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O Zika Vírus foi isolado pela primeira vez em 1947 na floresta de Zika em Uganda, numa descoberta que aconteceu por acaso. Pesquisadores acompanhavam macacos-sentinelas do gênero Rhesus, que ficavam em gaiolas no meio da selva e eram utilizados no monitoramento de casos de febre-amarela.

Durante os procedimentos de acompanhamento identificaram que um dos macacos apresentava um pico febril, foi feita a coleta da amostra que deu negativa para febre-amarela. Com o seguimento das investigações foi identificado um novo vírus que acabou recebendo o nome da região de onde foi encontrado.

Em 1948 o vírus também foi identificado em outras espécies de mosquitos com destaque, naquele momento para o Aedes (Stegomyia) Africanus (DICK; KITCHEN; HADDOW, 1952). Os estudos se seguiram e o vírus foi inoculado em animais como porquinhos-da-índia, camundongos e outros macacos. A ideia original era de que se trava de uma nova zoonose.

Em uma 1953, um grupo de camundongos estudados, apresentou uma certa resistência a infecção pelo Zika, mas, ao mesmo tempo, apresentou complicações de ordem neurológica,

sendo assim, a primeira evidência do neurotropismo do vírus (REAGAN; BRUECKNER, 1953), característica presente nos futuros casos de síndrome de Guillian-Barré e na síndrome congênita. A hipótese de zoonose foi finalmente confirmada. Em 1954 durante o acompanhamento de uma epidemia de icterícia na Nigéria, o vírus do Zika foi identificado pela primeira vez em humanos, no caso três pacientes que se encontravam em isolamento (MACNAMARA, 1954).

Durante quase cinquenta anos, o vírus se manteve isolado, ocupando regiões específicas da África e da Ásia, sem despertar a atenção mundial dedicada a outras arboviroses como a malária e a dengue. Esse isolamento foi quebrado em 2007 quando foi registrado o primeiro surto ocasionado pelo Zika Vírus em ilhas do Pacífico, com destaque para os casos que aconteceram na ilha Yap.

Durante o surto de Zika que aconteceu em 2007 na Ilha Yap, estima-se que três quartos da população local, que na época era de 7391 pessoas, tenham contraído o vírus e que destas 900 tenham apresentado algum tipo de sintoma, sem que nenhuma complicação grave tivesse sido registrada (DUFFY et al., 2009).

Em 2013 é registrado um novo surto, agora na Polinésia Francesa. As estimativas de infecção foram de 28 000 casos (11% da população) numa epidemia que aconteceu concomitante com a dengue (MUSSO et al., 2017). Neste caso houve registros de complicações neurológicas como a síndrome de Guillia-Barré e estudo retrospectivos após o surto brasileiro de síndrome congênita, também identificaram um aumento significativo de malformações em bebês nascidos no período (CAUCHEMEZ et al., 2016), relação que não havia sido percebida à época da epidemia.

Em 2014, o Zika Vírus é registrado no continente americano com entrada pela Ilha de Pascoa. A chegada do vírus no Chile, motiva a emissão por parte da OPAS de um alerta regional. O documento reforçava a ideia de uma doença de manifestação moderada e autolimitada, apesar de fazer algumas considerações sobre complicações neurológicas raras (PAHO, 2015).

Sobre a introdução no Brasil existem várias hipóteses. Inicialmente atribuiu-se a chegada de viajantes e atletas que aportaram no Brasil em 2013 por conta da Copa das Confederações ou em 2014 durante a Copa do Mundo. Outra teoria liga a chegada do vírus ao mundial de canoagem realizado em 2014 no Rio de Janeiro (CAMPOS et al., 2918) e que recebeu atletas de vários países do Pacífico, região já afetada pelo Zika Vírus.

