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A transição das pessoas que estão em condições graves de saúde para locais específicos onde podem ser assistidas por profissionais especializados, foi ocorrendo de forma gradual mas persistente desde o final do séc. XIX. Esta transição coincidiu inicialmente com a necessidade e vontade governamental de melhorar a saúde (e produtividade) de trabalhadores essenciais ao desenvolvimento dos países na fase da Revolução Industrial e das grandes construções (ex: Canal do Panamá). Acompanhou também as motivações da época de manter exércitos com homens saudáveis e em número suficiente, nas grandes guerras travadas, numa época em que as doenças infecto-contagiosas causavam maior mortalidade do que os próprios ferimentos de guerra (Simões, 2004).

As respostas a estas e outras necessidades específicas (e.g. epidemias várias), acompanhadas pelo desenvolvimento de técnicas inovadoras essenciais como a ventilação artificial ou a ressuscitação cardio-respiratória e a descoberta de medicamentos eficazes em casos graves, proporcionaram cuidados de saúde mais alargados à restante população dos países que se iam desenvolvendo, na denominada transição para a segunda era da saúde pública e, gradualmente, as medidas de excepção tornaram-se acessíveis a todos (Seymor, 2001).

A centralização dos cuidados de saúde em locais como os Hospitais ou os Centros de Saúde, veio permitir dois grandes factores de melhoria e avanço dos cuidados de saúde proporcionados às populações: a disponibilidade em permanência, num mesmo local, de pessoas especializadas e tecnologias mais avançadas, para a prestação de cuidados de saúde e, a maior experiência (conhecimento) acumulada, devido à exposição dos profissionais de saúde a maior número de casos clínicos, do que alguma vez se teve acesso em pequenas comunidades.

A transição do local de morte, de casa para o hospital, ocorreu porque as pessoas começaram a sentir que este era o local onde mais recursos humanos e tecnológicos estavam disponíveis, para evitar que a morte evitável ocorresse. Aconteceu, devido a um sentimento de maior segurança por se saberem acompanhados num Hospital, não para aí sofrerem e morrerem mas precisamente para que não tivessem de sofrer nem de morrer naquele momento (Krakauer, 1996).

A ocorrência da morte nos Hospitais deveu-se sobretudo à impossibilidade médica e humana de impedir a morte, sobretudo se as situações clínicas fossem muito comprometedoras da vida. Com o passar dos anos verificou-se um fenómeno distinto que transferiu definitivamente a morte, outrora era esperada em casa, para os Hospitais. Paulatinamente, as famílias, com a maior parte dos seus membros a trabalhar fora de casa e sem tempo disponível para cuidar dos seus entes queridos em fase final de vida, perderam o hábito de lidar proximamente com a morte e a sentir que era uma tarefa que não se encontravam preparados para desempenhar. Gerou-se um movimento que fez com que as famílias acreditassem que trazer os seus familiares, em fase final de vida, para morrer no Hospital, com menor sofrimento e menor impacto na vida familiar, era o melhor que podiam fazer. Os hospitais assumiram progressivamente a imagem de um local adequado para uma melhor morte que, por consequência, passou a estar mais remota e oculta do olhar de todos que não exercem funções profisionais no contexto hospitalar.

Aos profissionais de saúde passaram a caber funções tão variadas quanto complexas no cuidar de pessoas externas à sua família: diagnosticar, tratar, aplicar procedimentos técnicos não lineares, cuidar da higiene, conforto e alimentação do utente, aliviar eficazmente o seu sofrimento, ouvir e relacionar-se com o paciente, ouvir e relacionar-se com a família do paciente, dar notícias difíceis, ajudar a pessoa a morrer da melhor maneira possível, estar ao seu lado no momento da morte, ajudar a família a lidar com o impacto da morte de um ente querido, lavar e preparar o seu corpo depois da morte, tratar dos procedimentos burocráticos associados à confirmação da morte, organizar a transição do corpo para outros profissionais de saúde responsáveis pelas autópsias e por outras averiguações relativas às causas de morte ou para as agências funerárias, entre tantas outras (SPAF, 1999).

Os profissionais de saúde e os hospitais tornaram-se assim, fruto das circunstâncias, nos maiores responsáveis pelo curso da vida e da morte. As consequências foram e são significativas para os profissionais de saúde cada vez mais onerados e divididos em novos papéis, que já não conseguem partilhar com as famílias. As consequências afectam igualmente as próprias pessoas que estão a morrer a quem o meio hospitalar retira a possibilidade de escolher uma outra forma ou lugar para morrer.

Numa formação para profissionais de saúde, na área do Luto, ministrada por Marie Die Trill, em 2000, afirmou que nunca tinha, ao longo de toda a sua experiência em formação, encontrado uma só pessoa (mesmo entre os profissionais de saúde) que, perante um exercício em que era pedido que visualizasse o seu momento de morte e o local onde gostava de se encontrar nesse momento, lhe tivesse dito que se imaginava a morrer num hospital. No entanto é o lugar onde certamente a maioria das pessoas irá morrer, ainda que o não deseje. De acordo com Moscowitz e Nelson (1995, p.3), para muitos indivíduos, o desfecho provável será o de: “spend their final days surrounded by the

Os relatos históricos de pessoas que percebiam o momento em que iam morrer e que para tal se preparavam, rodeadas de família e amigos, são hoje a excepção. No presente, uma situação clínica que conduza à morte pode ser estabilizada e regulada, adiando o que seria o momento da morte em dias, semanas, meses e até anos, através do uso de fármacos e de tecnologias de suporte da vida : “Grâce à la sophistication

croissante de l´investigation bio-médicale, les critères du mourir de multiplient, se complexifient, s´affirment, se cumulent nécessairement (…), curieusement le scientifique a perdu la mort. Ou moin, celle-ci n´a plus de définition” (Thomas, 1992 : p.6). O que

nalguns casos pode ser a diferença entre uma vida melhor e a morte, em muitos acaba por se tornar um adiar doloroso de um desfecho inevitável: “life-saving therapies have

also become a means of prolonging the pain and misery of terminal illness for many” (Le

Fanu, 1999, p.259).

A morte tem-se tornado, salvo quando fulminante, numa instância programada, decidida e assistida por pessoas que geralmente preferiam não ter de o fazer e que sofrem por ter de decidir aquilo que regra geral deixávamos para entidade transcendentes (“os Seres Superiores”, o destino, o acaso ou qualquer outra forma de representação metafísica determinava.