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2. O contexto curricular e de formação

2.2. O contexto de formação

A percepção daquilo que o professor deve saber nos diversos domínios da sua actividade e a maneira como se forma e desenvolve como profissional têm vindo a evoluir nas últimas décadas, vindo a assistir-se à emergência do conceito de desenvolvimento profissional a partir do conceito de formação.

Discutindo e contrastando os dois conceitos, Ponte (1998, 2005) considera que a formação tende a ser vista mais como um movimento de fora para dentro, olhando para o professor com objecto e destinada a transmitir conhecimentos que o professor deve assimilar para compensar os aspectos em que é menos eficiente; a formação é igualmente entendida de um modo bastante compartimentado, por assuntos ou disciplinas, partindo invariavelmente da teoria e frequentemente não saindo dela. Por outro lado, o desenvolvimento profissional, considerando a teoria e a prática interligados, é mais um movimento de dentro para fora, em que o professor se vê como sujeito, como um todo nos aspectos cognitivos, afectivos e relacionais, cabendo a ele próprio tomar as decisões que mais lhe interessam e enfatizando as suas qualidades. No entanto, o autor entende que ambos os conceitos são úteis e que não existe incompatibilidade entre eles, tudo dependendo da maneira como forem encarados e perspectivados. Neste sentido, se a formação, ultrapassando a lógica de transmissão de

conhecimentos ou de aquisição de competências, assumir formas mais abertas e prolongadas no tempo pode ser um suporte fundamental do desenvolvimento profissional.

Embora, de facto, seja possível associar características mais dinâmicas ao desenvolvimento profissional e reservar um papel mais estático, porque mais compartimentada, à formação, a verdade é que, no quadro do nosso sistema educativo, para o estudo da construção do conhecimento profissional do professor, é fundamental conhecer os diversos processos de formação mais ‘formais’, como sejam a formação inicial, contínua ou especializada, e atender à sua grande variedade.

A formação inicial dos professores (generalistas) para os primeiros quatro anos de escolaridade correspondentes ao actual primeiro ciclo do ensino básico foi feita desde os anos trinta até aos meados da década de oitenta nas Escolas do Magistério Primário. Os cursos ministrados, consagrando a monodocência, tiveram, numa primeira fase, a duração de dois anos, sendo exigido que os futuros professores estivessem habilitados com o correspondente ao actual nono ano de escolaridade e ultrapassassem com êxito, entre outras, uma prova de admissão em aritmética elementar. Do plano de estudos do curso não constava qualquer disciplina de Matemática, havendo a possibilidade de abordar aspectos relacionados com o ensino da Matemática, especialmente os algoritmos das quatro operações aritméticas e temas ligados à medida, na Didáctica específica (Serrazina, 2005).

Em 1976, a organização e as condições de acesso ao curso são alteradas profundamente, passando a desenvolver-se ao longo de três anos e a ser exigido a aprovação no ano correspondente ao actual décimo primeiro ano e ainda numa prova de Língua Portuguesa e Matemática. Do plano de estudos, também passou a constar obrigatoriamente uma disciplina de Matemática nos primeiro e segundo anos do curso. No terceiro ano, essencialmente orientado para a Prática Pedagógica, os alunos eram acompanhados por um professor de Matemática nas sessões semanais de planificação e reflexão dessa prática e na observação das aulas. Foi este o modelo de formação inicial seguido por Tiago, participante neste estudo, quando frequentou o seu Curso do Magistério Primário.

Mais tarde, em meados da década de oitenta, as Escolas do Magistério Primário dão lugar às Escolas Superiores de Educação que, passando a integrar o sistema de ensino superior politécnico, têm condições de acesso idênticas às das restantes instituições do ensino superior. Essas escolas começaram a funcionar oferecendo cursos de formação inicial para educadores de infância e para professores do primeiro ciclo, seguindo um modelo integrado, que conferiam o grau de bacharel e tinham a duração de três anos. Nesta altura, estes cursos também passaram a constar das ofertas de formação inicial de algumas Universidades.

Pouco tempo depois, as Escolas Superiores de Educação começaram, igualmente, a oferecer cursos de professores do ensino básico, em variantes de áreas curriculares do segundo ciclo, desenvolvendo-se ao longo de quatro anos e conferindo o grau de licenciatura. Estes cursos foram orientados quer para o primeiro ciclo quer para o segundo ciclo numa determinada área de estudo (sendo uma delas a área de Matemática e Ciências da Natureza) e concedem, simultaneamente, habilitação profissional para esses dois ciclos do ensino básico. Foi este o modelo seguido por Marta, participante neste estudo, tendo obtido a sua formação inicial através do Curso de Professores do Ensino Básico, variante de Matemática e Ciências da Natureza.

