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Estudos incidindo sobre vários grupos ocupacionais

2.3 C ONSEQUÊNCIAS ESTUDADAS DA EXPOSIÇÃO À MORTE E A OUTROS ASPECTOS STRESSANTES NAS

2.3.2 Estudos incidindo sobre vários grupos ocupacionais

O contacto com a morte afecta igualmente outras profissões que não médicos e enfermeiros. Apresentaremos alguns dos estudos abrangendo vários grupos ocupacionais em contacto com a morte. Debruçar-nos-emos mais sobre os que nos parecem de maior relevância para o tema tratado neste trabalho

Vachon (1987) sistematiza pormenorizadamente os principais stressores identificados no exercício profissional por pessoas de vários grupos ocupacionais que lidam de perto com os que estão a morrer, com a morte e com o luto. Em entrevistas com a duração aproximada de uma hora, era pedido aos indivíduos que descrevessem: 1) o que consideravam ser aspectos stressantes no seu desempenho profissional (stressores ambientais), 2) os aspectos da sua vida pessoal que influenciavam essa vivência do stress profissional (variáveis pessoais), 3) como é que o seu stress se manifestava (manifestações de stress) e 4) como é que lidavam ou procuravam lidar com esse stress (estratégias de coping).

Os grupos ocupacionais entrevistados foram médicos, enfermeiros, assistentes sociais, padres, psicólogos, voluntários, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, nutricionistas, cardipneumologistas, radiologistas, agentes funerários, polícias, pessoal paramédico, bombeiros e engenheiros biomédicos, perfazendo uma amostra de 581 respondentes. A amostra era composta por 71% de mulheres, estando a média etária situada entre os 30 e os 45 anos de idade para todos os grupos. A amostra englobava pessoas provenientes do Canadá, E.U.A., Austrália, Inglaterra, Suécia, Indía e África do Sul.

Relativamente aos stressores ambientais, Vachon (1987) constatou, contrariamente ao que seria expectável e encontrado em investigações anteriores neste domínio, que os entrevistados raramente referiam apenas o contacto com a morte como um aspecto stressante no seu desempenho profissional. Referiam-se sobretudo, a aspectos como: 1) dificuldades de comunicação ou conflitos entre os elementos da sua equipa, 2) natureza do serviço ou da unidade, 3) falta de recursos materiais e humanos adequados, 4) dificuldades de comunicação entre serviços diferentes ou de diferentes especialidades, 5) expectativas irrealistas entre o que se esperava encontrar e o que se encontrou na organização, 6) dificuldades de comunicação com órgãos administrativos, 7) fraca definição e atribuição de responsabilidade, 8) fraca orientação e falta de formação específica, 9) ambiguidade do papel profissional, 10) conflitos no desempenho do papel

profissional, 11) falta de controlo sobre os eventos que os rodeiam, 12) excesso de trabalho e de funções desempenhadas, 13) proximidade excessiva com múltiplos elementos stressores, 14) dificuldade em separar a vivência profissional da vivência pessoal, 15) preocupações com a carreira profissional e com a sua estabilidade, 16) dificuldades relativas ao trabalho por turnos, 17) dificuldades na comunicação com doentes com personalidades difíceis e suas famílias, 18) gestão dos sentimentos de identificação com alguns pacientes e suas famílias, 19) dificuldades na comunicação com pacientes de outras culturas, 20) dificuldades no contacto com a doença e morte de crianças e jovens, 21) dificuldades em lidar com pacientes com problemas sociais, familiares ou com patologias psiquiátricas graves, 22) dificuldades no contacto com idosos em estado grave e nas decisões em torno do final de vida dos mesmos e 23) dificuldades relativas aos tipos de doenças com que se lida e sua trajectória.

No que respeita às variáveis pessoais que influenciavam a vivência profissional, Vachon (1987, 2005) identificou alguns aspectos interessantes: 1) quanto mais jovens os profissionais, mais stressores ambientais identificavam e menos estratégias de coping apresentavam, 2) não existiam diferenças significativas no número ou tipo de stressores identificados em função do sexo ou do estado civil dos respondentes, 3) as pessoas que escolhiam trabalhar em áreas de maior contacto com a morte tinham geralmente motivações de ordem pessoal para o fazer e 4) estavam associadas à escolha profissional variáveis como a personalidade, o estilo de coping e níveis mais baixos de ansiedade perante a morte.

As manifestações físicas de stress reportadas pelos grupos ocupacionais incluíam sintomas físicos mais ligeiros tais como: fadiga constante, distúrbios gastrointestinais, dores de cabeça, perturbações do apetite, náuseas, dores musculares, infecções urinárias, e alterações nos padrões de sono. Os sintomas mais graves associados ao stress incluíam a hipertensão, doenças auto-imunes, alterações cardio–respiratórias, enxaquecas incapacitantes, úlceras gástricas e anorexia.

As manifestações comportamentais de stress incluíam aumento dos conflitos entre membros de equipa, conflitos entre família e trabalho e falhas no desempenho profissional.

As manifestações psicológico de stress abrangiam constelações de sintomas tais como: 1) depressão, angústia e sentimentos de culpa, 2) raiva, irritabilidade e frustração, 3) sentimentos de desespero e insegurança, 4) sobre-investimento e sobre-envolvimento, 5) ansiedade e dificuldade em tomar decisões, 6) burnout ou exaustão dos recursos pessoais e 7) sonhos constantes relacionados com a morte, ideação suicida e consumo excessivo de substâncias psicoactivas (álcool e drogas). Em 2005, Vachon acrescenta às manifestações psicológicas, o luto decorrente das múltiplas perdas a que os profissionais se encontram sujeitos.

