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2. O percurso pessoal e profissional

2.7. Ser professor de Matemática

Sendo professor do primeiro ciclo, Tiago desempenha simultaneamente o papel de professor de diversas disciplinas, “nós somos e temos de ser multifacetados” (EntT.287), acabando, como é natural, por ter envolvimentos diferentes com as diversas áreas curriculares. A área das Expressões é a sua preferida, mas também gosta muito de

trabalhar a Matemática apesar de, devido à sua reduzida formação matemática de base, sentir algumas limitações nesta área disciplinar:

“sinto dificuldades… vamos lá a ver… acho que não posso ir muito longe, isto é, não posso dar um passo muito grande porque realmente a informação a nível de Matemática é fraca… fraca, no sentido que, a nível de formação académica matemática, foi fraca. Mas eu acho que os conhecimentos que tenho contribuem, tento que contribuam, para que os meus alunos sejam um bocadinho melhores do que fui eu” (EntT.289).

Tiago gosta “muito de ensinar Matemática, embora, sinceramente, nunca tivesse sido muito bom aluno a Matemática” (EntT.036). Também a sua relação com a Matemática “nunca foi uma relação de casamento, mas também nunca foi uma relação de afastamento completo… se calhar, foi mais uma relação de amantes [risos]… amantes porque eu gosto da Matemática, mas sempre tive alguma dificuldade com a Matemática” (EntT.161). Recordando a escolaridade básica e secundária, Tiago pensa que apenas nos seis primeiros anos teve um desenvolvimento normal relativamente à disciplina de Matemática, já que a partir daí tudo foi complicado. Primeiro, no Curso Geral de Administração e Comércio, os professores deixavam muito a desejar do ponto de vista científico ou metodológico e depois, no Curso Complementar, “realmente eu não tinha bases” para acompanhar as explicações do professor. Só, posteriormente no Curso do Magistério Primário, voltou a ter experiências mais interessantes com a disciplina dado que a professora o “puxou e espicaçou um bocadinho mais” e pôde trabalhar os conceitos matemáticos de diversas maneiras.

Devido a esta relação, nem sempre fácil com a disciplina, Tiago, como professor de Matemática, tenta ter sempre presente esse seu percurso como estudante de modo a melhor poder orientar os seus alunos:

“como professor de Matemática, faço sempre uma análise em relação ao meu currículo de vida, quer dizer, à minha vida como estudante e a dificuldade que eu senti com a Matemática. Eu senti, muitas vezes, essa dificuldade na Matemática e, por isso, eu não gostava que amanhã um aluno meu dissesse ‘olha, eu sou um mau aluno a Matemática porque o professor Tiago não me ensinou, não me orientou’… acho este termo ‘ensinar’ muito discutível… quer dizer, ‘não me orientou no sentido de eu gostar da Matemática ou de eu poder fazer um determinado percurso a nível da Matemática’…” (EntT.287).

Desta forma, assume que se preocupa e se esforça mais para que os seus alunos aprendam e gostem da Matemática, procurando integrar formas lúdicas de trabalho nas suas aulas para que não se tornem em “aulas muito maçudas e muito pesadas” (EntT.037). Esta sua atitude é consistente com ideias bastante aceites que apontam para a importância dos aspectos afectivos na aprendizagem matemática (Abrantes, Serrazina e Oliveira, 1999; National Council of Teachers of Mathematics, 1991; 1994) e que constam nos princípios orientadores do programa de Matemática do primeiro ciclo: “a tarefa principal que se impõe aos professores é conseguir que as crianças desde cedo aprendam a gostar de Matemática” (Departamento da Educação Básica, 1998: 169). Para isso, tenta seguir uma linha não muito directivista para que os alunos tenham o seu ‘espaço’ na aula:

“eu sou um professor que procuro que sejam os alunos a procurar e resolver, em vez de ser eu a tentar impor-lhes… e dizer-lhes e levá-los numa determinada direcção. Claro que, por vezes, é necessário porque senão não tinham direcção. Mas procuro que sejam eles a fazer e a colocar as dúvidas e as questões. Até faço experiências com assuntos completamente novos que vou expondo e depois conforme lhes vão surgindo as dúvidas é que os vou ajudando. Acho que é uma forma, não sei se será a mais correcta, mas é uma das formas para que eles não se habituem só a ouvir. Muitas vezes pensamos que estão a ouvir e não estão a ouvir nada” (EntT.058).

