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3. Metodologia do estudo

3.3. Recolha de dados

3.3.2. Procedimentos e instrumentos utilizados

A recolha de dados iniciou-se com uma entrevista longa de carácter biográfico a cada um dos professores participantes, tendo-se desenvolvido de forma bastante variável quer no número de sessões necessárias para a sua concretização quer na respectiva duração. Todas estas entrevistas foram integralmente gravadas em áudio e realizadas durante a primeira quinzena do mês de Fevereiro de 2004.

As entrevistas biográficas tiveram uma natureza semi-estruturada, com a elaboração prévia de um guião orientador (ver Anexo II) com um grau de especificação de questões bastante amplo no sentido de abarcar os múltiplos aspectos a ter em conta.

Apesar da importância deste guião, no momento das entrevistas, recorreu-se a uma versão reduzida da qual constavam apenas os títulos dos diversos grupos de questões. Com este procedimento pretendeu-se que o desenvolvimento destas entrevistas fosse orientado sempre na perspectiva dos professores participantes, assumindo-se uma postura muito flexível quer colocando maioritariamente questões de forma aberta quer procurando privilegiar as observações, e respectiva derivação, feitas por cada entrevistado. Esta atitude traduziu-se na vantagem de atenuar a formalidade própria da entrevista (recorde-se que esta entrevista foi a primeira acção ‘formal’ de recolha de dados) e permitir que a conversa decorresse de forma calma e natural.

No guião orientador acima referido que apoiou estas três entrevistas, as questões estão organizadas em função do tema em estudo e seguem uma sequência que se tentou cumprir, sempre que possível, quer para facilitar mais tarde a análise de dados quer para enquadrar as observações mais de iniciativa própria de cada entrevistado nesse contexto. O guião consta de duas partes principais: (i) a primeira parte orienta-se para a história e motivações pessoais dos participantes relativas a aspectos do seu percurso pessoal e profissional e da formação que foi adquirindo; e (ii) a segunda parte abrange aspectos relacionados com o ensino e a aprendizagem da Matemática. A primeira parte pretendeu recolher informação para traçar uma ‘história de vida’, associando-lhe dimensões consideradas importantes, como sejam a escolaridade básica e secundária, a escolha da profissão, a formação inicial, o início da docência e a actividade profissional desenvolvida. A segunda parte procurou percorrer outros aspectos significativos na construção do conhecimento profissional, seguindo as diversas dimensões associadas a esse conhecimento, tais com os contextos educativo e de trabalho, os alunos, a Matemática e o seu ensino e aprendizagem, o currículo e os programas de Matemática, os materiais curriculares, com uma incidência especial no manual escolar, o processo instrucional integrando a planificação do trabalho, a condução da aula e a avaliação do trabalho desenvolvido, e outros aspectos relacionados com (inter)influências entre o conhecimento profissional do professor e os materiais curriculares.

As entrevistas com cada um dos professores participantes tiveram lugar, a seu pedido, na habitação onde residem. Todas elas aconteceram em momentos em que não havia mais pessoas em casa, ficando criado um ambiente calmo, agradável e propício à concentração e ao diálogo. Quando o entrevistado achou conveniente, fez-se uma

interrupção para um ligeiro intervalo, retomando depois a sequência da conversa e seguido a ordem dos temas prevista no guião.

A entrevista feita a Tiago teve a duração total de seis horas e foi repartida por três sessões de duas horas cada, tendo decorrido dez dias entre a primeira sessão e a última. A entrevista a Marta durou aproximadamente quatro horas e distribuiu-se por duas sessões, em que a primeira foi um pouco mais longa do que a segunda, havendo um intervalo de onze dias entre os dois momentos. Finalmente, a entrevista de Sofia foi a que ocupou menos tempo, tendo demorado um pouco mais de três horas no total e desenrolou-se ao longo de sete dias; a primeira sessão foi muito curta devido a um problema no aparelho de gravação, tendo as duas sessões restantes demorado, aproximadamente, uma hora e meia.

Depois, no final, as três entrevistas foram transcritas na íntegra. Nesta transcrição, e nos restantes registos escritos, recorremos a alguns símbolos cuja tradução se pode ver no Anexo III. Posteriormente, disponibilizou-se esta transcrição a cada um dos professores para uma eventual clarificação ou precisão de discrepâncias detectadas, tendo sido feitas apenas correcções de pormenor. No Anexo IV, pode ver-se a transcrição da entrevista do professor Tiago.

Depois da realização das entrevistas biográficas, a recolha de dados direccionou-se, até ao final do ano lectivo de 2003/2004, para o processo instrucional, ou seja, para o acompanhamento da planificação do trabalho lectivo a desenvolver, da condução de cada aula e da avaliação do trabalho realizado. Para isso, foi combinado com cada professor participante que este acompanhamento fosse feito através de três visitas à sua sala de aula para observar o trabalho lectivo, sendo desejável antecedê-la com a discussão prévia da planificação prevista e completá-la posteriormente com uma reflexão sobre todo o trabalho desenvolvido neste ciclo lectivo.

