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3 A TRAJETÓRIA DOS IRMÃOS CAMPANA

5.1. A NOMENCLATURA ASSOCIADA AO PROCESSO DE FABRICAÇÃO

5.1.1. O Artesanato

Neste contexto, a classificação do design dos Campana como artesanal e manual, é tratada como o oposto do processo industrial, sem uma avaliação mais atenta do método de produção utilizado. Na visão da mídia, os processos artesanais e manuais constituem a mesma prática: o fazer com as mãos. Esta classificação superficial é diluída quando são apresentadas algumas definições sobre a atividade artesanal, a qual não se restringe ao fazer manual. Mais do que a simples oposição ao uso de máquinas, o artesanato é uma prática tradicional, relacionada à própria história da humanidade. Está presente nos primeiros

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MDF, MDP e OSB diferem pela composição e organização das partículas de madeira. O OSB possui diferenças em relação ao MDF e MDP, pois utiliza as fibras da madeira de uma forma organizada, orientada e deste modo aproveita melhor o material na chapa. (MASISA, 2008).

registros da tentativa do ser humano criar e modificar artefatos para promover melhorias nas condições de vida do seu ambiente, desde aqueles voltados à utilidade eminentemente prática até os adornos. (SEBRAE, 2004).

O artesanato possui inúmeras definições, embora poucas ofereçam um entendimento mais profundo e abrangente sobre a atividade. O termo, muitas vezes, é usado para designar artefatos fabricados por processos manuais, como na definição adotada pela FUNARTE, na qual o artesanato é “o feito à mão, um toque da qualidade humana acima daquele toque, daquela massificação do produto que a máquina imprime”. (DUMS, 2005, p.23). Outra definição é adotada na classificação dos produtos industriais, de acordo com o regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) no decreto n. º 4.544 de 26.12.2002, art. 7º, inciso I, que define como produto de artesanato aquele proveniente de trabalho manual realizado por pessoa natural, quando o trabalho não conte com o auxílio ou participação de terceiros assalariados e quando o produto seja vendido a consumidor, diretamente ou por intermédio de entidade da qual o artesão faça parte. (APRENDENDO A EXPORTAR). Neste sentido, é importante observar que, de acordo com CORRÊA (2003, p. 27)

O uso corrente do termo artesanato, nos diversos suportes que constituem nosso cotidiano (textos oficiais, cartazes de lojas, linguagem coloquial, guias turísticos, dentre outros, definir-se-ia artesanato por qualquer coisa que é feito a mão precariamente, ou, ainda, como um fazer que toma para si, os referentes de antiguidade, exotismo e primitivismo.

A vinculação com o fazer manual e com o exotismo dificulta a compreensão do artesanato no contexto da sociedade e de suas implicações culturais. Deste modo, compreende-se, nesta pesquisa, o artesanato em um sentido amplo na sociedade atual, num processo de inter-relações entre os artefatos criados e as relações sociais, e, “não simplesmente, como a criação de objetos voltados para si mesmos” (CORRÊA, 2003, p.27).

A produção artesanal contempla a fabricação de produtos por meios não industriais, valorizando uma produção relacionada com as condições e hábitos dos artesãos, geralmente dentro de uma comunidade ou grupo que já possui um

conhecimento sobre determinada atividade. Segundo o escritor Otávio Paz, “falar de artesanato é falar mais de pessoas do que de objetos, pois o produto resultante do trabalho artesanal é um produto „com alma‟, onde estão presentes o saber, a arte, a criatividade e a habilidade.” (APRENDENDO A EXPORTAR). Desta maneira, é possível pensar o artesanato de uma forma mais abrangente, em sua dimensão cultural, como uma atividade que perpassa as relações sociais. O produto com alma, do qual fala Octavio Paz, é freqüentemente o aspecto buscado pelos consumidores, sobretudo na sociedade atual, onde muitos produtos se parecem, devido ao encurtamento das distâncias entre os mercados produtores e os circuitos de distribuição e comercialização, por influência da globalização18.