Essas dúvidas entre o tempo de chegada do vírus e o surgimento das primeiras pessoas com sintomas se sustenta por causa do grande período de incubação do vírus. O Zika tende a permanecer assintomático em alguns casos, além da possibilidade de confusão com outras viroses como a dengue e Chikungunya que guardam uma sintomatologia similar (ZANLUCA et al., 2015). A hipótese mais aceita hoje é de que não tenhamos a figura de um “paciente zero” e que o vírus tenha se introduzido simultaneamente por diferentes vias, em partes diferentes do território nacional.

Figura 12 – Propagação Mundial do Zika Vírus – Até janeiro de 2019

Fonte: Wikimedia community (Domínio Público)

A circulação do Zika Vírus no território brasileiro foi oficialmente confirmada pelo Ministério da Saúde em maio de 2015, através de estudos do Laboratório de Virologia do Instituto de Ciências da Saúde (ICS/UFBA) que analisou o sangue de pacientes residentes em Camaçari, Bahia (BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2015). Na sequência da comunicação do Ministério da Saúde do Brasil a Organização Pan Americana de Saúde e a Organização Mundial de Saúde lançaram um alerta epidemiológico no dia 7 de maio de 2015, destacando para casos autóctones de Zika no continente americano e solicitando aos países membros da organização que tomassem atitudes de detecção, manejo clínico, comunicação em saúde e no controle de vetores.

No primeiro semestre de 2015, o Zika Vírus estava em circulação pelo território nacional, mas ainda não era percebido pela população como um agente específico. As informações eram desencontradas, mas as emergências começavam a lotar com casos de viroses. Essa “nova virose” inicialmente foi confundida com reações alérgicas ou uma manifestação atenuada da dengue, ou mesmo com a esperada febre chikungunya. Naquele momento, não havia nenhuma associação entre o surgimento o que estava acontecendo e os casos de má-formação entre bebês que seriam observados meses depois. Os meios de comunicação reproduziam os informes oficiais, conforme descrito na reportagem “Saúde determina que virose misteriosa seja notificada como dengue”, publicada pelo Diário de Pernambuco em 22 de abril de 2015.

A Secretaria Estadual de Saúde investiga casos atípicos da dengue e emitiu uma nova determinação às unidades de atendimento. Os pacientes que chegarem com manchas avermelhadas na pele, acompanhadas ou não de febre e outros sintomas, deverão ser notificados como casos suspeitos de dengue, assim como os que apresentarem os

sintomas clássicos da doença.As preocupações naquele momento diziam respeito na capacidade da rede de saúde absorver os casos que abarrotavam as emergências, prever e abordar possíveis complicações e manejar os impactos econômicos relativos a baixa de produtividade dos trabalhadores e trabalhadoras (DIÁRIO DE PERNAMBUCO, 2015).

Depois desse alerta no primeiro semestre de 2015, o interesse e a atenção sobre o zika foi decaindo na imprensa brasileira que direcionou os seus esforços para a emergente dengue. A febre chikungunya também assustava a população local por seu potencial incapacitante.

A compreensão de todos os determinantes envolvidos na epidemia de 2015 ainda são alvos de estudos, mas temos o consenso de que o Aedes Aegypti precisa de água para a sua reprodução e que certas condições propiciam a proliferação de criadouros. Vale a pena olharmos para o regime de chuvas naquele ano.

O ano de 2015 foi o quarto ano de estiagem vivido no Nordeste brasileiro. O fenômeno de seca plurianual havia se inciado em 2012 e o período até 2015 foi considerado o quadriênio mais crítico de chuvas desde 1911 (MARTINS; MAGALHÃES, 2016). No gráfico abaixo, temos um comparativo dos níveis de precipitação pluviométrica no Nordeste no período de 2007 até 2015 em comparação com as médias históricas registradas:

Figura 13 – Precipitação média anual da Região Nordeste para o período 2007 – 2015

Fonte: Martins, Eduardo Sávio Passos Rodrigues; Antonio Rocha Magalhães (2016)

A estiagem prolongada implicava diretamente em processos de desabastecimento e racionamento da distribuição de água, obrigando que o morador da região encontrasse alternativas para acumular a água em sua residência.

