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1. Conhecimento profissional do professor

1.3. Conhecimento prático

Esta secção é dedicada a uma corrente com uma crescente implantação que entende o conhecimento profissional do professor como um conhecimento fundamentalmente prático (Clandinin, 1989; Elbaz, 1983; Hiebert, Gallimore e Stigler, 2002; Schön, 1983; 1992a; 1992b) ao qual podem ser associadas diversas características próprias. Hiebert, Gallimore e Stigler (2002) identificam algumas dessas características, adiantando que o conhecimento prático está ligado à prática, sendo muito útil porque se desenvolve em resposta a problemas específicos dessa prática, e é um conhecimento integrado, pormenorizado, concreto e específico. Por outro lado, para que o conhecimento prático se torne em conhecimento profissional, estes autores consideram que esse conhecimento tem que ser público e comunicado entre colegas, acumulável e partilhado.

Para Elbaz (1983: 132-133-137) o conhecimento prático dos professores resulta da integração de saberes experienciais e de saberes teóricos e integra conteúdos, orientações e estrutura. A autora identifica, como conteúdos principais do conhecimento prático, o conhecimento sobre si mesmo, o conhecimento do meio de ensino, o conhecimento da matéria, o conhecimento do currículo, e o conhecimento do processo de ensino. Considera as orientações como os modos que expressam a relação do conhecimento com as situações da prática entendida como situacional, pessoal, social, experiencial e teórica. Argumenta que o conhecimento prático se estrutura e é representado na prática em três níveis crescentes de generalidade: (i) como regras da prática, “afirmações breves, claramente formuladas acerca do que fazer ou como fazer

numa situação particular”; (ii) como princípios práticos, “formulações mais inclusivas e menos explícitas” através das quais as intenções do professor são mais evidentes; e (iii) como imagens, “declarações breves, descritivas e, às vezes, metafóricas” que ajudam os professores a organizar o seu conhecimento em áreas relevantes e a captar aspectos importantes da percepção que têm acerca de si mesmos, do seu ensino, da matéria ou das suas aulas.

O interesse principal de Elbaz centra-se em compreender e captar o conhecimento que os professores têm do seu trabalho e das suas actuações sem pretender impor teorias ou métodos já estabelecido. Para isso, estuda uma professora, Sarah, durante dois anos sobre o que designa o seu conhecimento prático, que se refere às diversas experiências de estilos de aprendizagem, interesses, necessidades, resistências e dificuldades, e a um repertório de técnicas de ensino e de capacidades de gestão da sala de aula. Constata que, de facto, o que aquela professora conhece não é teoria ou proposições empíricas, mas sim formas de desenvolver as suas tarefas de ensino ou resolver conflitos.

Também a noção de conhecimento prático, mais propriamente de conhecimento prático pessoal, é relevante no trabalho de Clandinin (1989: 139), que afirma:

“o termo conhecimento prático pessoal marca as fronteiras da nossa indagação sobre o ensino. O termo ‘conhecimento’ aponta para o nosso interesse epistemológico fundamental e associa-nos com aqueles que se interessam com os problemas do conhecimento no currículo. O termo ‘prático’ qualifica este interesse epistemológico alinhando-nos com escritores como Schön cujo interesse é a epistemologia do pensamento prático. O termo ‘pessoal’ qualifica o nosso interesse em como indivíduos específicos conhecem as suas situações de aula. Por consequência, o termo ‘conhecimento prático pessoal’ define o nosso interesse na compreensão dos actos de ensino em termos de descrições personalizadas concretas do conhecimento humano”.

Assume, tal como Elbaz (1983), que os professores possuem um tipo de conhecimento orientado para a prática que é experimental, carregado de valor, positivo, e modelado pelos seus valores e intenções, e considera fundamental encontrar e utilizar formas de o captar evitando processos que possam distorcer, eliminar ou reconstruir esse conhecimento prático, sugerindo e adoptando a narrativa e o relato (e o conceito relacionado de imagem) como maneiras possíveis de evitar a excessiva influência de

teorias externas no conhecimento prático pessoal dos professores. Este conhecimento é dinâmico e vai adquirindo-se por tentativas, implicando uma relação dialéctica entre a teoria e a prática. Para além disso, é um “conhecimento que reflecte a experiência individual prévia e reconhece a natureza contextualizada desse conhecimento do professor. É uma espécie de conhecimento esculpido, e modelado, pelas situações” (Clandinin, 1989: 122). A autora atribui uma grande importância à ideia de imagem, considerada parte do conhecimento prático pessoal, ligada ao passado, ao presente e ao futuro do indivíduo, e orientadora das actuações profissionais. Uma imagem é uma maneira de organizar e reorganizar a experiência passada ligando-a significativamente ao presente e perspectivando acções futuras, integrando uma dimensão emocional e uma dimensão moral.

