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1. Conhecimento profissional do professor

1.2. Conhecimento formal

Nesta secção referem-se estudos cuja natureza (produção de conhecimento acerca do ensino) se pode englobar no primeiro grupo da revisões de Carter (1990) e de Fenstermacher (1994), nomeadamente, algumas contribuições da psicologia cognitiva (Borko e Putman, 1995) e a caracterização, em termos gerais, de domínios e componentes do conhecimento profissional (Bromme, 1994; Carrillo, Coriat e Oliveira, 1999; Elbaz, 1983; Guimarães, 1999; Grossman, 1995; Ponte, 1999; Ponte, Oliveira, Cunha e Segurado, 1998; Shulman, 1986).

A visão cognitivista é baseada no princípio de que ensinar — aprender a ensinar — é um skill cognitivo complexo que deve ser analisado de modo semelhante aos restantes skills estudados pela psicologia cognitiva. Para isso, Leinhardt (1990, citada por Guimarães, 1999) reflecte sobre a prática de professores experientes e de professores sem experiência de ensino, detectando diferenças de esquemas mentais que cada grupo usa para dar significado às situações de ensino. O conhecimento do conteúdo da disciplina e a estrutura de lição, conhecimento de natureza prática, aparecem como domínios fundamentais do conhecimento do professor. Berliner (1986, citado por Guimarães, 1999), seguindo a mesma linha, prefere chamar conhecimento da organização e gestão da aula à estrutura de lição, considerando-o um saber determinante para uma realização bem sucedida do professor dado que influencia fortemente o ambiente da aula, o modo como o conteúdo é abordado e, consequentemente, envolvendo o conhecimento sobre os alunos.

Para Elbaz (1983), o conhecimento (prático) dos professores resulta da integração de saberes experienciais e de saberes teóricos e integra, como principais domínios, o conhecimento de si próprio, o conhecimento do meio de ensino, o conhecimento da matéria, o conhecimento do currículo e o conhecimento do processo de ensino.

No mesmo sentido, Guimarães (1999) identifica diversos domínios, interligados entre si, no conhecimento profissional. Nos domínios mais relacionados com a prática lectiva refere o conhecimento sobre a organização e gestão da aula, o conhecimento didáctico do conteúdo, o conhecimento do currículo e o conhecimento dos alunos; nos

domínios mais ligados à prática não lectiva considera o conhecimento de si próprio e o conhecimento do contexto escolar e extra-escolar. Reconhece igualmente, em cada um destes domínios, uma origem teórica e outra prática, sugerindo ter esta última uma importância preponderante.

Shulman (1986) realça o papel central dos conteúdos na análise dos processos de ensino e distingue três categorias no domínio do conhecimento do conteúdo: (a) o conhecimento da matéria (subject matter content knowledge); (b) o conhecimento curricular (curricular knowledge); e (c) o conhecimento didáctico (pedagogical content knowledge). Para além do conhecimento do conteúdo, refere ainda outros domínios igualmente importantes como sejam o conhecimento de pedagogia geral, o conhecimento dos alunos e dos seus percursos, o conhecimento dos princípios da organização escolar, finanças e direcção e o conhecimento dos fundamentos históricos, sociais e culturais da educação. Posteriormente, Shulman reorganiza o conhecimento essencial do professor para a planificação e prática lectiva, estabelecendo sete domínios fundamentais: conhecimento dos conteúdos disciplinares; conhecimento pedagógico geral, nomeadamente, de princípios e estratégias de gestão e organização da classe; conhecimento do currículo, dos materiais curriculares e dos programas; conhecimento didáctico; conhecimento dos alunos e das suas características; conhecimento do contexto educativo, especialmente, das características dos grupos, comunidades e cultura; e conhecimento dos fins, propósitos e valores educativos.