Então, independentemente dos percursos escolares que possam vir a seguir mais tarde, Tiago procura fomentar nos seus alunos esse gosto pela Matemática, a par do reconhecimento da enorme importância desta disciplina na vida de toda a gente, tarefa que, como tem verificado, não é muito fácil de levar à prática:

“é isso que eu tenho quase sempre presente com os meus alunos, é a importância que temos de atribuir à Matemática na vida, embora realmente seja um bocadinho difícil transmitir aos alunos essa importância da Matemática. Se calhar é mais fácil reconhecer quanto é importante saber ler e escrever. Mas… com um bocadinho de sensibilidade e se nós gostarmos daquilo que fazemos, conseguimos transmitir aos nossos alunos o quanto é importante saber Matemática, principalmente, na sua vida prática. Eu não sei qual é o futuro daqueles alunos, quer dizer, se vão continuar estudar… porque isso é uma coisa que eu tenho sempre muito presente, eu nunca sei se aquele aluno continua a estudar, [pode acontecer] que nunca mais ninguém lhe ensine nada de Matemática e isso faz-me reflectir o quanto é importante, logo

desde o início, os alunos terem consciência de que realmente o que estão a aprender é [útil] para a sua vida prática” (EntT.288).

Por isso, sente sempre uma enorme satisfação quando “encontro um ex-aluno, agora aluno em Gestão ou em Engenharia, que realmente conseguiu desenrascar-se bem na Matemática, ou noutras áreas… Claro que também me acontecem situações contrárias… mas sentimos sempre que realmente valeu a pena” (EntT.287).

Face à pressão social exercida actualmente sobre o ensino da Matemática, Tiago acha que é um pouco difícil lidar com essa situação que resulta, muitas vezes, de visões da Matemática (e da escola) muito pouco adequadas aos tempos de hoje, defendendo, por isso, a necessidade de um diálogo efectivo com os pais e encarregados de educação sobre as questões escolares:

“principalmente as pessoas da minha geração, ou mais velhos, dizem ‘quando saí da escola primária já fazia contas de dividir e de multiplicar por não sei quantos algarismos… já resolvia, sabia resolver… nunca tive problemas na minha vida desde que fiz a quarta classe… agora os alunos não sabem nada’. E é aí que nos cabe a nós fazê-los perceber [a situação]. Ainda aqui há dias, andava eu e os alunos pela rua fora a medir o quilómetro e as pessoas ficaram muito admiradas, porque nos viam a pôr as estaquinhas e as placazinhas e depois, claro, essas pessoas vão para o café e no café já se comentava que o professor andava a fazer isto e aquilo” (EntT.290);

“(…) outra vez uma das pessoas comentou que, quando saiu da escola, sabia tudo de Matemática. Acabou por compreender que sabia as coisas que memorizou mas não tinha consciência daquilo realmente fazia. É aí que, muitas vezes, o nosso papel é importante, principalmente a nível de encarregados de educação, dizer-lhes que o importante não é ter os conhecimentos todos, o importante é prepará-los [os alunos] para as aprendizagens futuras. Eu acho que tudo aquilo que nós aprendemos no dia-a-dia vai servir e é mais um salto ou um degrau para as aprendizagens futuras… depois, quando realmente há uma falha num determinado degrau estamos sujeitos a cair ou as escadas que estão em cima depois virem por ali abaixo” (EntT.290).

Caracterizando, de forma sucinta, o seu ensino actual como professor de Matemática e adiantando que “é sempre difícil falarmos de nós próprios”, Tiago realça, entre outros aspectos, a preocupação constante em articular os seus conhecimentos e os interesses do seu ensino com as necessidades de aprendizagem com significado dos

seus alunos, num ambiente em que a Matemática possa ser vista como uma área útil e agradável:

“se eu disser que eu sou um mau professor de Matemática quer dizer que estou sujeito a levar um ‘não satisfaz’ e a não subir de escalão [risos]. Mas… acho que procuro ensinar os alunos dentro das minhas capacidades, dentro dos meus conhecimentos… conhecimentos de Matemática e conhecimentos de metodologia… tento ajudá-los, isto é, eu não me vejo só a ensinar, eu vejo os outros a aprender… da melhor forma possível, o mais divertida possível, sem tornar a Matemática um disciplina maçadora, que foi isso que me traumatizou durante muito tempo, tornar a Matemática uma disciplina atraente… atraente e com alguma componente de seriedade e com a visão da necessidade para a sua [do aluno] vida futura e que está sempre presente” (EntT.227).