Produtos artesanais são os produzidos por artesãos, totalmente à mão ou com a ajuda de ferramentas manuais, ou, ainda, com a utilização de meios mecânicos, desde que a contribuição manual direta do artesão seja o componente mais importante do produto acabado. São produzidos sem limitação de quantidade e utilizam matérias-primas procedentes de recursos sustentáveis. A natureza especial dos produtos artesanais se baseia em suas características distintivas, que podem ser utilitárias, estéticas, artísticas, criativas, vinculadas à cultura, decorativas, funcionais, tradicionais, simbólicas e significativas religiosa e socialmente. (http://www.aprendendoaexportar.com.br)

O conceito de artesanato, entretanto, é transformado por influência das ações do mercado capitalista, como acredita GARCÍA CANCLINI (1983, p. 51):

O que define o artesanato: ser produzido por indígenas ou camponeses, a sua elaboração manual e anônima, o seu caráter rudimentar ou a iconografia tradicional? A dificuldade em estabelecer a sua identidade e os seus limites se tem agravado nos últimos anos porque os produtos considerados artesanais modificam-se ao se relacionarem com o mercado capitalista, o turismo, a indústria cultural e com as formas modernas de arte, comunicação e lazer.

Historicamente, a atividade artesanal está ligada ao desenvolvimento das corporações de ofícios, onde as etapas de trabalho eram compartilhadas pelos

18 A globalização é compreendida a partir dos conceitos de GARCÍA CANCLINI (2003) como um

processo de mudanças, que têm início com internacionalização e transnacionalização da economia, que reorganizam o regime de produção do espaço e do tempo, interferindo na dinâmica das relações sociais, culturais e econômicas.

membros da corporação, variando em função da habilidade e experiência individual. Entretanto, a atividade foi se modificando, no sentido de uma prática de trabalho, por influência da industrialização e mecanização da produção.

A Revolução Industrial estimulou a especialização e a fragmentação do trabalho em etapas diversificadas. O fazer manual passou a ser um saber, que destituído do processo de produção industrial, foi se transformando em atividade dependente da habilidade e experiência individual ou do grupo. O que muitas vezes é compreendido sob o termo artesanato é um trabalho não industrial e manual. Mais do que esta percepção, o artesanato vincula-se ao saber fazer tradicional, a uma habilidade prática.

O artesanato, nestes termos, está vinculado à técnica: o fazer manual, ou com ferramentas, o saber realizar na prática, a habilidade, são conhecimentos técnicos; porém não excluem a tecnologia. Este é o ponto fundamental no discurso em relação ao design dos Campana: sob o olhar da mídia, os irmãos confeccionam produtos artesanalmente porque são feitos à mão; não porque tragam algum conhecimento ou habilidade, mas porque são materializados com o uso das mãos.

Uma visão interessante do artesanato e da caracterização do trabalho artesanal é oferecida pela arquiteta Lina Bo Bardi, que estudou as manifestações da cultura popular brasileira, principalmente aquelas da região Nordeste, ainda pouco conhecidas nas décadas de 1950 e 1960. Lina Bo Bardi compreende o artesanato como parte da atividade de associações de artesãos, com um caráter popular que pode ser percebido em sua produção. Para ela,

a palavra Artesanato vem da palavra ARTE equivalente de Corporação. Praticamente toda a grande produção popular do passado pertence ao artesanato. No século XVIII, com a mudança das velhas estruturas econômicas, conseqüência da Revolução Francesa e da introdução da máquina no trabalho do homem, as Corporações foram abolidas: a estrutura individualista do Capitalismo era antagônica à estrutura coletivista das Corporações. Desde o fim do século XVIII os artesãos sobrevivem como herança de ofício, como trabalho, não mais como parte viva de uma estrutura social. (BARDI, 1994).