Informámos os professores participantes da nossa vontade de não interferir, ou interferir o mínimo possível, no respectivo trabalho docente e, portanto, que o deveriam continuar a desenvolver da(s) forma(s) que habitualmente o faziam. É muito importante que este aspecto seja salvaguardado para não introduzir distorções naquilo que se considera único e particular em cada sujeito. Por consequência, da nossa parte não houve qualquer condição prévia para o desenvolvimento desse processo de observação

e discussão, nomeadamente em relação à data, ao tipo de aula, aos conteúdos matemáticos a tratar ou aos materiais a utilizar, nem foi dada qualquer indicação intencional que pudesse afastar os professores das suas ‘rotinas’ lectivas.

Procurou-se assegurar que os procedimentos para cada ciclo lectivo (planificação, aula, reflexão) e para cada professor fossem seguidos de uma maneira o mais uniforme possível. Como seria previsível nem sempre foi possível cumprir completamente o que estava planeado, não havendo, no entanto, qualquer situação que tivesse condicionado ou inviabilizado, de forma significativa, qualquer etapa do processo.

A discussão da planificação do trabalho a desenvolver em cada aula baseava-se na apresentação de um plano escrito apresentado pelo professor e que era enviado previamente ao investigador para possibilitar a sua análise. As sessões de discussão da planificação tomaram a forma de uma entrevista semi-estruturada, no sentido já explicitado para a entrevista biográfica, cujo guião se apresenta no Anexo V. Após uma apresentação breve da estrutura do plano feita pelo professor, eram colocadas questões, de forma muito aberta, nos domínios da Matemática, pedagógico-didáctico e do contexto escolar, relacionadas quer com aspectos mais gerais da planificação (preocupações, dificuldades sentidas, fontes de informação e esclarecimento) quer com aspectos mais específicos desse plano (alunos, objectivos, conceitos matemáticos, estratégias, tarefas, materiais, avaliação) que ajudassem a clarificar a intenção das opções tomadas.

Estas entrevistas tiveram uma duração média de trinta minutos e foram transcritas a partir da gravação em áudio. Juntamente com a transcrição das entrevistas de análise e reflexão, referidas uns parágrafos a seguir, elaborou-se, para cada um dos professores, o “relatório da discussão do processo instrucional”. No Anexo VI, apresenta-se um desses relatórios correspondente à professora Marta.

Para a observação directa em contexto de aula assumimos o papel de ‘só observador’, embora nas aulas de Tiago devido ao número reduzido de alunos o papel estivesse mais próximo do ‘observador-participante’ do tipo passivo (Evertson e Green, 1994). Essa postura, como não envolve qualquer outra actividade primária, permitiu um maior distanciamento e, portanto, uma menor possibilidade de interferir na prática

lectiva do professor, bem como uma maior disponibilidade para observar o que está acontecendo. Para apoiar o processo de observação e posterior análise, foi elaborado um guião, adaptado de Santos (2000), mas tendo também em conta a experiência profissional do investigador, prevendo aspectos relevantes a considerar, como sejam a estrutura da aula, o trabalho proposto pelo professor aos alunos, a actuação do professor, a actuação dos alunos e o ambiente da aula (ver Anexo VII).

As observações das aulas foram realizadas sem recurso a grelhas ou qualquer outro instrumento específico de observação. No entanto, foram registadas notas de campo e comentários sobre o que ia acontecendo, prestando especial atenção às actuações dos professores na organização, gestão e condução da aula que, de algum modo, pudessem revelar elementos do seu conhecimento profissional. Por exemplo, o ambiente vivido na aula, as relações com e entre os alunos, a evolução temporal da aula, o desenvolvimento das estratégias previstas, a realização das tarefas propostas, os tipos de materiais usados (em especial, os manuais escolares) e os respectivos modos de utilização foram aspectos da aula a que se esteve particularmente atento. Também se recolheram os diversos documentos utilizados (fichas de trabalho, manuais escolares) para posterior análise.

Para poder, diferidamente, clarificar eventuais dúvidas ou aspectos a que não tivesse sido dada especial atenção na observação directa, procedeu-se à gravação vídeo de todas as aulas observadas. As aulas de Tiago duraram, em média, duas horas e as aulas de Marta e Sofia tiveram a duração de uma hora e trinta minutos.

Depois de cada aula, construiu-se um ‘relatório da observação da aula’ numa tabela com duas colunas: na primeira coluna é feita uma descrição exaustiva da aula com a transcrição de todos os diálogos registados em vídeo considerados relevantes para o estudo e na segunda coluna, ‘observações’, são registadas as principais etapas da aula e reflexões suscitadas pelo desenvolvimento da aula. No Anexo VIII, é apresentado o relatório da primeira aula de Sofia, ao qual foi suprimida a coluna ‘observações’, para dar conta do ambiente geral vivido dado que, ao longo da redacção deste trabalho, apenas aparecem excertos ou episódios particulares de cada aula.

Finalmente, para concluir o ciclo lectivo, realizaram-se, com cada um dos professores, sessões de análise e reflexão para recolher impressões dos professores

sobre a aula ou sobre o ciclo lectivo. Estas sessões tomaram a forma de uma entrevista aberta, sem um guião orientador, e foram transcritas a partir da gravação em áudio, tendo tido uma duração média de trinta minutos. Como já se referiu, essa transcrição associada à transcrição das entrevistas de discussão das planificações, formam o “relatório da discussão do processo instrucional”.