• Nenhum resultado encontrado

Anzóis são métodos. Assim como os anzóis predeterminam os resultados da pescaria, os métodos predeterminam os resultados da pesquisa. Porque os métodos são preparados de antemão para pegar o que desejamos pegar. (ALVES, 2011, p.120) Já discutimos em capítulos anteriores os processos que possibilitaram a construção desse projeto de pesquisa desde a redefinição de objeto realizado no final de 2016. A partir dessa data participamos de eventos que envolviam pesquisadores, gestores públicos e as famílias com as crianças com síndrome congênita do Zika, também visitamos organizações de apoio voltadas a SCZV e tivemos conversas informais com pesquisadores e com os próprios familiares.

O nosso campo teve início no momento que escolhemos o tema (ou acabamos escolhidos por ele) do nosso trabalho. A partir desse momento nos convencemos de que a paternidade no contexto da síndrome congênita do Zika Vírus seria um tema relevante. Esse processo – a constru- ção do campo-tema – é bem descrito por Peter Spink, que nos compartilhou os questionamentos de seu grupo de pesquisa sobre o que seria o campo-tema em psicologia social:

Argumentamos que um tema, um campo, ou melhor, um campo-tema merece ser estudado, merece nossa atenção como psicólogos sociais. Propomos que é psicologica- mente relevante (SPINK, 2003, p. 25).

Nesse capítulo descreveremos, os processos de articulação entre as técnicas e os méto- dos utilizados na produção das informações. O campo, como foi abordado, não se iniciou a partir do momento em que o projeto foi aprovado no comitê de ética e que iniciamos as observações participantes. Contudo, houve um momento de imersão, de contatos mais aprofundados e de conversas mais longas que precisamos compartilhar.

Num primeiro momento abordaremos as escolhas de locais e os participantes, as técni- cas e estratégias de ida a campo. Imaginamos que é uma etapa que auxilia futuros pesquisadores a executaram seus próprios estudos, então, é importante apresentar os caminhos escolhidos bem como, as dificuldades e percalços que acompanharam esses momentos que integram o campo.

Após essa descrição dos procedimentos utilizados na pesquisa, abordaremos a organi- zação dos dados e as principais linhas de análise, momento em buscaremos situar o que foi vivenciado no campo, com o que foi produzido anteriormente e debatido nos capítulos de funda- mentação teórica, apesar de destacar que outros autores serão citados e trabalhados nas próximas seções e capítulos.

Seguirei a apresentação descrevendo os locais de realização do campo, as pessoas que fo- ram encontradas e que contribuíram com a pesquisa, apresentando os instrumentos e técnicas que empreguei para tentar compreender o que e foi dito e vivido durante a observação participante.

As escolhas foram permeadas de sentidos, sentimentos e oportunidades. No decorrer da pesquisa afetamos pessoas e somos afetados por elas de forma responsável (FERREIRA; CADONÁ, 2017). Essa afetação faz do ato de pesquisa uma atividade que mescla significados. Traz a tona a esfera do profissional e do político, mas nunca deixa de ser da ordem do sensível, de encontros que transformam o pesquisador, mesmo que ela tenha dificuldades de inserir esses momentos no relatório final de uma tese:

Na sequência tivemos o atendimento de Larissa, que demonstra avanços no processo motor, cada movimento realizado era comemorado pela terapeuta e pela estagiária. Durante o atendimento, Maria me contava como foi a morte do pai de Larissa, que havia saído para pescar e sofreu um acidente e não voltou “Ele deu um beijo nela, parecia que sabia que não ia voltar“. Larissa tinha um comprometimento motor severo, mas se expressava com o olhar e o sorriso, era nítido o seu esforço para executar as tarefas propostas pela terapeuta ocupacional que naquele momento evolvia empilhar cubos. Larissa ria quando escutava a voz de um dos fisioterapeutas que atendiam os adultos. A atividade termina e Larissa vem e me abraça, hoje o meu presente foi essa despedida, Volto para casa com imagens que misturavam a alegria de Larissa com o relato da morte de seu pai (Notas de campo 15 de agosto de 2018).

O nosso estudo transcorre dentro de um espaço de tempo de uma epidemia que ainda está em curso. Temos que lidar com a falta de um tempo histórico que nos permita compreender as várias dimensões que esses fatos tiveram na vida dessas famílias. Por isso se trata também de um trabalho exploratório e descritivo.

Compreendemos a nossa proposta como um estudo qualitativo, de caráter descritivo e analítico. Por pesquisa qualitativa nos aproximamos com a perspectiva de Cecília Minayo, que ao abordar a pesquisa qualitativa, afirma que a mesma tem como característica a abordagem de “significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.” (MINAYO, 2008, p. 21-22).

Ao nos posicionarmos na vertente qualitativa ao investigarmos a experiência de homens sobre o seu exercício de paternidade questionamos a dicotomia que associa tudo o que pode ser mensurado com rigor e o que não se pode com a subjetividade (SPINK; FREZZA, 2004), essa última sendo compreendida como algo estranho ao fazer científico. O rigor está justamente na explicitação dos caminhos que trilhamos ao fazer essa pesquisa.

Questionamos o caráter pretensamente neutro das pesquisas que se apoiam em técnicas de mensuração e quantificação da realidade e compreendermos a subjetividade está presente sim nas metodologias quantitativas através das várias decisões que os pesquisadores precisam tomar, além dos interesses que os mesmos possuem nos seus objetos de pesquisa e no uso político que alimenta, direciona e que pode ser feito a partir dos resultados das pesquisas.

O rigor nas abordagens qualitativas viria na forma de explicitação do método, com a descrição clara não só do objeto pesquisado, mas dos contextos referentes ao fazer científico, incluído o lugar de onde fala os pesquisadores. Não basta questionar a neutralidade da ciência, mas é preciso clarificar ao leitor as especificidades envolvidas neste fazer científico, explicitando o pesquisador como um sujeito histórico e político. Assim assumimos esta proposta como uma

pesquisa qualitativa, de caráter descritivo e analítico ao mesmo tempo, que conserva um caráter exploratório (frente) o ineditismo do objeto de estudo.