Também Schön (1983, 1992a, 1992b) centra as suas preocupações no conhecimento prático. Ao referir-se à importância da contribuição de Schön no estudo sobre o professor, Marcelo (1992: 60) destaca o facto de ter realçado a característica fundamental do ensino: “é uma profissão em que a própria prática conduz necessariamente à criação de um conhecimento específico e ligado à acção, que só pode ser adquirido através do contacto com a prática, pois trata-se de um conhecimento tácito, pessoal e não sistemático”.

As limitações da racionalidade técnica conduzem Schön (1992a) a caracterizar o conhecimento profissional como um conhecimento em acção, introduzindo o conceito de epistemologia da prática para clarificar a distinção entre o conhecimento teórico ou formal e o conhecimento prático. Entende, tal como Fenstermacher (1994), que estes dois tipos de conhecimento, para além de terem fontes diferentes, representam epistemologicamente tipos de conhecimento diferentes. Na base da epistemologia da prática que Schön defende está “uma perspectiva do conhecimento, construtivista e situada, e não uma visão objectiva e objectivante como a que subjaz ao racionalismo técnico” (Alarcão, 1996: 17).

Nesta perspectiva, Schön (1992a) considera que o saber profissional é marcado pela prática da reflexão a diversos níveis, apresentando, como conceitos-chave na epistemologia da prática que propõe, o conhecimento na acção, a reflexão na acção, a reflexão sobre a acção e a reflexão sobre a reflexão na acção.

O conhecimento na acção refere-se:

“aos tipos de conhecimentos que revelamos nas nossas acções inteligentes quer sejam observáveis ao exterior — execuções físicas como o acto de andar de bicicleta — ou se trate de operações privadas, como o caso de uma análise instantânea de um balanço. Em ambos os casos, o conhecimento está em acção. Revelamo-lo através da nossa execução espontânea e hábil; e paradoxalmente somos incapazes de o fazer explícito verbalmente” (Schön, 1992a: 35).

Este conhecimento na acção é o componente inteligente que orienta toda a actividade humana, manifestando-se no saber-fazer. Há um conhecimento em qualquer acção inteligente, ainda que ele, fruto da experiência e da reflexão anteriores, se tenha consolidado em esquemas semiautomáticos ou em rotinas. No entanto, saber fazer e saber explicar o que se faz são duas capacidades intelectuais distintas embora, às vezes, mediante a observação e a reflexão sobre essa acção, seja possível realizar descrições do conhecimento tácito que está implícito. Essas descrições do conhecimento em acção (procedimentos utilizados, regras seguidas…) são sempre construções (e conjecturas), tentando pôr de forma explícita e simbólica um tipo de inteligência que começa por ser tácita e espontânea.

A reflexão na acção é um processo de diálogo com uma situação problemática, sem a interromper, que exige uma intervenção concreta e que pode ser uma resposta a um factor surpresa introduzido no conhecimento na acção. Trata-se de um processo através do qual os professores “aprendem a partir da análise e interpretação da sua própria actividade” (Marcelo, 1992: 60), embora seja um “processo de reflexão sem o rigor, a sistematização e o distanciamento requeridos pela análise racional, mas com a riqueza da captação viva e imediata das múltiplas variáveis intervenientes e com a grandeza da improvisação e criação” (Pérez Gómez, 1992: 104), em que os elementos racionais estão intimamente ligados aos elementos afectivos.

A reflexão sobre a acção e a reflexão sobre a reflexão na acção são as análises que, com recurso a palavras, o professor realiza a posteriori sobre as características e processos da sua própria acção, relacionando o conhecimento na acção e a reflexão na acção com a situação problemática e o seu contexto. Como afirma Schön (1992a: 36), “podemos reflectir sobre a acção, retomando o nosso pensamento sobre o que fizemos

para descobrir como o nosso conhecimento em acção possa ter contribuído para um resultado inesperado”.

Todos estes processos, interligados e complementares uns dos outros, constituem o pensamento prático do professor com o qual enfrenta as situações divergentes da prática, proporcionando-lhe uma intervenção prática racional.

Nos estudos produzidos pelos autores alinhados com o conhecimento prático é possível encontrar fortes ligações mas igualmente algumas diferenças. Por um lado, embora partindo de pressupostos, processos e resultados diferenciados, tanto Elbaz e Clandinin como Schön recorrem a métodos diferentes dos convencionalmente usados na ciência social, que consideram desajustados, e aceitam que o conhecimento profissional surge e se apoia na experiência e na acção. Por outro lado, Elbaz, Clandinin e atribuem grande importância às declarações, narrativas e relatos dos professores quer como conhecimento que eles possuem quer como meios que revelam esse conhecimento, sendo Schön mais cauteloso em admitir como conhecimento o que os professores dizem ou fazem, remetendo-o para a acção e para a reflexão decorrente da experiência e da actividade docente.