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2. O contexto curricular e de formação

2.1. O contexto curricular

O conceito de currículo tem sido encarado como um conceito polissémico, ambíguo e muldimensional. Por exemplo, Roldão (1998: 32), consciente da influência da pressão social numa definição de currículo, considera que o currículo escolar pode ser entendido como “aquilo que se espera fazer aprender na escola, de acordo com o que se considera relevante e necessário na sociedade, num dado tempo e contexto”. Já Brocardo (2003: 47) considera o currículo “como uma prática que se constrói a partir de um processo contínuo de decisão e que não pode ser separada dos contextos em que ocorre e das pessoas que nela intervêm”.

Mas, conforme as perspectivas de análise, facilmente se reconhece o aparecimento de uma grande variedade de ideias e definições de currículo. Pacheco (1996) acha que esta variedade pode ser simplificada em duas definições mais comuns:

uma mais formal, como um plano previamente planificado a partir de fins e finalidades, e outra mais informal, como um processo decorrente da aplicação do referido plano.

Na primeira, o currículo é identificado como um plano de estudos, ou um programa, muito estruturado e organizado em objectivos, conteúdos e actividades e de acordo com a natureza das diferentes disciplinas. Uma forma de ilustrar o currículo deste ponto de vista formal é apresentada por D’Ambrósio (1994) que recorre a uma representação cartesiana tridimensional — os eixos correspondem às três dimensões a considerar: objectivos (o), conteúdos (c) e métodos (m) — em que a cada ‘ponto’ do currículo está associado um terno (o,c,m). Desta forma, o currículo representa algo muito planificado, que será implementado na base do cumprimento das intenções previstas e onde os objectivos e os conteúdos a ensinar se destacam como aspectos fundamentais. Nesta acepção, assumida sobretudo na tradição latino-europeia, a noção de currículo é muito próxima da noção de programa.

Na segunda categoria, o currículo, embora referindo o plano ou o programa, é definido ora como o conjunto das experiências educativas vividas pelos alunos no contexto escolar ora como um propósito bastante flexível que permanece aberto e dependente das condições da sua aplicação. Assim, o currículo é entendido como um todo organizado em torno de questões previamente planificadas, do contexto em que se desenvolve, e dos saberes, crenças, atitudes e valores dos intervenientes, valorizando experiências e processos de aprendizagem. Esta acepção, mais na linha da tradição anglo-saxónica, entende o currículo de forma abrangente, englobando as decisões quer a nível das estruturas políticas quer a nível das estruturas escolares.

Em Portugal, a tradição curricular tem assumido contornos mais formais. Porém, e seguindo Canavarro (2005), com o processo de reforma curricular ocorrido nos finais da década de oitenta, e acompanhando a tendência internacional, verificou-se uma viragem significativa nas orientações curriculares gerais. Os programas de Matemática resultantes da reforma (Direcção-Geral do Ensino Básico e Secundário, 1990; Ministério da Educação, 1991a; 1991b; 1991c; 1991d; 1991e) acabam por consagrar muitas ideias emergentes do debate que, na altura, acontecia na Educação Matemática. Por isso, estes programas constituem um avanço relativamente à situação anterior, nomeadamente, quando consideram o aluno como o elemento central do

ensino e da aprendizagem e quando ampliam o âmbito dos conteúdos de aprendizagem que, para além dos conhecimentos matemáticos, passam a incluir capacidades e atitudes a desenvolver, devendo ser tratados de forma articulada e visando a formação integral do aluno.

As finalidades das disciplinas de Matemática adoptam enunciados bastante próximos tanto para o ensino básico, escolaridade obrigatória para os alunos dos seis aos quinze anos, como para o ensino secundário, orientado para os alunos dos dezasseis aos dezoito anos. Essas finalidades apontam para o desenvolvimento das capacidades de utilizar a Matemática na interpretação e intervenção no real, de raciocínio e resolução de problemas, comunicação, memória, rigor, espírito crítico e criatividade. São ainda referidas, no ensino básico, a promoção da estruturação do pensamento e da realização pessoal através de atitudes de autonomia e cooperação e, no ensino secundário, o aprofundamento de uma cultura científica, técnica e humanista e o desenvolvimento de uma atitude positiva face à ciência.

No ensino básico, as orientações metodológicas assumem genericamente que os conceitos devem ser construídos a partir da experiência e sob diferentes perspectivas e progressivos níveis de rigor e formalização. É feita referência à resolução de problemas como um “eixo organizador do ensino da Matemática” e são valorizados o raciocínio indutivo, os aspectos intuitivos, a comunicação, a história da Matemática, as situações de exploração e descoberta, a interligação dos diversos assuntos, o trabalho de grupo e a utilização de materiais de escrita, manipuláveis e tecnológicos.

Sobre os conteúdos matemáticos, o programa do primeiro ciclo está organizado em três blocos de conteúdos — Espaço e forma, Grandezas e medidas, Números e operações — a que se junta uma componente de Suportes de aprendizagem que inclui materiais, actividades recorrentes e linguagem e representação. No segundo ciclo, os temas em torno dos quais se organizam os conteúdos de aprendizagem são Geometria, Números e cálculo, Estatística e Proporcionalidade e o terceiro ciclo mantém Geometria, Números e cálculo e Estatística, substituindo o tema Proporcionalidade por Funções.