Figura 14 – Médias anuais da precipitação (mm) para às seis microrregiões (e seus 71 municípios) do agreste pernambucano na região do Nordeste do Brasileiro, para a série de janeiro de 1985 a

maio de 2017.

Fonte: ANDRADE et al.,2018

Quando analisamos especificadamente as precipitações pluviométricas no agreste per- nambucano, observamos que o ano de 2014 foi marcado por uma precipitação abaixo da média e que em 2015 tivemos um incremento de chuva na região (ANDRADE et al., 2018)2, o que infelizmente não teve o impacto na escassez de água observada no primeiro semestre de 2015 (momento da epidemia de Zika) já que a estação chuvosa no agreste pernambucano se dá na chamada quadra chuvosa, que são os meses de abril, maio, junho e julho (quando a epidemia de Zika já havia acontecido). Nestes meses a região registra 80% das chuvas esperadas no ano (SOARES; NÓBREGA, 2010).

A falta d’água enfatizava os contrastes sociais da região. A população de maior poder aquisitivo dispõem de reservatórios adequados para o armazenamento por longos períodos ou complementa a oferta de água com carros-pipas. Os mais pobres se cotizam e dividem um carro-pipa para duas ou três famílias. A água também é vendida de porta-em-porta em latões que custam um ou dois reais. A qualidade da água dos carros-pipas varia de acordo com o valor pago pelo tanque e junto com as arboviroses vinham os surtos de diarreia.

Os mais pobres precisavam armazenar a pouca água que chegava nos pequenos reservató- rios que dispunham, nem todos adequados e com uma vedação eficiente. A secretaria de saúde distribuía pequenos peixes larvófagos, mas o mosquito acabava se mostrando mais competente e se multiplicava com velocidade nos meses mais quentes do ano.

O clima e a necessidade de acúmulo de água, por si só não explicavam a expansão no número de casos de arboviroses, mas eles se relacionavam com outros determinantes como a falta de abastecimento regular de água, saneamento básico, ocupação de áreas de risco e o aglomerado 2 Agradecimentos ao professor da UFRPE Antonio Ricardo Santos de Andrade e ao restante da equipe que

de populações em residências insalubres e que favorecem a proliferação e movimentação do mosquito.

Como a epidemia do Zika teve em 2015 o seu ano zero, não contamos com uma série histórica para compararmos o avanço dos casos de Zika ao longo dos anos. Optamos por tomarmos os casos de dengue como eventos-sentinelas, que por toda semelhança na disseminação e por compartilhar o Aedes aegypti como vetor servirá para exemplificar o cenário epidêmico de 2015.

Figura 15 – DENGUE – Notificações registradas no Sistema de Informação de Agravos de Notificação – Pernambuco (2001– 2017)

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação - Sinan

Os casos observados de dengue acompanham os momentos mais críticos de escassez de água com pico nos meses de fevereiro, março e abril. Com a chegada da estação chuvosa os números foram diminuindo até que voltaram a crescer no mês de outubro (o mês mais seco do ano). Se estabelecermos um comparativo com o nascimento das crianças com SCZV (que ocorreram a partir de outubro de 2015) observamos que foi justamente nos meses de maior incidência de arboviroses que as gestantes se encontravam no primeiro trimestre de gravidez.

Figura 16 – Evolução mensal de casos de dengue em Pernambuco (2013 – 2014 – 2015)

Fonte: Ministério da Saúde/SVS - Sistema de Informação de Agravos de Notificação - Sinan

A observação dos casos registrados em 2015 aponta, que o pico da incidência de dengue se deu entre abril e maio, um período do ano muito significativo quando analisamos os nascimentos das crianças com síndrome congênita do Zika Vírus, nascimentos que acorrem a partir de outubro de 2015.