• Nenhum resultado encontrado

3 A TRAJETÓRIA DOS IRMÃOS CAMPANA

3.3. AS PESQUISAS

Os irmãos Campana realizaram pesquisas com materiais nos anos de 1990, com experiências com papel, papelão, metal e materiais plásticos e industriais. Nos anos 2000 continuaram as pesquisas com os materiais industriais, como os tecidos, as borrachas, bichos de pelúcia e bonecas. Estas pesquisas demonstram uma fase de consolidação de uma gestualidade e de uma

poética própria dos Campana. Os irmãos partiram da exploração dos materiais e assim desenvolveram uma plasticidade em seus produtos; isto é, uma identidade que define o design dos irmãos Campana. Este processo desenvolve-se em toda a trajetória da dupla, mas é possível perceber que as pesquisas de materiais, de plasticidade e de técnicas de fabricação sofre um refinamento, no período no qual os irmãos começam a se aventurar na criação de outros produtos, além do mobiliário, como jóias e calçados. Este período coincide com uma afirmação do design dos Campana, com visualidade no exterior e reconhecimento no Brasil. Em 2001, realizaram uma parceria com a H.Stern, que lançou uma coleção inspirada em seu trabalho. Os designers não desenharam as jóias, mas participaram de todo o processo; a idéia era “traduzir” o universo dos Campana para as jóias. Fernando e Humberto criaram as embalagens para as peças. Eles desenvolveram nesta época uma luminária para a empresa Swarovski: um lustre/instalação chamado Prived Oca, apresentado no salão de Milão em 2003. (DOMINGUES, 2004).

Figura 24. Jóias desenvolvidas pela H.Stern, inspiradas no trabalho dos Campana. À direita, embalagem criada pelos irmãos Campana: feita com blocos que se unem e acomodam a peça. Fonte: Arc Design, 2001.

Apresentaram, ainda, uma retrospectiva da sua carreira no Design

Morrison, Tom Dixon e Hella Jongerius. A exposição “Zest for life” (paixão pela vida) aconteceu de junho a setembro de 2004 e mostrou os projetos da dupla desde a série Desconfortáveis chegando aos trabalhos recentes para a empresa Edra. (DOMINGUES, 2004). A dupla fez algumas montagens no espaço do museu, atraindo a atenção dos visitantes. Eles decoraram a escada com os lustres Prived Oca, produzidos pela Swarovski e com os biombos feitos em varetas de alumínio, que compõem a série de produtos Blow up. O museu construiu uma estrutura parecida com um tanque, na qual colocou alguns móveis e objetos dos designers, decorado com palha, despertando a atenção de quem passava ao lado do museu.

Figura 25. Catálogo da exposição “Zest for life” dos irmãos Campana em Londres. Fonte: http://www.parana-online.com.br/colunistas/97/19302/

A imprensa britânica conferiu uma atenção aos elementos que pareciam exóticos na exposição dos trabalhos da dupla, como afirmou o jornal Observer: "O colorido dos móveis deles é um passeio pela palheta de cores do Brasil" (GARCEZ, 2004). Ou ainda como destacou o Independent: “Inspirados pelos modestos materiais essenciais à vida nas favelas, eles criaram objetos de luxo e destacaram a desigualdade entre ricos e pobres" (GARCEZ, 2004).

Neste período de 2003 e 2004, os irmãos participaram do desenvolvimento de produtos diferentes dos objetos e mobiliário criado pela dupla: a sandália Melissa, da Grendene. A empresa já desenvolvia uma parceria com estilistas famosos, como Jean-Paul Gaultier, Alexandre Herchcovitch e Thierry Mugler. A Grendene realizou uma parceria com os Campana para uma releitura da tradicional sandália de plástico. Era a primeira vez que designers de mobiliário

assinavam modelos das sandálias. Os designers criaram dois modelos, um com salto, e uma bolsa, que foram apresentados no evento São Paulo Fashion Week, no ano de 2004. A idéia para criar a sandália veio da observação do processo de fabricação na fábrica. Os irmãos viram o plástico, cortado em finas tiras, os recortes ou sobras dos produtos. Da união dos elementos artesanais de seu trabalho com o processo industrial surgiram os modelos. Humberto declarou na época que o objetivo era conseguir estabelecer a mesma linguagem do mobiliário, “com a mesma qualidade do formal que a do trançado manual”. (DOMINGUES, 2004, p. 34).

Figura 26. O modelo desenvolvido para a Grendene com a bolsa e as experiências com os modelos de sandálias já comercializados pela Grendene. Fonte: Arc Design, 2004.