Entretanto o poder político concretiza, no início desta década, o documento Currículo Nacional do Ensino Básico (Departamento de Educação Básica, 2001) onde

é notória uma “evolução de perspectivas”, nomeadamente, a introdução e clarificação do conceito de competência que “integra conhecimentos, capacidades e atitudes e que pode ser entendida como saber em acção ou em uso”. No capítulo que trata as competências específicas da Matemática é explicitada a competência matemática que todos os alunos devem desenvolver ao longo do ensino básico e que deve ser trabalhada a partir de experiências matemáticas ricas e significativas. Igualmente, são referidas (e exemplificadas) componentes que caracterizam essa competência matemática, tais como a ‘predisposição’ (para procurar regularidades ou fazer e testar conjecturas), a ‘aptidão’ (para comunicar ideias matemáticas ou para analisar os erros cometidos e ensaiar estratégias alternativas) e a ‘tendência’ (para procurar ver a estrutura abstracta subjacente a uma situação). Os temas matemáticos são agrupados em Número e cálculo, Estatística e probabilidades, Geometria e Álgebra e funções. É dado um destaque especial às Experiências de aprendizagem, valorizando os diversos tipos (resolução de problemas, actividades de investigação, realização de projectos, jogos), ao contacto com aspectos da história, do desenvolvimento e da utilização da Matemática, à consideração de aspectos transversais da aprendizagem matemática (comunicação matemática, prática compreensiva de procedimentos, exploração de conexões) e à utilização de recursos de natureza diversa (tecnologias, materiais manipuláveis). Acrescente-se ainda que, como não houve a revogação dos normativos anteriores, neste momento estão em vigor simultaneamente este documento e os programas aprovados no início dos anos noventa.

No ensino secundário, as orientações metodológicas gerais do programa da disciplina de Matemática (Ministério da Educação, 1991a) seguem algumas ideias já referidas para o ensino básico, tendo como pressuposto “ser o aluno agente da sua própria aprendizagem” (p. 32) e sugerindo da mesma maneira que a construção dos conceitos deve ser desenvolvida a partir da experiência e sob diferentes pontos de vista. O programa aponta para o estabelecimento de uma maior ligação da Matemática à realidade, reconhecendo a importância do raciocínio dedutivo, da comunicação e da abordagem histórico-cultural na abordagem dos conteúdos. A calculadora passa a ser de utilização obrigatória e o uso do computador é bastante recomendado.

Os temas matemáticos agrupam-se em quatro áreas designadas Números e cálculo, Geometria e trigonometria, Funções e análise infinitesimal, e Estatística e

probabilidades, registando-se um aumento do peso relativo da Geometria na comparação com os programas anteriores à reforma.

Entretanto, como inovação curricular, os alunos do ensino secundário que não integram a disciplina de Matemática passam a ter no seu currículo, no décimo ano de escolaridade, a disciplina de Métodos Quantitativos (Ministério da Educação, 1991a). Esta disciplina pretende, entre outros aspectos mais gerais, “desenvolver nos alunos a capacidade de quantificar dados para descrever, interpretar e intervir no real” (p. 95), e segue, no essencial, as sugestões metodológicas traçadas no programa de Matemática. Os temas matemáticos organizam-se em três grupos: Estatística e probabilidades, Lógica e números, e Funções.

Passado algum tempo, em 1997, é desenvolvido um processo de ajustamento relativamente ao programa de Matemática em vigor desde o início da década (Departamento do Ensino Secundário, 1997), sendo proposta uma reorganização dos temas matemáticos, com o reforço dos aspectos geométricos e probabilísticos, agora reagrupados em Cálculo diferencial, Geometria (no plano e no espaço), Funções e sucessões, e Probabilidades (com Análise combinatória) e estatística. Esta reorganização é acompanhada da valorização da utilização da calculadora gráfica, que passa também a ser obrigatória, da história da Matemática e das actividades de modelação ou de cariz mais aberto, exploratório ou investigativo.

Mais recentemente, em 2003, houve uma reorganização das disciplinas de Matemática que se adaptaram aos (novos) percursos que os alunos puderam passar a escolher no ensino secundário. Por isso, e desde esta altura, as disciplinas que constam do plano de estudos deste nível de ensino são: Matemática A, orientada para os cursos gerais de Ciências Naturais, Ciências e Tecnologias, Ciências Sócio-Económicas; Matemática B, para os alunos que frequentam os Cursos Tecnológicos; e Matemática Aplicada às Ciências Sociais, concebida para o curso geral de Ciências Sociais e Humanas e para o curso tecnológico de Ordenamento do Território. Embora naturalmente haja algumas diferenças entre estas disciplinas, devido ao seu principal campo de acção, as (novas) finalidades enunciadas retomam, em larga medida, as orientações que estavam expressas nos programas anteriores.

Podemos então afirmar que os documentos portugueses que orientam o currículo oferecido às crianças e jovens nos ensinos básico e secundário podem permitir aos alunos experiências matemáticas significativas que conduzam a uma aprendizagem da Matemática que lhes possibilite, por um lado, compreender melhor a realidade e o mundo que os rodeia e, por outro, articular o seu conhecimento matemático com os saberes de outras áreas e disciplinas. De facto, tem sido bastante notória a preocupação das autoridades educativas de ajustar o currículo aos desafios sociais cada vez mais complexos quer com a consideração, no ensino básico, do conceito de competência matemática (e de literacia matemática) quer destacando, no ensino secundário, o papel instrumental da Matemática e o seu poder na formação de uma consciência informada e com capacidade crítica.