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2. O percurso pessoal e profissional

2.6. Ser professor

Tiago acha que a sua vida pessoal e familiar não tem influenciado ou interferido muito no seu percurso profissional, “se assim fosse hoje estaria muito mais baralhado na minha vida profissional” (EntT.155), havendo, evidentemente, acontecimentos no seu percurso pessoal que o foram obrigando a alterar a respectiva situação profissional. Refere, como exemplos, o seu regresso a Bragança que foi devido, em grande parte, a um problema de saúde que lhe surgiu ou o facto de ter contraído matrimónio que o

obrigou a “repensar a vida” (EntT.156) e a assumir outras responsabilidades familiares, conduzindo-o, durante uns anos, a uma situação de duplo emprego assegurando umas aulas de Educação Física num colégio particular.

Tiago afirma que o facto de ser homem não tem influenciado significativamente a maneira como vai desempenhando o seu papel de professor, embora tivesse revelado algumas dificuldades em falar sobre isso. Foi adiantando que, por ser homem, uma das situações onde poderia haver diferenças seria na maior facilidade em controlar os alunos e, portanto, fazer uma melhor gestão de eventuais casos de indisciplina; no entanto, já lhe aconteceu ser, de facto, melhor sucedido do que professoras mas também já sucedeu o contrário. Assim, inclina-se a concluir que o género não é determinante no exercício da profissão docente e o que realmente é importante é o que o professor ou a professora faz na sala de aula. Por outro lado, sendo o primeiro ciclo do ensino básico um nível de ensino com uma larguíssima maioria de professoras, pensa que, por esta razão, frequentemente assume nas reuniões um papel mais moderador:

“isto é um bocadinho… acho que é uma pergunta com uma resposta um pouco complicada [risos]. Eu sou uma pessoa que não tenho problemas com as pessoas da aldeia, com os encarregados de educação, ou com a comunidade e isto é fruto daquilo que se passa dentro da sala de aula. Porque se eu fosse um mau profissional… o que eu não me considero, acho que sou um profissional normal… mas se houvesse um mau relacionamento dentro da sala de aula com os alunos isso reflectia-se com os encarregados de educação e com a comunidade. Agora o facto de ser homem é capaz de muitas vezes… [pausa longa]. Já houve situações, pois em vinte e tal anos de trabalho há muitas situações… Por exemplo, um determinado miúdo que a colega não conseguia dominar e eu conseguia, mas o caso contrário também já se deu. Também já se deu o caso em que os alunos se davam muito bem com uma professora e depois não conseguiram adaptar-se ao meu feitio. Eu entendo mais que o meu papel de professor-homem, a nível profissional, seja mais de controlo… A nível de grupo de professores, acho que tenho um papel mais de moderador… se estão vinte colegas senhoras e estou só eu homem, às vezes, sirvo mais de moderador do que se estivessem só elas. Portanto, é mais nesse aspecto, porque penso que a nível profissional não influencia” (EntT.158).

Recorda ainda que, enquanto aluno, também não tinha qualquer preferência por professoras ou por professores, pois “os professores que passaram por mim, sou capaz de os ver todos, acho que tive de tudo” (EntT.159) em ambos os géneros. No entanto,

talvez tenha ficado com a ideia que as professoras eram normalmente mais severas ou mais ríspidas. Mas também reconhece que essa ideia pode ser devida ao facto de ter pertencido a turmas quase sempre problemáticas, especialmente na adolescência, e naturalmente as professoras assumiam uma posição muito mais defensiva e “quem está na defensiva não pode cativar muito”.

Já a circunstância de ser pai de duas filhas, não o fazendo encarar a profissão de uma maneira radicalmente diferente, levou-o a reflectir e a alterar algumas das suas actuações enquanto professor, como ressalta de outros estudos (Kelchtermans, 1995). Mesmo inconscientemente, não deixava de ver e fazer analogias entre o ser filho e o ser aluno, entre a educação que se dá a um filho e a educação que ele recebe na escola, “quando temos o nosso filho nós não conseguimos separar” (EntT.160). Esta situação passou-se especialmente em relação à sua filha mais velha pois “quando temos filhos já pensamos duas vezes. Eu não gostava que a minha filha chegasse a casa com queixas do professor. Pronto, se calhar o comportamento que temos em casa com os nossos filhos também é reflexo da nossa situação profissional… e isso eles sentem-no bem mais do que nós”.

