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3 A TRAJETÓRIA DOS IRMÃOS CAMPANA

5.3. O REUSO NO DESIGN HOLANDÊS

A idéia do reuso, tão característica do design dos irmãos Campana, também está presente em algumas escolas e grupos no design. Um exemplo é a Escola de Design de Eindhoven, na Holanda, que tem no reuso a base de muitos projetos (BASTIAN, 2000). Na Escola Eindhoven, o design é concebido como atividade humanista, baseada na tecnologia. Um dos aspectos interessantes do ensino é que os alunos são incentivados a buscar experiências com materiais variados, manipulando, criando e construindo objetos e produtos. Os alunos, nesta pedagogia, conhecem e controlam o processo produtivo de um

determinado produto; isto cria uma independência e motiva a criação, pois esta não se limita aos processos de fabricação. Um dos departamentos criados recentemente na Design Academy Eindhoven é o Ateliê Artesanal: uma proposta de aliar produção artesanal e industrial, procurando “redescobrir os materiais em função da evolução da indústria” (BASTIAN, 2000, p.34). Outro conceito que motivou o Ateliê foi a percepção da necessidade da presença humana nos produtos, como o toque, o gesto. O objetivo deste departamento é desenvolver peças únicas, mas que possam ser fabricadas em série. Este caminho é particularmente conhecido há bastante tempo pelos irmãos Campana, que redescobrem as possibilidades do material industrial e têm enfatizado a importância do gesto e do manual nos seus móveis. Alguns deles, como a cadeira Vermelha e a série Transplastic expressam o toque artesanal e o movimento das mãos, pois exigem esta intervenção no material; envolvem ainda o trabalho habilidoso de quem conhece o trançado, como no caso da Transplastic, que utiliza o vime trançado sobre o plástico.

Os irmãos Fernando e Humberto são admiradores do trabalho de Hella Jongerius, ex-aluna e integrante da Design Academy Eindhoven, que atualmente coordena o Ateliê Artesanal. Hella mostrou seus trabalhos no Salão de Milão pela primeira vez junto ao grupo Droog Design, em 1993. O grupo foi criado neste mesmo ano em Amsterdã, com o propósito de ser uma declaração no design. Reúne artistas, arquitetos, designers e fabricantes em seus projetos, que abrangem várias áreas do design. O Droog trabalha com um ideal voltado aos aspectos humanos, na concepção de um design humanizante. Seus produtos contam uma história sobre temas como memórias, nostalgia, reuso, artesanato e natureza. (DROOG, 2008).

A formação de Hella em Eindhoven e a atuação no Droog contribuíram para que ela desenvolvesse uma ênfase na humanização do produto. Ela entende a relação entre produtos e pessoas como uma forma de comunicação, pois o produto “se comunica com o meio ambiente e transmite um sinal emocional” (BASTIAN, 2000, p. 36). Os projetos são orientados pela observação de um caráter que possa distingui-los em meio aos produtos industriais

massificados; seu objetivo é imprimir uma “alma” ao produto. Para isto, Hella assinala uma imperfeição proposital nos objetos, como um sinal que o diferencia em relação aos demais e desperta subjetividade, a visão de um traço de manipulação pela mão humana, ou um processo artesanal. (BASTIAN, 2000, p. 36).

Neste contexto, no qual é trabalhado o design, os materiais têm grande importância, pois é por meio do material que se realizam experiências, descobertas e os limites estruturais, formais, etc. Hella observa cuidadosamente aspectos que pretende intervir, como no caso da cadeira que desenvolveu baseada em um modelo de cadeira africana simples. Hella descobriu a simplicidade de construção e a funcionalidade da cadeira e adaptou o modelo, fabricado em vários materiais.

Figura 49. A cadeira africana que deu origem às interpretações de Hella. A cadeira Kasese (1999) modelo dobrável, com estrutura em fibra de carbono. À direita, outro modelo feito de madeira, sem os revestimentos. Fonte: http://www.jongeriuslab.com/site/html/work/kasese_chair/05/

Hella Jongerius e Lisbeth in‟t Hout (diretora-adjunta da Design Academy) estiveram no Brasil participando do projeto “Design Solidário”, que ocorreu em maio de 2001, na FAAP em São Paulo. Este encontro foi organizado por A CASA “com o objetivo de estimular e investir na formação e capacitação profissional dos artesãos, integrando o design de qualidade e a produção artesanal” (BASTIAN, 2000, p. 37) e contou com a participação de quatro instituições: A CASA em São Paulo, Academy Design Eindhoven na Holanda, Associação Comunitária Monte

Azul na Zona Sul de São Paulo e a Fundação Padre João Câncio em Serrita, PE. (A CASA, 2001). Os alunos holandeses desenvolveram vários produtos em parceria com as comunidades de artesãos. O projeto organizado pela A Casa tinha como finalidade a promoção do artesanato em união com o design; “A Casa tem como objetivo otimizar e revitalizar objetos artesanais e vem desenvolvendo projetos cuja proposta central é de promover encontros e ações conjuntas entre o Design - concepção urbana e o patrimônio cultural do artesanato.” (A CASA, 2001).

Figura 50. O vaso Soft Urn (1995) de Hella Jongerius: resina flexível como recursos para inserir imperfeições ou “defeitos” de fabricação. O molde para o vaso foi feito a partir de um vaso já existente encontrado no mercado. Ao centro e à direita: produtos desenvolvidos no Projeto Design Solidário, com a Associação Comunitária Monte Azul (2001). Fonte: http: //www.jongeriuslab.com/site/html/work/kasese_chair/05/;

http://www.acasa.org.br

As propostas da Design Academy da Holanda mostram-se muito próximas às propostas que os irmãos Campana vêm realizando há algum tempo. O design foi se distanciando da atividade artesanal, em direção à produção industrial. Neste processo, porém, muitas possibilidades que poderiam auxiliar o design foram desconsideradas. Segundo ESTRADA (2004, p.21), o design brasileiro da atualidade caracteriza-se como uma atividade mista, “de expressão em duas vertentes opostas – indústria e artesanato – as quais tendem a se encontrar criando o que, genericamente, se convencionou chamar de „a cara Brasil‟”. Esta expressão revela uma visão sobre a importância dos processos de fabricação na construção de uma concepção de design. A discussão sobre o design brasileiro

passa, ainda na atualidade, pela questão dos processos de fabricação e pelas concepções de tecnologia. Certo distanciamento entre design, artesanato e indústria foi praticado desde a instituição oficial do design no Brasil, como já foi discutido no capítulo I. Por esta e outras razões, a chamada „cara Brasil‟ possui múltiplas faces, com diferentes diálogos sobre fabricação, tecnologia e métodos de planejamento e criação de produtos.

Artesanato e design estiveram separados por muito tempo, mas o encontro das práticas tem ocorrido não somente no Brasil, mas em outros países, como mostram as iniciativas na Holanda. Aspectos trabalhados na Design Academy

Eindhoven, como a preocupação com a humanização, emoção e interferência

humana nos objetos, são aspectos que falam do envolvimento artesanal no planejamento do design.

O objeto feito à mão ganhou força por meio destas iniciativas, pela promoção do valor deste trabalho e por estas parcerias, realizadas entre designers e artesãos, mostrando que a concepção de arte e técnica ainda pode ser agente de transformação, como nos tempos em que a escola alemã Bauhaus fazia esta proposta. O design dos irmãos Campana foi classificado como arte e artesanato em grande parte pelo diálogo com a atividade artesanal que emprega poucos maquinários e equipamentos. Esta é uma concepção discutida na utilização de alguns termos para explicar o design dos Campana, como será abordado no próximo item.