Posteriormente, em 1997, resultante da alteração da Lei de Bases do Sistema Educativo (1986), todos os cursos de formação inicial de professores, independentemente do nível de ensino a que se destinavam, passaram a conferir o grau de licenciatura. Como consequência, os cursos para educadores de infância e para professores do primeiro ciclo começaram a ter a duração de quatro anos, conduzindo à (difícil) coexistência actual nas Escolas Superiores de Educação de dois tipos diferentes de licenciaturas de quatro anos: um tipo que confere habilitação profissional apenas para o primeiro ciclo do ensino básico e outro, as variantes, que habilita simultaneamente para os primeiro e segundo ciclos.

Entretanto, para que os professores em serviço pudessem obter a licenciatura, as instituições de formação passaram a oferecer formação especializada através de cursos de formação complementar ou de cursos de estudos superiores especializados em áreas de docência do ensino básico com a duração de dois anos. Tiago, professor generalista participante neste estudo, seguiu esta segunda via para se licenciar frequentando, com

êxito, o Curso de Estudos Superiores Especializados em Ensino do Francês no Primeiro Ciclo do Ensino Básico.

A formação inicial dos professores dos restantes níveis de ensino, terceiro ciclo e secundário, foi sempre assegurada pelas Universidades e encontra-se muito mais estabilizada do que a formação inicial para os dois primeiros ciclos de ensino. Numa primeira fase, os cursos correspondiam a licenciaturas em Matemática de cinco anos, podendo os alunos optar, no final do terceiro ano, pelo Ramo científico ou pelo Ramo educacional. A realização, com êxito, deste ramo educacional concedia a habilitação profissional para leccionar a disciplina de Matemática nos segundo (até aparecimento das Escolas Superiores de Educação) e terceiro ciclos do ensino básico e no ensino secundário. O plano de estudos seguia um modelo sequencial, em que os três primeiros anos eram dedicados às disciplinas de índole científica, na sua quase totalidade ligadas à Matemática, o quarto ano era constituído por disciplinas de natureza educacional geral e de didáctica da Matemática e o quinto ano reservava-se para a realização numa escola secundária de um estágio pedagógico supervisionado.

Depois, nas décadas de setenta e oitenta, com a criação das chamadas Universidades ‘novas’, desenvolvem-se as licenciaturas em ensino da Matemática com a duração de cinco anos, tendo algumas instituições optado por um modelo de planos de estudo mais integrado e outras seguido um modelo mais sequencial, no sentido das licenciaturas do ramo educacional. Foi este o modelo seguido por Sofia, participante neste estudo, quando obteve a sua Licenciatura em Ensino da Matemática.

Se uma formação inicial adequada é importante para o exercício da profissão, não menos importante é a formação que o professor pode adquirir através do seu trabalho docente continuado e de outras experiências formativas que necessariamente vão influenciando a construção do seu conhecimento profissional. Esta importância é amplamente reconhecida pela Lei de Bases do Sistema Educativo (1986) que consagra a formação contínua como um direito de todos os professores de modo a complementar e actualizar a formação inicial numa perspectiva de formação permanente. A sua posterior regulamentação aconteceu no início dos anos noventa enquadrando as finalidades da formação contínua na melhoria da qualidade de ensino, definindo os princípios que a devem nortear, indicando as áreas de incidência e respectivas

modalidades e níveis, e instituindo um sistema de créditos com implicações na progressão da carreira docente. Inicialmente, a responsabilidade das acções de formação contínua foi atribuída às instituições do ensino superior de formação de professores, após certificação do Conselho Científico da Formação Contínua de Professores, tendo sido alargada, posteriormente, aos centros de formação de professores.

Podemos afirmar que, neste momento, a formação inicial de professores de Matemática está completamente consolidada no sentido de se entender que esta etapa é essencial para o desempenho da profissão docente e que, por isso, é uma condição necessária para o exercício profissional. Como se pode verificar, os três professores participantes no estudo adquiriram a respectiva habilitação profissional através de cursos de formação inicial de professores de duração variável, frequentando diferentes tipos de instituições de formação e seguindo modelos de formação diversificados. Esta diversidade pode revelar-se de grande utilidade na clarificação dos processos de construção do conhecimento profissional.

Da mesma forma, as sucessivas experiências formativas vividas ao longo da carreira docente, umas mais de iniciativa própria e outras propostas externamente, podem constituir referências muito fortes e reveladoras das formas como o conhecimento profissional se vai construindo.