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3. O conhecimento profissional mais geral

3.3. Aspectos gerais do ensino e da aprendizagem

Esta secção refere-se ao conhecimento pedagógico geral de Tiago que se relaciona essencialmente com os saberes e concepções sobre o ensino, a aprendizagem

e os alunos em geral, incluindo: (i) o conhecimento de princípios e de estratégias de ensino para a criação de ambientes de aprendizagem; (ii) o conhecimento sobre os alunos e sobre processos de aprendizagem; e (iii) o conhecimento de organização e gestão da sala de aula

Na sua perspectiva, para um aluno ter sucesso em Matemática precisa de ter facilidade em memorizar e apreender os conceitos matemáticos e conseguir disponibilizar e aplicar bem esses conceitos mesmo em situações não familiares. Para isso, muitas vezes, tem que apelar às suas experiências e seguir processos ou caminhos próprios para dar resposta ao que está a estudar:

“[um bom aluno em Matemática] é um aluno que memoriza, que consegue conceptualizar, que consegue apreender os conceitos com facilidade e principalmente que os consegue aplicar… não é só apreender… porque há alunos que conseguem apreender os conceitos, que conseguem resolver as situações colocadas de uma forma habitual… mas o bom aluno é aquele que consegue aplicar isso mesmo em prática. (…) um bom aluno na Matemática é, em princípio, aquele aluno que consegue resolver todas as questões que lhe ponho. Mas… não só. Um bom aluno a Matemática pode ser um aluno que consiga muitas vezes resolver uma situação de uma forma completamente diferente daquele outro aluno que segue à risca aquilo que o professor lhe ensina. Um bom aluno pode ser aquele aluno que numa situação real consiga dar determinada solução a um problema que a sua vivência, que a sua própria vivência lhe traz” (EntT.032).

Evidentemente, ao longo da sua vida profissional já teve “alunos melhores, alunos piores”. Para esta apreciação, atribui uma particular relevância à respectiva capacidade de operar e de resolver situações problemáticas, procurando, por isso, que estas situações “sejam muito no concreto” e, se possível, retiradas do ambiente e das vivências dos alunos:

“sejam algo que lhes diga alguma coisa… quer dizer, se estamos no Outono vamos falar nas castanhas, que aqui é uma terra onde se cultiva muita castanha, pois o assunto são as castanhas, que se apanharam castanhas, que se venderam tantos sacos de castanhas, que pesavam tanto, que foram vendidas tantas castanhas, que foram repartidas por sacos de 30 Kg ou de 50 Kg (…) há sempre um aluno que quer falar sobre as castanhas que o avô tem. (…) procuro utilizar sempre elementos referentes à localidade onde estou” (EntT.187, 188).

Acha que, desta maneira, os alunos aprendem melhor quando faz essa ligação a aspectos mais conhecidos da sua vida quotidiana porque quando trabalham em situações concretas “há sempre… um correr de conversa” (EntT.188). Ao trabalharem sobre uma realidade mais próxima ou familiar, os alunos sentem-se mais motivados e isso permite-lhes ter uma maior participação e uma maior capacidade de enfrentar a situação, aumentando as suas possibilidades de comunicação e de autocorrecção, como vem sendo referido na literatura (National Council of Teachers of Mathematics, 2000).

Sobre os alunos que revelam mais dificuldades, Tiago não gosta de os considerar “maus alunos a Matemática”. Mas reconhece que “há aqueles alunos que bloqueiam, há aqueles alunos que, por várias razões, têm dificuldade em memorizar, têm dificuldade em adquirir determinados conceitos e, principalmente, têm dificuldade em aplicá-los” (EntT.033). Também não esquece que, frequentemente, mesmo no próprio ambiente familiar ou social dos alunos, a Matemática é olhada e entendida como “o bicho papão” podendo, desde muito cedo, dar origem e desenvolver atitudes bastante negativas relativamente a esta disciplina, sendo desculpabilizado um eventual insucesso. Para os casos mais complicados de alunos com dificuldades, Tiago tenta fazer um ensino mais individualizado e atender aos conhecimentos anteriores desses alunos:

“os alunos com mais dificuldade na aprendizagem de determinados conceitos matemáticos… é porque alguma coisa já vem mal de trás, não é?… E então eu não posso, desculpe a expressão, ‘impingir’ determinado conceito a um miúdo se ele não perceber aquilo que realmente já devia ter aprendido, mas não sabe. Por isso é que privilegio o ensino individualizado. Também tenho que admitir que o número [reduzido] de alunos que tenho, e tenho tido, quase me obriga e permite- me também que faça um ensino mais individualizado e assim faça perceber ao aluno aquilo que realmente ainda não tinha atingido até conseguir compreender aquele conceito. Portanto, muitas vezes vou retomar esses conceitos um bocado mais atrás. Muitas vezes tem de ser” (EntT.192).

Igualmente, nas suas aulas, fomenta bastante o trabalho de grupo em todas as áreas disciplinares, dado que “é um factor de socialização, é um factor de entreajuda e de troca e partilha de ideias” (EntT.218). Para um melhor aproveitamento dessas interajudas, geralmente forma os grupos juntando “alunos que têm mais facilidade de trabalhar com os que têm menos facilidade” (EntT.028), pois tem verificado que esta

situação é bastante vantajosa para todos, nomeadamente, na compreensão de alguns assuntos, dado que “muitas vezes, os alunos conseguem perceber muito melhor quando é um outro colega que está a explicar, que está a ajudar, do que quando é o professor”. Nas actividades observadas, Tiago utilizou dois critérios para formar os grupos: numa tarefa de medições reais, um dos grupos foi formado pela aluna com mais dificuldades e pela aluna que melhor desempenha e nas restantes tarefas optou por juntar os alunos do mesmo ano de escolaridade.

Este seu grande interesse pelo trabalho de grupo, para além das possibilidades que permite, resulta também do facto de ter pertencido a uma geração que não aprendeu a trabalhar em grupo, pois só quando frequentou o Magistério é que teve oportunidade de aplicar esta forma de trabalho com mais frequência. Ainda se recorda das grandes dificuldades sentidas, quer enquanto aluno, quer enquanto professor, fazendo-lhe “lembrar uma vez em que pus quatro miúdos a fazer um desenho em grupo, cada um desenhou um desenho independente, no seu canto… Quando fui para o Magistério era praticamente isto que fazíamos” (EntT.218).

Tiago não tem tido casos muito complicados de indisciplina na sua sala de aula. Considera a indisciplina um conceito “muito amplo” e que acontece, frequentemente, como resultado da falta de motivação dos alunos. Tem constatado que, na aula, “há crianças que conseguem, por exemplo, estar das oito às dez e meia da manhã disciplinados e há outros que só conseguem uma hora” (EntT.193). Por isso, tenta responder a essa situação arranjando estratégias adequadas para manter os alunos motivados. Quando não o consegue, evidentemente, chama os alunos à atenção, repreendendo-os, e, por vezes, tem de “pregar-se um sermão”, procurando não perder a paciência, pois “isso só acontece quando realmente se perde o controlo”.

O ambiente familiar dos alunos, “a educação que o miúdo traz de casa” (EntT.194), com a consequente valorização, ou não, do papel da escola e do professor, é outro factor que considera muito importante para a (in)disciplina na sala de aula. De facto, uma atitude positiva por parte da família incutindo nos alunos “que o professor representa uma certa autoridade e que está ali para o ajudar a preparar-se para a vida” pode contribuir significativamente para melhorar os níveis de disciplina na escola e, portanto, na sala de aula.