Neste momento, Tiago sente-se bastante preocupado com uma série de indefinições ou de mudanças em curso na política educativa como sejam a alteração da estrutura curricular no ensino básico, os concursos de colocação de professores e, especialmente, o sistema de aposentação dado que “assusta a ideia de me fazerem trabalhar até aos sessenta anos… quer dizer, quando me faltam sete anos para me aposentar, se me fazem trabalhar mais quinze anos… assusta-me essa ideia” (EntT.166). No entanto, e nos aspectos mais ligados à sala de aula, continua a tentar “fazer o melhor, tento fazer o melhor que posso”, destacando a grande importância da formação que vai obtendo como resultado da sua experiência profissional do dia-a-dia e que lhe tem permitido evoluir “a vários níveis” desde que começou a trabalhar e contribuído decisivamente para o professor que é hoje:

“portanto, a experiência é importante… A formação também se vai construindo com a experiência e ao longo do tempo e vamos crescendo com essa experiência. (…) É evidente que é impensável comparar… comparar-me no primeiro dia de aulas, ou nos primeiros tempos de aulas, em que eu fazia aqueles planozinhos em casa, muito bem feitinhos e depois chegava à escola e mal conseguia dominar aquela malta, quanto

mais cumprir o plano que ali tinha. (…) Acho que tenho e houve uma evolução a vários níveis… uma série de factores, que será difícil enumerar, que contribuíram de uma forma decisiva. É evidente que estas alterações fazem-se ano a ano, constroem-se… acho que se constroem ano a ano” (EntT.165, 166).

Como resultado, embora tenha tido anteriormente alguns momentos de menor optimismo face às suas capacidades para responder eficazmente a todas as solicitações e exigências profissionais, Tiago sente-se cada vez mais maduro e confiante. Na sua perspectiva, isto acontece por que não tem “parado” e não se tem acomodado em termos profissionais, tem investido na sua própria formação a diversos níveis e vai colaborando com os outros colegas:

“há fases na vida em que nós paramos para pensar, fases na vida em que dizemos ‘afinal o que é que eu ando aqui a fazer’ ou ‘se calhar, eu não estou a ajudar estes alunos’, quer dizer, há fases destas na vida. Mas, neste momento, eu acho, e isto sem vaidade, acho que é como o vinho do Porto [risos]. Porquê? Porque acho que não tenho parado. Acho que não tenho desinvestido nada. Porque esse é um dos males… acho que um dos males do ensino e dos professores é pararem. E eu procuro não parar. Procuro arranjar novas estratégias, procuro conversar com outros colegas, procuro alguma formação que me possa ser útil… acho que a própria vida nos vai amadurecendo. E acho que deve ser um amadurecimento… sem apodrecer [risos]. Porque um amadurecimento, sem apodrecer, é sempre positivo” (EntT.165).

Por isso, Tiago valoriza muito a reflexão como processo de crescimento profissional (GTI—Grupo de Trabalho de Investigação, 2002), procurando aproveitar todas as situações, mesmo as menos positivas, para melhorar as suas práticas docentes e, assim, tentar aprender e reflectir sobre os seus “erros”, pois “se temos consciência deles… quem tem consciência dos erros, já é um grande passo… se tem consciência dos erros tenta melhorar, não é?” (EntT.139).

No momento actual, Tiago gosta da profissão de professor, apesar de a considerar bastante exigente e absorvente, e dedica muito do seu tempo ao seu desenvolvimento profissional. A este propósito, refere:

“na minha vida há várias coisas que ocupam lugar, embora cada qual com sua a prioridade e oportunidade. Em primeiro lugar estão as minhas filhas, a família… À profissão dedico a maior parte do meu tempo. Nós, professores, não conseguimos esquecer o nosso local de trabalho e os nossos alunos após as cinco horas diárias… Há trabalhos para corrigir,

planificações a fazer, relatórios técnicos, preparação de aulas… Há ainda a formação contínua, participação em sindicatos, associações, que não deixam de nos manter ligados ao nosso trabalho. Não fui para professor porque gostava, mas hoje gosto… se há algo que gosto de fazer é leccionar” (EntT.084).

Há várias coisas que lhe agradam na profissão. Em primeiro lugar, gosta de se relacionar e trabalhar com as crianças, “dando-lhes um pouco do meu ser e respeitando a sua individualidade” (EntT.002). Depois a profissão docente também possibilita exercer funções com alguma autonomia que considera um dos aspectos mais importantes para quem trabalha em regime de monodocência. Para Tiago, a autonomia é “a coisa que mais gosto (…) e quando me cortam a autonomia é como se me cortassem as asas. Portanto, não gosto quando me tentam impor coisas de que eu não gosto ou que eu acho que não são as mais adequadas, as mais correctas, então acho que me estão a cortar a autonomia” (EntT.167). Igualmente, e tendo em conta a realidade do país, acha que, no âmbito do funcionalismo público, a profissão de professor está razoavelmente bem paga, o que lhe vai permitindo usufruir de uma certa estabilidade económica.

Por outro lado, e para além da eventual falta de autonomia, as deficientes condições de trabalho na maioria das escolas por onde tem passado, fruto da “forma como a educação é tratada em Portugal” (EntT.003), surgem como outro aspecto que menos lhe tem agradado na profissão. Embora relacionando-se bem pessoal e profissionalmente com os outros, também se sente desconfortável com a postura e a maneira como alguns colegas encaram e se alheiam da profissão, pois “isso mexe muito comigo porque realmente não é a minha maneira de ser e de estar na vida” (EntT.168).