Os designers lançaram um novo modelo da sandália Melissa em outubro de 2008. A linha Campana Corallo, inspirada na poltrona premiada (2005) de mesmo nome, fabricada pela Edra. O modelo desenvolvido é uma comemoração pelos quatro anos de parceria entre os irmãos Campana e a marca de sandálias. (MELISSA, 2008). Na ocasião do lançamento da linha, Fernando Campana comentou a inspiração que motivou a criação da cadeira Corallo:

A cadeira Corallo nasceu de uma escultura que o Humberto fez em 1989. Naquela época ele estava investigando maneiras de construir objetos a partir de linhas que flutuassem no ar. Com o amadurecimento do nosso trabalho e com a ajuda da Edra nós conseguimos desenvolver um produto que aplicasse este mesmo conceito. (MELISSA, 2008).

A linha é composta de sapatilhas e bolsas, feitas com fios plásticos, dos quais pelo menos 30% de PVC reciclado (MELISSA, 2008). O lançamento do novo modelo aconteceu por meio de intervenções urbanas nas ruas de São Paulo e do Rio de Janeiro. Foram usados bonecos infláveis e vídeos em vias de grande circulação, para divulgar os produtos. A promoção do modelo foi associada à idéia de sustentabilidade, e as intervenções mostraram vídeos com frases como “recicle suas idéias” e “seja sustentável” (figura 28).

Figura 27. A sapatilha Campana Corallo e as bolsas da linha. O conceito de linhas e fios, emaranhados, criando um aspecto escultural também está presente nos produtos Melissa. Fonte: http://www.melissa.com.br/blog/

Figura 28. As ações e intervenções urbanas da Melissa: no Rio de Janeiro, o cenário natural foi usado para reforçar idéias de sustentabilidade e reciclagem, associadas aos produtos, que empregam material reciclado em sua composição. Os vídeos promoveram mensagens como “Recicle suas idéias” e “Seja Sustentável”. Fonte: http://www.melissa.com.br/corallo/

Parte da arrecadação com as vendas da linha Campana Corallo será doada à ONG Visão Mundial, localizada no Recife. A ONG atua no Brasil desde 1975 desenvolvendo diversos projetos sociais nas áreas mais carentes do país e também do mundo. (MELISSA, 2008).

Os designers já participaram de vários projetos diferentes, envolvendo projetos de jóias, sandálias, acessórios, luminárias. Surgiram ainda oportunidades de realizarem instalações e processos de curadorias em alguns museus internacionais. Em julho de 2007 a dupla realizou uma instalação no

Victoria and Albert Museum, na Inglaterra. A instalação foi montada na área do

jardim John Madejski, com esculturas feitas com bambu e apresentou também a nova edição da cadeira Victoria Regia, porém com grandes dimensões, criada especialmente para a comemoração do aniversário de 150 anos do museu.(VICTORIA AND ALBERT MUSEUM, 2007).

Figura 29. Os designers com a escultura de bambu criada para a instalação e a Vitória Régia de grandes dimensões.

Fonte: http://www.vam.ac.uk/images/image/39869-popup.html

Os irmãos Fernando e Humberto participaram do projeto Selects, do museu americano Cooper-Hewitt, um processo de curadoria com peças do acervo do museu, no qual são convidados artistas e designers. A dupla selecionou 20 objetos dentre o acervo gigantesco do museu. Manufacturing

emotions foi o título deste processo de curadoria que despertou o interesse dos

designers pelas peças inusitadas que as irmãs Cooper-Hewitt colecionaram. A maioria das peças que os irmãos escolheram possui uma relação com o ato de trançar e enrolar, uma característica da dupla. No desenvolvimento do processo, eles fizeram associações e utilizaram referências entre aquilo que encontravam e o próprio universo, para então selecionar os objetos. O interesse maior dos designers foi pelos livros de história natural e ilustrações sobre o imaginário dos navegantes e desbravadores sobre terras distantes, como a América do Sul, e sobre os perigos de navegar em mares desconhecidos.

Quando nos debruçamos pela primeira vez sobre o acervo do Cooper- Hewitt, deparamos com uma biblioteca repleta de livros de história natural, uma paixão das irmãs Sarah, Eleanor e Amélia Cooper-Hewitt, que fundaram o museu em 1897. E lá estavam vários livros de história natural e outros, retratando os monstros que os primeiros descobridores imaginavam existir na América do Sul. Imediatamente pensamos na mitologia rural brasileira e demos início a nosso processo de curadoria. (GRAÇA, 2007).

Outra proposta do museu, além do processo de curadoria, era o desenvolvimento de um móvel que seria incorporado ao acervo do museu. Desta proposta surgiu a cadeira Trans... Semelhante à cadeira Transplastic, desenvolvida em Londres para a exposição no Victoria and Albert Museum, realizada em 2007, a cadeira Trans... na explicação de Humberto Campana “explode, literalmente, com plástico e borracha. Ela vai soltando, como se fossem espinhos, tudo o que faz mal para o planeta, vai expelindo os recipientes nocivos”. (GRAÇA, 2007).

Figura 30. A cadeira Trans...Desenvolvida para o Cooper-Hewitt: à esquerda, o processo de trançar a fibra, com os objetos; cadeira pronta. Fonte: http: //www. ambient1.files.wordpress.com/2008/03/trans.jpg