As estratégias de coping mais referidas pelos grupos ocupacionais como estando na base da sua vontade de continuar a trabalhar numa área de elevado contacto com a morte, ou sugeridas como forma de atenuar as dificuldades sentidas, eram: 1) a motivação gerada por se sentirem proficientes no seu desempenho profissional e de poder fazer algo pelas pessoas em situações difíceis, 2) a gestão do tempo e da vida, de forma a equilibrar as várias esferas importantes e o desenvolvimento de padrões de vida saudável (e.g. comer bem, dormir, fazer exercício, evitar tabaco e café, ter tempos livres para si), 3) encontrar ou desenvolver uma filosofia de vida que permita dar um sentido ao sofrimento e à morte a que estão expostos, 4) mudar de área profissional, 5) distanciar-se emocionalmente do paciente e/ou da sua família, 5) procurar mais formação dentro da sua área, 6) procurar apoio em pessoas, grupos ou comunidades fora do local de emprego para partilhar as suas preocupações, 7) procurar apoio em colegas de trabalho, 8) usar o sentido de humor como defesa face ao stress, 9) construir uma filosofia de equipa que englobe uma missão e objectivos subjacentes ao exercício profissional daquele grupo específico, 10) construir e fortalecer a partilha na equipa através de actividades ou de rituais de integração dos novos membros, 11) desenvolver sistemas de

suporte social e humano para os membros da equipa, 12) estabelecer critérios adequados à admissão de pessoal que se ajuste o melhor possível ao contexto laboral, 13) contratar profissionais em número suficiente para tornar possível o bom cuidado aos pacientes sem desgaste excessivo dos que deles cuidam, 14) aplicar políticas administrativas formais e informais que permitam gerar condições materiais e humanas ao bom cuidar em final de vida, 15) reconhecer e apoiar os profissionais de saúde bem como investir no seu desenvolvimento pessoal, 16) flexibilizar papéis desempenhados, 17) desenvolver procedimentos formais para lidar com as diversas situações críticas que se colocam ao profissional de saúde em contacto com a morte.

O estudo de Vachon (1987) contribuiu largamente para uma melhor sistematização dos aspectos que acompanham o stress ocupacional nos profissionais mais expostos à morte. Outro dos contributos fundamentais reside na compreensão de que o contacto com a morte parece não ser o aspecto com maior impacto para o stress experimentado pelos vários grupos ocupacionais em causa.

Steinhauser, Clipp, McNeilly, Cristakis, McIntyre e Tulsky (2000) realizaram sessões de discussão de diversos temas em torno da morte envolvendo vários grupos ocupacionais de diferentes áreas da saúde (médicos, enfermeiros, assistentes sociais e voluntários). Encontraram em todos os relatos a expressão de sentimentos de tristeza e culpabilidade face a pacientes que morreram em sofrimento.

Bradbury (1999) num estudo extenso e com base em entrevistas a profissionais que lidam com a morte já consumada (médicos legistas, paramédicos, profissionais que realizam autópsias, agentes funerários, coveiros, polícias e bombeiros), constatou que a grande maioria afirmava que o contacto com o corpo e a proximidade com os familiares do falecido, os perturbava e interferia com o equilíbrio da sua vida emocional. Os contactos com corpos desfigurados ou com corpos de crianças eram sempre descritos como profundamente chocantes para estes profissionais. Os polícias eram ainda considerados um grupo de risco maior por terem muitas vezes, para além de estar

presentes nos cenários onde as mortes ocorrem, de transmitir a notícia da ocorrência da morte aos familiares ou por ter de os acompanhar à morgue para a identificação do corpo.

Beaton, Murphy, Pike e Jarret (1995) também identificaram em bombeiros e paramédicos, elevados níveis de stress e desgaste emocional devido à exposição a situações que ameaçam a vida das pessoas a quem têm de ser os primeiros a atender em situações de emergência.

Outros estudos realizados com profissionais de saúde a exercer em áreas variadas (Kastenbaum e Aisenberg, 1983; Kash e Holland, 1990; Vachon, 1998; Redinbaugh et al, 2001) mostram que os profissionais com níveis mais elevados de desgaste emocional, apresentam pouca satisfação com o seu emprego, sentimentos de auto-desvalorização, maior consumos de álcool e drogas, mais distúrbios do sono, maiores dificuldades em comunicar com os doentes, bem como com os colegas de trabalho e manifestam maior desejo de deixar de exercer a sua profissão no futuro próximo.

Apesar de vários estudos apontarem para as necessidades de apoio específico aos profissionais de saúde que contactam com a morte: “…little work has been done to

understand Health Care Professionals grief process and the factors that may attenuate the relationship between work-related grief, stress and burnout” (Redinbaugh et al,

2001:187).

Como afirmam Hennezel e Leloup (1988: 11): “… os profissionais de saúde são, antes de

tudo, pessoas. Sofrem como toda a gente, com o menosprezo pelas questões relativas à morte (…) tal como nós todos (e mais do que nós), pagam com uma ausência de sentido o corte que veio separar-nos das grandes tradições que nos preparavam para a morte e nos ajudavam a decifrar o sentido das nossas existências”