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3.4 TÉCNICAS E PROCEDIMENTOS

3.4.2 As entrevistas

As entrevistas foram realizadas em dois blocos: O primeiro composto pelos profissionais de saúde e o segundo com os pais e as mães das crianças co SCZV. Optei por entrevistar todos os profissionais que atendiam diretamente as crianças, o que totalizou 9 entrevistas. As famílias foram entrevistadas segundo alguns critérios. Procurei tanto famílias que eu conhecia bem os pais, que eram presenças constantes no cotidiano da UPAE e famílias com pais que não eram tão frequentes na unidade, mas que se mostraram disponíveis para um encontro e uma conversa.

Entrevistei famílias em ambientes urbanos e rurais procurando compreender como a questão da ruralidade impactava em elementos como distância do tratamento e possíveis redes familiares ampliadas. O que também motivava a realização de entrevistas com moradores de Caruaru e de cidades mais distantes da UPAE. Entrevistei também uma mãe e um pai que se tornaram viúvos.

Havia famílias que passaram pela separação do casal e numa das famílias o pai da criança estava cumprindo pena num presídio local. Durante o nosso processo de campo, não conseguimos

estabelecer nenhum contato com os homens que não conviviam com seus filhos e filhas. O que se configura como um limitador do nosso estudo.

As entrevistas foram realizadas após três meses de convivência com as famílias durante o processo da observação participante. As entrevistas foram realizadas na casa das famílias e combinadas na UPAE ou por telefone. Frente os convites não havia negativas diretas, mas algumas famílias acabavam alegando dificuldades nas datas escolhidas e protelavam a data das entrevistas. Para evitar constrangimentos assumi que dois adiamentos seriam compreendidos como uma negativa gentil e não insistiria com uma nova proposta.

As entrevistas com os profissionais eram geralmente realizadas na própria unidade, aproveitando horários vagos das consultas, por isso geralmente, as entrevistas com profissionais foram divididas e realizadas em dois ou até três momentos. Em duas situações as entrevistas foram realizadas fora da UPAE em clínicas e consultórios particulares dos profissionais entrevistados. A definição mais próxima que encontrei e que expressa a forma como as entrevistas foram realizadas seria a de “entrevistas por pauta”, definidas por Antônio Carlos Gil como:

A entrevista por pautas apresenta certo grau de estruturação já que se guia por uma relação de pontos de interesse que o entrevistador vai explorando ao longo de seu curso. As pautas devem ser ordenadas e guardar certa relação entre si. O entrevistador faz poucas perguntas diretas e deixa o entrevistado falar bem livremente à medida que refere as pautas assinaladas. Quando este se afasta delas, o entrevistador intervem, embora de maneira suficientemente sutil para preservar a espontaneidade do processo (GIL, 2010, p.112).

Os blocos de questões realizadas com os profissionais abordavam temas como: Histórico profissional e experiência com reabilitação das crianças, forma de atuação profissional, perspec- tivas sobre o desenvolvimento das crianças, relação com as famílias das crianças, com destaque para as mães e pais, o cotidiano de cuidado, processo de tomada de decisão, além de eventuais incidentes críticos como situações de abandono ou negligência.Também tentávamos entender uma possível comparação entre a SCZV e outras síndromes ou patologias que eles já tiveram contato.

No caso das famílias as entrevistas abordavam: História pregressa da família, gestação, descobrimento de que a criança tinha síndrome congênita do Zika Vírus; forma como a notícia foi dada pelos profissionais de saúde, cotidiano de cuidado, relação com profissionais e serviços de saúde, organização da família com grupos e redes de apoio, processos de tomada de decisão e divisão de tarefas na família.

Como todo encontro humano as entrevistas estavam abertas para imprevistos e para a dinâmica específica da família. Algumas entrevistas com as famílias foram feitas em separado com o pai e a mãe. Em outros momentos a entrevista acontecia com a presença do companheiro ou companheira na sala. Em todas as entrevistas a criança e, às vezes seus irmãos estavam presentes. Tanto nas entrevistas com as famílias como nas realizadas com os profissionais se privilegiava a compreensão de que aquele era um momento de encontro, de interação e de troca de posicionamentos. Como destaca Odete de Godoy:

Ao abordar a entrevista como prática discursiva estamos, antes de mais nada, entendedo- a como ação, ou melhor dizendo, como interação. Esta interação se dá em um certo contexto, numa relação constantemente negociada. Numa conversa o locutor posiciona- se e posiciona o outro, ou seja, quando falamos selecionamos o tom, as figuras, os trechos de histórias, os personagens que correspondem ao posicionamento assumido diante do outro que é posicionado por ele. As posições não são irrevogáveis, mas continuamente negociadas (PINHEIRO, 1997, p. 186).

Um fato curioso sobre as entrevistas era como os pais se mostravam aliviados pelo fato de eu não ser um repórter e integrar uma equipe de televisão. Com o passar do tempo fui percebendo que muitas daquelas famílias já tinham fornecido entrevistas e que nutriam um sentimento ambivalente frente a exposição provocada pelas câmeras e microfones:

Fábio: – É que tudo a pessoa fala “ein, a bichinha” é doente, entendeu. Eu não sei se é preconceito ou falta de entendimento eu não sei. Aqui graças a Deus, meus amigos mesmo já sabem, sabem que ela tem essa deficiência que é a microcefalia, tem pessoas que até perguntam se eu preciso de ajuda, graças a Deus aqui é sossegado, tem pessoas que já falam ei Paulista vi você dando a entrevista, tá acontecendo alguma coisa com a sua filha, não é uma entrevista de rotina que a TV Asa Branca10.

Ricardo: – Vocês já deram entrevista para a TV Asa Branca?

Vânia: – Já, umas oito. G1, Fátima Bernardes, Fátima (a filha do casal) foi uma das primeiras que deu entrevista, quando eu recebi o laudo da microcefalia foi ao vivo, no Mestre Vitalino.

Fábio: – Ela sempre saiu. Vânia que tava com ela, que tudo ela fica vermelha, fica lgo envergonhada.

Ricardo: – Já entrevistaram o senhor também?

Fábio: – Claro, aqui em casa foi três ou quatro, veio Anderson, veio Amanda Dantas (jornalistas locais). Ai depois fomos pra UPAE e no INSS e foi através de Anderson que eu consegui o benefício dela (BPC), foi através da TV Asa Branca. Chegou lá o diretor disse que vai pra perícia agora e quando passou concedeu a perícia. Sabe o que ela falou pra mim e disse não tem o questionar não, não tem nem o que questionar, ela só olhou bateu os papel e pronto.

Sobre a forma de registro, em todas as entrevistas, foi autorizado o uso de gravador. Após a realização, as entrevistas foram transcritas pelo pesquisador.