Também Grossman (1995) propõe uma tipologia para o conhecimento profissional, considerando seis domínios importantes para o trabalho do professor: (1) conhecimento do conteúdo, onde inclui o conhecimento da matéria e o conhecimento pedagógico mais explícito associado à matéria; (2) conhecimento dos alunos e da aprendizagem, nomeadamente, o referente às teorias da aprendizagem, ao desenvolvimento físico, social, psicológico e cognitivo dos alunos, à teoria e prática motivacionais, e à diversidade étnica, socioeconómica e de género entre alunos; (3) conhecimento da pedagogia geral, incluindo o conhecimento da organização e gestão da sala de aula e dos métodos gerais de ensino; (4) conhecimento do currículo, destacando o conhecimento dos processos de desenvolvimento curricular e do currículo escolar em e entre os diversos níveis de ensino; (5) conhecimento do contexto, que engloba os diferentes ambientes em que o professor desenvolve o seu trabalho, os alunos e suas

famílias, a comunidade local e também o conhecimento dos alicerces históricos, filosóficos e culturais da educação no país; e (6) conhecimento de si próprio, considerando o conhecimento quer dos valores, disposições, fraquezas e forças pessoais de um professor, quer da filosofia educacional, objectivos para alunos e propósitos para o ensino. Tal como a generalidade dos autores, Grossman destaca a complexidade deste conhecimento e ressalva que, apesar dos domínios aparecerem de forma discreta, da prática emerge a sua intersecção e integração. Deste facto, resulta então uma forte interligação entre estes domínios, dando, como exemplo, o conhecimento do conteúdo que inclui os subdomínios do conhecimento da matéria e o conhecimento didáctico, cada um dos quais afectando a pedagogia geral e o processo instrucional.

Baseando-se no trabalho de Shulman e numa perspectiva da psicologia cognitiva, Borko e Putman (1995) propõem uma organização para o conhecimento profissional essencial que se distribuem por três domínios, claramente inter- relacionados, e que consideram particularmente relevantes para as práticas dos professores: (1) conhecimento pedagógico geral; (2) conhecimento da matéria; e (3) conhecimento didáctico. O domínio do conhecimento pedagógico geral envolve os saberes e as crenças sobre o ensino, a aprendizagem e os alunos que ultrapassa os domínios particulares da matéria, e inclui o conhecimento de estratégias de ensino para a criação de ambientes de aprendizagem e uma organização e gestão eficaz da sala de aula. O conhecimento da matéria, importante porque influencia fortemente as práticas de ensino na aula, refere-se ao conhecimento do conteúdo de uma disciplina, englobando quer estruturas substantivas quer estruturas sintácticas. O conhecimento didáctico consiste numa compreensão profunda da matéria de modo a ser organizada e apresentada aos alunos para facilitar a sua aprendizagem, integrando saberes relativos a estratégias e representações de instrução, a dificuldades e eventuais concepções distorcidas dos alunos, e ao currículo e materiais curriculares disponíveis.

Para Bromme (1994), embora possa parecer, à primeira vista, que ‘matéria’, ‘pedagogia’ e ‘didácticas específicas’ sejam suficientes para descrever o conhecimento profissional, torna-se necessário aprofundar estas dimensões para assim o compreender melhor. Este autor, movimentando-se no campo da educação matemática e assumindo uma perspectiva da psicologia educacional, parte de categorias já adiantadas por Shulman (1986) — conhecimento do conteúdo, conhecimento pedagógico,

conhecimento curricular, conhecimento didáctico — introduzindo o conceito de ‘filosofia do conhecimento do conteúdo’ e fazendo uma distinção clara entre a Matemática enquanto disciplina académica e enquanto disciplina escolar. Deste modo, estabelece cinco domínios fundamentais para o conhecimento profissional de um professor: (1) conhecimento do conteúdo acerca da Matemática, que resulta do que o professor aprende durante os seus estudos e inclui proposições matemáticas, regras, modos matemáticos de pensamento e métodos; (2) conhecimento da matemática escolar, que integra conceitos matemáticos com conceitos de educação geral, não sendo uma mera simplificação da Matemática ensinada nas escolas de formação; (3) filosofia da Matemática escolar, que se refere a ideias sobre as bases epistemológicas da Matemática e da aprendizagem da Matemática ou sobre as relações entre a Matemática e os restantes campos do conhecimento e vida humanas, sendo um conteúdo implícito de ensino e incluindo elementos normativos; (4) conhecimento pedagógico, que se prende com a pedagogia geral, incluindo éticas pedagógicas e padrões comportamentais para lidar com uma classe, com os alunos ou com os pais; e (5) conhecimento didáctico, que faz a integração dos conhecimentos pedagógico e da matéria através da própria experiência do professor e inclui formas apropriadas de apresentar a matéria, de sequenciar temporalmente a abordagem dos tópicos ou de avaliar que assuntos devem ser tratadas mais aprofundadamente. Bromme (1994) considera ainda que o conhecimento profissional, mais do que ser um ‘aglomerado’ destas dimensões, resulta da sua integração no decorrer da prática lectiva e da experiência (prática) profissional. Esta ‘fusão’ do conhecimento proveniente de diferentes origens aparece como a característica particular que distingue o conhecimento profissional dos professores (de Matemática) do conhecimento codificado da disciplina (Matemática) com a qual fizeram a sua formação.

