale (1994) com adolescentes, o PIL demonstrou manter as suas qualidades psicométricas. Foram também encontrados resultados que associaram os valores mais elevados obtidos no PIL a resultados também eles elevados de satisfação geral com a vida, extroversão,

estabilidade emocional, atitude positiva face à vida (Chamberlaine Zika, 1988b; Akande e Odewale, 1994; Robak e Griffin, 2000). Os resultados mais baixos do PIL foram associados a níveis mais elevados de depressão (Philips, 1980; Klass, 1998), à esquizofrenia (Henrion, 1983; Pearson e Sheffield, 1989), às perturbações psicopatológicas gerais (Moomal, 1999) e aos problemas de alcoolismo e consumo de substâncias (Harlow, Newcomb e Bentler, 1986; Waisberg e Porter, 1994).

Foi amplamente testado exclusivamente com amostras de estudantes do ensino superior e de liceu relacionando os valores obtidos no mesmo com diversos aspectos tais como a orientação religiosa e sistema de valores (Crandall e Rasmussen, 1975; Dufton e Perlman, 1986), satisfação com a vida e motivação (Walters e Klein, 1980), tipos de actividades desenvolvidas nos tempos livres (Molasso, 2006), depressão e locus de controlo (Phillips, 1980).

O PIL foi também estudado conjuntamente com a consciência da própria mortalidade (Drolet, 1990), com a ansiedade perante a morte (Durlak, 1972; Quinn e Reznikoff, 1985; Drolet, 1990), com a vivência de perdas muito significativas como a morte de um filho (Florian, 1989), com o surgimento de uma doença oncológica (Henrion, 1983) ou associado ao processo de envelhecimento (Drolet, 1990; Klass, 1998).

Sendo uma medida tão extensamente usada, o PIL não está isento de críticas. Alguns autores criticaram a estrutura e formulação dos itens que afirmaram ser “confusing to the test taker“ (Harlow, Newcomb e Bentler, 1987 p.235). Assim sendo, propuseram uma reformulação do PIL (o PIL-R) na qual alteraram a formulação escrita dos itens bem como retiraram uma das qualificações dos pontos de resposta extrema na escala de Likert com o intuito de facilitarem a compreensão. Propuseram, ao invés de um factor geral, quatro factores denominados de: falta de sentido de vida, sentido de propósito positivo, motivação para o sentido, e confusão existencial. Existe já uma versão do PIL-R adaptada à população portuguesa de idade adulta avançada (Peralta, 2001; Peralta e Duarte, 2003).

Vários outros autores sugeriram igualmente que o PIL teria uma estrutura multifactorial e não um só factor global (Chamberlain e Zika, 1988a; Reker e Cousins, 1979; Shek, 1986; Dufton e Perlman, 1986).

Dick (1987) criticou o PIL acusando-o de constituir apenas uma medida indirecta da depressão e, logo, inadequado para medir o sentido de vida. No entanto, Zika e Chamberlain (1992) contestaram esta acusação afirmando que a relação também se encontra com outras variáveis da saúde mental que não a depressão e concluem que: “people who lack meaning are likely to show detrimental effects in all aspects of their

psychological functioning.” (Zika e Chamberlain, 1992, p. 142).

Ebersole e Quiring (1988) questionaram a permeabilidade do PIL à desejabilidade social, no entanto, concluíram que: ”…social desirability is only a minor factor on the PIL (…)

thus exonerating the PIL from this problem” (Ebersole e Quiring, 1988 p.306). Também

Durlak (1972) considerou despiciendo o peso da desejabilidade social no PIL.

Damon, Menon e Bronk (2003) referem que o PIL parece ser uma medida muito próxima do constructo “satisfação com a vida”, o que, segundo os autores, está patente na forma como foram construídos os diversos itens que o compõem.

Foram também apontados aspectos relativos à consistência do PIL quando aplicados noutras culturas (Garfield, 1973), embora algumas validações deste instrumento neste mesmo contexto não tenham apresentado estas dificuldades (Shek, 1988; Akande e Odewale, 1994; Sink, Purcell, Keppel e Gomper, 1997).