Tem sido muito frequente para Tiago trabalhar com vários anos de escolaridade simultaneamente na mesma sala de aula. Insiste na ideia que a sua actuação tem de ser obrigatoriamente diferente, “isso é quase do dia para a noite”, se apenas tem um só ano de escolaridade ou se tem os quatro anos, tendo consciência que, neste caso, sente maiores dificuldades na gestão do trabalho dado que tem que recorrer simultaneamente a “aulas directas e aulas indirectas” para organizar as actividades:

“a nossa actuação tem que estar orientada para várias coisas. Se temos quatro anos de escolaridade temos que ter oito olhos, temos que ter muitas mãos, porque é preciso… Para já, a planificação tem de ser muito melhor estruturada, tem que ser muito mais bem pensada e… exige também uma outra preparação, até de materiais, para que os alunos estejam a trabalhar em comum (…) isso reflecte-se até na própria classe que está a ter, por exemplo, uma aula directa mas há um aluno de outro ano de escolaridade que intervém, que coloca uma dúvida. E eu não lhe posso dizer sempre ‘agora não’, quer dizer, depois muitas vezes perde-se a ideia, há um corte da ideia e depois até pode haver uma dispersão dos próprios alunos que estão a ter aula directa para o assunto que está a ser tratado pelo aluno que apresentou a dúvida… E isso é das coisas difíceis de gerir, mas que no fundo é a realidade de quase todos os professores do primeiro ciclo, principalmente, dos professores que trabalham nos meios rurais” (EntT.284).

Neste contexto, que considera muito exigente, os materiais curriculares surgem como meios auxiliares muito úteis que o ajudam na sua prática lectiva e permitem-lhe gerir muito melhor a ocupação e o trabalho de todos os alunos. Neste ano lectivo, como lecciona apenas dois anos de escolaridade e como são anos consecutivos, tem possibilidade de abordar conjuntamente muitos conteúdos matemáticos, tal como foi possível verificar em muitos momentos das aulas observadas:

“muitas vezes, os materiais vão auxiliar na ocupação dos alunos… mas não é uma ocupação só por ocupar, permite gerir melhor o trabalho dos alunos. Por exemplo, este ano, como só tenho dois anos de escolaridade, é mais fácil eu poder dar aulas quase em conjunto abordando os mesmos temas e trabalhar a Matemática com os dois anos. Mesmo não estando a trabalhar os mesmos conceitos, trabalhar a mesma área disciplinar ajuda a que não haja tanta dispersão, porque quando isso acontece trabalha-se quase de uma forma directa e indirecta. Enquanto os alunos do quarto ano fazem um determinado exercício no manual escolar, posso estar a ajudar outro aluno do terceiro ano na resolução de outra situação ou então na manipulação dos materiais, na experimentação. E outras vezes há necessidade mesmo de pôr os alunos a fazer outro tipo de actividades completamente diferente, com outra disciplina. Isso permite que nos

centremos, portanto, que o professor se vá concentrar mais na aula directa… mas, lá está, tem de estar preparada a aula indirecta (…) temos que dar atenção aos alunos todos” (EntT.285).

Não tem sentido dificuldades especiais nessa utilização dos materiais “porque normalmente quando utilizo o material é porque o conheço” (EntT.277). Os materiais curriculares também não lhe têm trazido problemas acrescidos na gestão da sala de aula, particularmente, na gestão do tempo que vai destinando para as tarefas, devido ao modo de organização curricular existente no seu ciclo de ensino:

“no primeiro ciclo não temos grande problema em relação à gestão do tempo (…) e isso, neste momento, não me afecta, não constitui dificuldade… às vezes ficam tarefas a meio para concluir no outro dia… acho que a todos os professores acontece isso… quando nos perdemos na aula e depois quando damos por isso o tempo esgotou” (EntT.278).

Evidentemente, ao longo do seu percurso profissional, já tem usado uma grande diversidade de materiais curriculares mais relacionados com a Matemática. Por exemplo, nas aulas deste ano lectivo, para além do manual escolar, Tiago tem recorrido a diversos materiais, na sua maioria disponíveis na escola, como sejam a régua, o esquadro, o metro articulado, a fita métrica, a balança tradicional, o calculador multibásico, o puzzle tangram “para construir figuras, os alunos até o utilizam como diversão”, os dominós “principalmente na classe dos mais novos”, modelos de sólidos construídos, o ábaco, as barras Cuisenaire “principalmente para a definição e formação de conjuntos, dos atributos cor, tamanho” (EntT.266). Também tem utilizado fichas de trabalho quer as que já se encontram organizadas nos manuais escolares quer as que ele próprio produz quando planifica o trabalho lectivo.