Para Ponte (1999: 60-61), o conhecimento profissional inclui uma parte fundamental que intervém directamente na prática lectiva do professor: o conhecimento didáctico. Trata-se de um conhecimento essencialmente orientado para a acção, desdobrando-se por quatro domínios: (1) o conhecimento dos conteúdos de ensino, incluindo as suas inter-relações internas e com outras disciplinas e as suas formas de raciocínio, de argumentação e de validação; (2) o conhecimento do currículo, incluindo as grandes finalidades e objectivos educativos e a sua articulação vertical e horizontal;

(3) o conhecimento do aluno, dos seus processos de aprendizagem, dos seus interesses, das suas necessidade e dificuldades mais frequentes, bem como dos aspectos culturais e sociais que podem influenciar negativa ou positivamente o seu desempenho escolar; e (4) o conhecimento do processo instrucional, relativamente à preparação, condução e avaliação da sua prática lectiva. Este conhecimento está intimamente relacionado com diversos aspectos do conhecimento pessoal do professor da vida quotidiana como o conhecimento do contexto (da escola, da comunidade, da sociedade) e o conhecimento que ele tem de si mesmo.

Na mesma linha, Ponte, Oliveira, Cunha e Segurado (1998), num estudo, orientado numa perspectiva de análise narrativa, sobre o conhecimento profissional necessário para envolver os alunos em trabalho de natureza investigativa, desenvolveram um conjunto de quatro categorias referentes ao conhecimento profissional do professor de Matemática mais orientado para a prática lectiva (e, portanto, ao conhecimento didáctico): (1) conhecimento de Matemática, que inclui os conceitos, a terminologia, as competências básicas e processos de raciocínio, as relações entre conceitos, os processos matemáticos e forma de validação de resultados; (2) conhecimento dos processos de aprendizagem, considerando a relação entre acção e reflexão, o papel das interacções, o papel das concepções dos alunos, o papel dos seus conhecimentos prévios, as estratégias de raciocínio e perspectivas em relação às capacidades dos alunos; (3) conhecimento do currículo, referindo-se às finalidades e objectivos, à ligação entre conteúdos, à ligação com outros assuntos, às representações dos conceitos e aos materiais; e (4) conhecimento do processo de instrução, realçando o ambiente de trabalho e a cultura da sala de aula, a concepção, selecção e sequenciação das tarefas, a apresentação, apoio na execução e reflexão sobre as tarefas, a comunicação e negociação de significados, a actividade e os modos de trabalho na sala de aula.

Carrillo, Coriat e Oliveira (1999) apresentam uma síntese que considera quatro componentes amplas e integradas do conhecimento profissional: uma componente disciplinar, por exemplo, referente à Matemática; uma componente humana, relacionada com o grupo humano em que o professor se insere; uma componente curricular, resultante da intersecção entre pedagogia e matemática; e uma componente atitudinal, relativa ao apreço pela Matemática e aos valores por ela veiculados.

Destas diferentes visões, dois aspectos ressaltam com bastante nitidez. Por um lado, é reconhecida a amplitude e extensão das competências e saberes exigidos na construção e desenvolvimento do conhecimento profissional dados os múltiplos, e cada vez mais diversificados, domínios que reclama. Por outro lado, é visível a complexidade de que se reveste a análise e o desenvolvimento dos saberes e competências nesses domínios tornando necessária uma integração efectiva dos diferentes conhecimentos envolvidos.